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Amyr Klink // Foto: Maurício Nahas

Acostumado a longos períodos de isolamento, o navegador e escritor Amyr Klink trata as incertezas trazidas pela pandemia com otimismo. Mas, contra todas as expectativas, confessa não saber direito como lidar com confinamentos quando eles não são autoimpostos

por Nina Rahe fotos Maurício Nahas 

Em 2017, Amyr Klink construiu uma geodésica (cúpula composta por barras similares que criam uma superfície semi-esférica) no quintal de sua casa, em São Paulo. Na estrutura super-resistente e cheia de divisões, o navegador teve a ideia de pendurar o barco que utilizou para fazer sua primeira travessia, quando percorreu sozinho e a remo o Atlântico Sul. Ao subir na embarcação ancorada a 10 metros do chão e sentir seu balanço, teve a impressão de que estava navegando e decidiu passar uma noite por ali. Com uma garrafa de vinho e sanduíches à mão, saco de dormir e travesseiro, Amyr iniciou a aventura, mas não conseguiu permanecer no espaço muito tempo. “Quase fiquei louco. Por volta de 1 da manhã, já tive que descer”, ele lembra. “Vivi com tanta alegria uma situação que tinha que lidar com tubarões e, a 30 metros da minha família, não consegui ficar nem seis horas.”

Para atravessar a remo o Atlântico Sul, saindo da Namíbia, na África, com destino a Salvador, Amyr levou 100 dias. Durante a viagem, encarou logo de início ventos que ultrapassaram 55 nós de velocidade e ondas que beiravam 9 metros de altura. Chegou a enfrentar três capotagens sucessivas e precisou permanecer por sete dias, sacudido por um mar revolto, na pequena cabine da embarcação, na qual mal conseguia sentar. Nesses três meses, também não foram poucas as visitas nada amigáveis de tubarões, que proferiam sucessivos golpes nos “míseros 10 milímetros de madeira” que os separavam do navegador, como Amyr conta no livro ‘Cem Dias Entre Céu e Mar’, publicado um ano após seu retorno, em 1985.

Diante dessa experiência e de outras tantas nas quais enfrentou o mar sozinho, como nos 13 meses que passou na Antártida, em 1989 – sendo sete deles imobilizado em uma baía –, e na circunavegação polar que realizou durante 88 dias, em 1998, há quem pense que atravessar o período que estamos vivendo, com o isolamento social imposto desde o início de março pelos avanços da Covid-19, seja mais simples para alguém como Amyr Klink. O navegador nega.

A diferença, de acordo com ele, é o fato de que, nas viagens, o confinamento é voluntário e você está sempre em movimento, com a meta de chegar ou retornar a algum lugar. Não existe nelas também nenhum tipo de tédio, já que as tarefas cotidianas são vitais e os problemas que aparecem precisam ser prontamente resolvidos para sobreviver. A imprevisibilidade do tempo, ainda, é menos sorrateira, uma vez que, no mar, “nada é mais certo do que a chegada do bom tempo após uma tempestade”.

Distante de qualquer planejamento cuidadoso que acontece antes de uma viagem, que traz segurança e conforto, o desafio de agora, para Amyr, é lidar com a sensação de que estamos à deriva, sem ideia de um porto no qual iremos parar. “Estamos todos estáticos aguardando um momento que não sabemos qual é”, diz. Para enfrentar as incertezas do presente trazidas pela pandemia, seu norte tem sido o aprendizado que ganhou no mar, ao perceber que o maior incômodo não era o esgotamento físico pelas tantas remadas, mas o cansaço psicológico causado pela monotonia do trabalho. Quando deixou de se organizar de acordo com a sua disposição, no entanto, e assumiu uma jornada de oito horas diárias, com intervalos definidos e pausa para as refeições, ele notou que os dias, que antes tardavam para acabar, começaram a passar voando. “Se você não estabelece limites, vira escravo da independência”, afirma.

Além disso, nessa expedição, Amyr definiu etapas a serem cumpridas ao longo do trajeto, como cruzar o meridiano de Greenwich, alcançar a latitude de Santa Helena e assim por diante. Agora, no que define como uma “convivência forçada com a família, as vítimas simultâneas do confinamento”, o navegador e sua mulher, Marina Klink, buscaram traçar metas em comum, pensando em afazeres até para 2021, entre eles estão o retorno a Paraty e o trabalho em cima de um novo livro. “Colocamos prazos distantes. Gosto sempre de trabalhar com um cenário pessimista porque, se não acontecer o pior, já será positivo. É como estamos lidando com a nossa vida agora”, explica.

Desanimado para prosseguir com qualquer projeto criativo, Amyr tem retomado a leitura de antigos diários de viagem e se dedicado a trabalhos braçais, como manejar, sozinho, a floresta de bambu que possui no quintal da casa. Nos últimos dias, chegou a cortar 80 toras – “o suficiente para construir uma casinha” –, em um esforço que tem lhe rendido cortes e machucados, mas, ele garante, também diversão.

Acostumado a dormir no balanço do mar, em situações nas quais não é possível descansar de forma ininterrupta, o navegador diz que, apesar de andar estressado, nunca dormiu tão bem nem sonhou tanto, o que fez com que passasse a desenhar suas lembranças todos os dias, antes mesmo de tomar café. Em um dos sonhos, ele foi à farmácia comprar um remédio para dor de cabeça, mas, ao chegar ao balcão, não conseguia pronunciar outro nome que não hidroxicloroquina. Saiu de lá segurando uma caixinha high tech, com cápsulas do tamanho de um ovo, enquanto pensava: “Meu Deus, se tomar isso, morro”. “Já percebi que, em situações dramáticas, a melhor saída é o humor. Estamos dando muitas risadas”, conta Amyr.

Uma de suas preocupações neste momento é como resgatar o barco que acabou preso nas Malvinas. Tão logo a pandemia começou, Amyr estava voltando de uma viagem à Antártida com alguns amigos e eles precisaram deixar a embarcação para pegar um dos últimos voos com destino a São Paulo, pouco antes das fronteiras serem fechadas. A maior falta que sente, no entanto, não é do mar, mas da liberdade de ir e vir. Assim que tudo isso acabar, o navegador não hesita sobre qual será seu primeiro destino: o boteco mais sujo da esquina, onde pedirá um ovo colorido e cerveja, para encher a cara com os amigos. “Quero fazer as coisas que a gente fazia antes e não sabia que eram tão valiosas.”

 

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