“O primeiro disco do Velvet Undeground vendeu somente 10 mil cópias, mas todo mundo que comprou formou uma banda”. Exageros à parte, o chiste de Brian Eno, compositor, produtor e uma das figuras mais sofisticadas da cena musical dos anos 1980, carrega um fundo de verdade e resume a profunda influência de Lou Reed e John Cale na história do rock n’ roll.
Parte dela é colocada em cena com “The Velvet Underground: A Documentary Film By Todd Haynes”, lançamento da Apple+. Pioneiro do New Queer Cinema e responsável pelos excelentes “Longe do Paraíso”, “I’m Not There e Velvet Goldmine“, Haynes mergulha no submundo transgressor de Nova York dos anos 1960 que deu origem ao grupo – e à Factory, um misto de ateliê, estúdio de cinema e club de rock de Andy Warhol, o égide e empresário da banda – e traz um material precioso de arquivo que divide a tela com entrevistas atuais de Cale, do baterista Mo Tucker (inspiração de Meg White, dos White Stripes), do cineasta Jonas Mekas, de Merrill Reed Weiner (irmã de Lou), e outros personagens que viveram a curtíssima e seminal trajetória do Velvet. Algumas das passagens mais marcantes usam imagens de bastidores e de momentos íntimos captadas por Warhol, um documentarista voraz do universo ao seu redor.
“Licenciamos duas horas e meia de imagens em movimento para um filme de duas horas e acho que 45 minutos disso são provavelmente filmes de Warhol”, disse Haynes, que não convocou críticos ou historiadores para aventurar teorias ou explicar a importância da banda. Sua ideia, segundo ele, foi transportar o espectador para o tempo e, mais importante, para o lugar de onde o Velvet surgiu.
Formado em 1966, The Velvet Underground foi a antítese das bandas hippies da época. Enquanto os psicodélicos da Califórnia pregavam flower power com suas músicas ensolaradas, o quarteto nova-iorquino trouxe uma pegada niilista e novas possibilidades sonoras para exaltar universos desconhecidos na canção popular como sadomasoquismo, libertinagem e drogas pesadas. “Você não faz uma revolução dando flores para um filho da puta que quer atirar em você”, brinca Mary Woronov, integrante da trupe da pop art de Warhol, em um dos depoimentos do filme.
A capacidade do Velvet Underground de explorar essas ideias desconfortáveis foi o que justamente atraiu o premiado diretor Todd Haynes ainda na juventude. “Eles descreviam outros caminhos que deveriam ser seguidos e lugares que nem sempre parecem bons”, contou na avant-première do filme em Cannes. “Que mesmo se sentindo deslocado e marginalizado há uma força para se tirar desse lugar.”
They’re a band of outsiders who changed the face of rock and roll. The first documentary from visionary director Todd Haynes, The Velvet Underground is a Festival De Cannes Official Selection. Coming to Apple TV+ and theaters on October 15. pic.twitter.com/pHc60ybYfF
— Apple TV (@AppleTV) July 7, 2021
O Velvet durou pouco. Foram apenas dois discos – de cinco no total – antes de Lou Reed e John Cale colidirem com suas personalidades, mas tempo suficiente para transformar a música, as artes plásticas, a literatura, o cinema e tudo o que veio depois – incluindo David Bowie, Iggy Pop, Television, Sex Pistols, Joy Division, Sonic Youth, Nirvana, Strokes…
Certa vez, lá pelos anos 1980, Reed, que tinha fama de ser grosseiro com a mídia, respondeu a um jornalista sobre o que significava para ele o primeiro disco da banda, “The Velvet Underground and Nico”: “é simplesmente o mais importante álbum da história do rock”. Não contente com a resposta, o repórter questionou se não seria “Sgt. Pepper’s”, dos Beatles. Reed tratou então de ser um pouco mais claro: “eu disse o mais importante e não o que mais vendeu. Se não está convencido, pergunte para essa nova geração de onde eles tiram esse som.
A trilha sonora de “The Velvet Underground: A Documentary Film By Todd Haynes” está disponível em álbum duplo, pela Universal, e em versão digital na Apple Music, incluindo b-sides, raridades e faixas de artistas que influenciaram a banda, como Bo Diddley.
Dado Abreu é editor da PODER, mas antes de ter uma agenda cheia de contatos de CEOs, executivos e políticos, escrevia sobre música. Colaborou para veículos como MTV Brasil, Rolling Stone e revista Trip e do jornalismo cultural guarda a lembrança do dia em que tomou caipirinha com os Beastie Boys na suíte presidencial do Hotel Marina – ‘…quando acendeee ♫ ♬… ’ – e do chá da tarde que desfrutou na casa do mestre Paulinho da Viola.
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