Não tem como negar: Fabricio Boliveira está simplesmente arrasando na pele do milionário vingativo Roberval em “Segundo Sol”. É uma aula de interpretação atrás da outra… E faz tempo que é um ator muito respeitado no meio artístico, mas demorou para ele ter a chance de mostrar todo o seu potencial na TV, para o grande público. Por quê? Fabricio responde – escancaradamente -, colocando todos os pingos nos is. Vem ler! (por Michelle Licory)
Glamurama: Você está lançando o longa “Além do Homem”, que conta a história de Alberto [Sergio Guizé], um escritor brasileiro radicado em Paris que não quer nem saber do seu país, mas acaba forçado a voltar. Quem é seu personagem nessa trama?
Fabricio Boliveira: “Faço o Tião, uma metáfora brasileira, um nativo, homem do campo, da terra… Um cara que vai desbravando essa história brasileira para trazer um espelho para o Alberto – e assim ele se reconhecer brasileiro de novo”.
Glamurama: Você diria que Macunaíma é uma referência nesse trabalho?
Fabricio Boliveira: “Fico agradecido pela comparação, mas acho que é um retrato de um brasileiro, de uma reconexão da gente com a gente. O filme fala disso. O que nos une como brasileiros? O que faz com que a gente tenha interesse na gente, deseje estar mais conectado, ‘experienciando’ tipos de brasileiros, lugares, culturas… O filme incita a descoberta”.
Glamurama: Você já pensou em desistir do Brasil, largar tudo e ir morar em outro país?
Fabricio Boliveira: “Não. A vida é tão árdua, não dá pra desistir assim, por nada. Ainda tenho muita batalha pela frente… Só penso em luta, no desenvolver, no caminhar. Não desistiria de ter minha vida aqui. Mas gosto de passear, rodar, estar conectado com o mundo”.
Glamurama: Se sente responsável, como artista, por fomentar e valorizar a cultura nacional?
Fabricio Boliveira: “Trabalho com isso, com o diálogo com o meu povo: essa é a minha vida. É ótimo poder viajar, fazer filme fora. Tenho trabalhado com muita gente… Mas esse aqui é o meu público, é de onde vim, estou conectado com ele, falando pra ele, minhas questões são dele. As questões que movimentam meu trabalho e mobilizam meu desejo emergem do meu povo”.
Glamurama: Na TV, você agora colhe os louros de um sucesso estrondoso em um papel de destaque no horário nobre da maior emissora do país. Que gosto isso tem?
Fabricio Boliveira: “Acho que o gosto é de mais responsabilidades, de ter clareza nas informações. A gente anda confuso e muito bombardeado, sabe? Fico pensando em ter mais clareza, apesar do Roberval ser esse mais ou menos vilão, que ninguém sabe ao certo o que ele é… Mas penso que é preciso entender mais sobre o ser humano, com menos maniqueísmos, por exemplo”.
Glamurama: Então vamos falar do gosto do sucesso nas ruas, que enfim chegou…
Fabricio Boliveira: “Tenho achado muito engraçado porque muita gente vem falar comigo, e as pessoas estão preocupadas: ‘Será que eu posso gostar do Roberval? Será que é um vilão? Será que vou odiá-lo e no fim ele vai ser o mocinho?’ É muito legal ver essas contradições. E as pessoas se mobilizando por coisas que foi você que catou ali, junto com o autor e a direção. Está sendo muito gostosa essa resposta”.
Glamurama: Acha que demorou para você ter essa chance de mostrar seu potencial para as massas?
Fabricio Boliveira: “Não sei, acho que as coisas chegam em seus momentos. O que penso é que falta ainda, e aí vamos falar disso claramente, bons personagens para atores negros. Mas no meu caso pude fazer boas escolhas e até abdicar de trabalhos para fazer só coisas em que eu acredito, que estejam conectadas comigo”.
Glamurama: Como assim? Recusou personagens na TV por não querer fazer só papel de empregado?
Fabrício Boliveira: “Deixei de trabalhar, neguei vários convites porque feriam coisas que eu acredito como artista, como ator e como negro, pela condição em que o negro era abordado. Não só pela função que o personagem ocupava… Não tenho nenhum problema em fazer o empregado. O que importa é o quanto ele está no ar, se ele é o protagonista. Se é uma história de um empregado, não há problema algum. Não preciso fazer o cara rico, mas que a história seja sobre ele. Agora ser pano de fundo para os outros não faz mais sentido. Não aceito isso. Acho que isso me fez muitas vezes dar um passo atrás em relação a trabalhar e viver outras experiências… Estar sempre futucando, futucando…”
Glamurama: Não tem como não falar da polêmica sobre a novela se passar em Salvador, conhecida como a cidade mais negra fora da África, e ter poucos negros no elenco…
Fabricio Boliveira: “Acho que é um movimento muito importante da população brasileira de querer se ver mais na televisão – e em outras funções profissionais também, nos altos cargos de poder… Nas novelas e na sociedade em geral os negros não ocupam lugares de destaque. Em todos esses lugares, é preciso harmonia no olhar de todas as cores, várias etnias. Esse movimento é legítimo, e vai continuar”.
Glamurama: A gente sabe de seu engajamento com essas questões raciais, mas o Roberval é ressentido, fala muito em senhor de engenho, em casa grande e senzala. Você também tem esse ressentimento?
Fabricio Boliveira: “Eu tenho. Todo o Brasil carrega esse tipo de ressentimento. Todo mundo tem isso nas entranhas. Está na sociedade, na quantidade de negros nas comunidades…”
Glamurama: Você acha que sua escalação para um papel de tanto destaque tem uma importância política?
Fabricio Boliveira: “Super, super! Imagina… Foi um clamor popular”.
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