Mahmundi é um dos nomes mais presentes quando pensamos na nova MPB. Já que a cantora carioca percorre um caminho sólido e veloz. Fruto da internet, onde lançou “Efeito das Cores” (2012), seu primeiro EP de forma independente com download gratuito, a carioca foi vencedora do Prêmio Multishow de Música Brasileira, em 2014, na categoria Nova Canção com o single “Sentimento”. Em 2019, a carioca foi indicada ao Grammy Latino, na categoria Melhor Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa, com o trabalho “Para Dias Ruins”. Após essa boa colheita, a produtora musical lançou no ano passado, no meio da pandemia, o disco “Mundo Novo”.
“As pessoas me falam que gostam de ouvir minhas músicas na balada, na boate, ou em casa, no final de semana. O ‘Mundo Novo’ tem disso, um som amadeirado, gravado em estúdio, em 12 horas gravamos o disco todo [risos]. Eu sempre fiz meus processos em casa, no computador, e eu precisava dessa experiência da coletividade do estúdio”.
Mahmundi
Em conversa exclusiva com o Glamurama, a cantora de 35 anos revela suas referências, influências de suas amizades no meio musical, experiências no Rio de Janeiro, internet como ferramenta e processo criativo durante a pandemia.
Enquanto o trabalho novo não sai, play para conferir o álbum “Mundo Novo”, disco onde Mahmundi divide os créditos com Castello Branco (em “Nova TV” e “Nós de Fronte”) e Felipe Lau (“Sem Medo”).
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Você lançou o álbum “Pra Dias Ruins” em 2019. Com a pandemia, momento político conturbado, você considera que estava prevendo o Brasil de 2021?
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Na verdade, eu acho que esse é o grande lance do que eu faço, e o que estou fazendo como produtora musical e artista, vendo como isso fica, porque as coisas são muito para mim. Sou leão com capricórnio, com touro, sou um bicho e estou sempre pensando em como existir, como fazer processos artísticos. Na produção deste disco, eu estava passando um perrengue assim. Meu sobrinho tinha sido assassinado, eu tinha terminado um relacionamento que mudou muito a forma de ver o mundo, também, por questão de sermos pessoas muito diferentes, essa coisa dos shows e dessa agonia toda de estar vivendo em 2017 um processo de muita rede social, o scroll, a ansiedade de ver as pessoas rolando e você não, e você sem dinheiro. Acho que foram esses períodos que me fizeram literalmente falar sobre esses dias ruins e essa relação de ter dias ruins, de tudo estar caótico, mas as canções de amor que me davam um certo alívio. Como se as canções borrifassem e me deixassem meio anestesiada. Essas canções são sobre mim e sobre esses dias ruins, mas também sobre documentar momentos de uma relação minha, que não existia mais. Eu não estava mais existindo mais dentro daquela relação. Então “Alegria”, “Outono”, “As Voltas”, eu acho muito maneiro quando vai para o público e eles decidem o que fazer com isso. É tipo um quadro, você ir para o Museu do Louvre ver os bagulhos. Você não sabe o que estava rolando na cabeça das pessoas, mas você tem a liberdade de imaginar o que quiser. As pessoas amam esse álbum, foi indicado ao Grammy e “Mundo Novo” segue a mesma linha.
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Você participou da regravação de “Black coco” com de Mary Olivetti, hit autoral da banda carioca Painel de Controle, em 1978. A música é bem dançante e estamos vendo diversos artistas encarando essa vibe mais animada. Você acha que essa é a tendência após a pandemia? Vocês pensaram nisso para atender o mercado?
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Eu estou sempre de boa, não fico nessa pira [de seguir tendência], deveria estar mais [nesta pira], Clara [que ouve a nossa conversa], da Universal Music (Fábrica de Sonhos) sabe que eu deveria trabalhar mais, mas eu acho que uma boa canção, faz o papel dela. A “Black coco”, com a Mary Olivetti, filha do Lincoln [Olivetti], me chamou para gravar e eu falei: ‘Isso é um trabalho seu’. Porque eu acho que a pesquisa de resgatar a Disco Music em um tempo em que estamos vivendo o trap, hip hop, que é ir para o estúdio, gravar todos os instrumentos musicais, igual ao pai dela fazia. Tem todo um trabalho, lidar com pessoas, vocês sabem disso, é caótico. Hoje em dia, a molecada vai na lan house e com mil reais faz uma p… de uma música. Então, esse símbolo de resgatar pessoas, artistas, arranjos, guitarra é do cara, a bateria também. Hoje, se eu quiser comprar um beat, eu compro ali, se eu quiser uma guitarra, gravo ali. Então, Mari resgatou esse lugar da Disco e desses processos, que, para mim, é muito lindo. Quando ela me convidou, eu falei: ‘Quero estar aqui para aprender e trazer minha voz para somar’. Esse processo é mais dela do que meu, e eu adoro falar isso, porque eu aprendi, também. Ser uma voz cantando Dance Music é uma coisa completamente diferente. Às vezes, me meto em umas aventuras dessas, de cantar samba com o Diogo [Nogueira], de cantar coisas com a Liniker. Então, me divirto muito e realmente concordo com você, vai dar caô porque tem muitas músicas foram lançadas recentemente, os singles. Após a pandemia, vai ser uma grande festa, estamos nos preparando para isso. “Novo normal” eu acho horroroso, mas para esse momento da vida.
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Você é uma pessoa muito eclética, que caminha por vários estilos. Acredita que realmente tudo que escuta agrega para você?
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Uma apatia horrorosa, porque essa cidade, na zona sul, tem uma lógica meio provinciana, meio estranha e me sinto deslocada daqui. Mas vivo aqui hoje em dia, porque ficava vendo Manoel Carlos, mas você, quando chega aqui, pensa: ‘As pessoas são superburras, são de direita, um horror’. A minha vontade de estar de novo na rua me conecta muito. Então, eu gosto de tudo, às vezes saio daqui e vou para Madureira, fico lá, vou para a casa dos meus amigos de novo, eles me zoam, lá eu não sou ninguém. Retornar às nossas origens acho que tem muito a ver com as nossas gerações, que estão entre os 30, 25 a 35. O Leo Jaime me disse isso uma vez, que chega uma hora do processo criativo em que temos que relembrar as canções que te emocionavam para fazer música. Eu faço isso sem saber, sem nomenclatura do que era isso. Essa semana, estou ouvindo Kelly Clarkson. Estavam dizendo que o rock vai voltar, ficavam postando, falando mal da Avril Lavigne, e agora estamos vendo esse retorno. Os pagodes, as músicas de amor e afins, tudo me inspira a me conectar com o mundo, sair um pouco da internet, eu amo, sou completamente doida.
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Você concorreu ao Grammy Latino e agora se tornou membro votante do Grammy Awards. Como foi isso?
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Primeiro, fiquei muito chocada, porque temos o Latino e o Awards, achei louco que tinha alguém da outra academia que me conhece, conhece meu trabalho, já achei chique. Pode ser a Alicia Keys, imagina. Eu já falei para os meus amigos que se ela me chamar para trabalhar, eu vou largar tudo e vou virar estagiária dela. Ela é incrível, é uma das pessoas mais relevantes na indústria hoje, que está fazendo aquele negócio, existir, mas eu fiquei muito surpresa com o convite. Lembro dos meus amigos querendo ser médicos, e eu sempre quis trabalhar em uma gravadora, meu sonho de criança. Lembro uma vez que consegui uma foto da Virgin Records, acho aquele lembrete lindo, dai corta para hoje a empresa sendo um braço da Universal [minha gravadora]. Para mim, sempre foi muito lindo trabalhar no mercado, ser artista e tudo mais, mas meus amigos me lembram muito que gosto de cantar, mas que gosto mesmo de ficar fazendo um monte de coisas. Esse processo de ser multiartista, essa geração de hoje está muito mais preparada para ser assim, os TikTokers. Hoje em dia, peso que gosto de cantar, posso gostar de investir na bolsa, gostar de jogar tênis, pintar quadros, ter uma naturalidade disso, em uma liberdade muito maior. Trabalhar com o Grammy é meio isso, mais do que receber uma estatueta, é saber que posso estar em um lugar hoje indicando jovens como eu para receberem os prêmios. Uma vez que você entende também que quando as pessoas chegam em um lugar, porque existe um processo que você pode chegar também, isso, para mim, foi mais interessante do que só estar me preparando para receber algo. Trabalhar na indústria é algo que eu amo, sou apaixonada pelo que faço e deveria estar fazendo mais álbuns, inclusive [risos]. Mas tem um time da gravadora que me apoia muito e está interessado no que posso fazer, o que é bem massa.
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Você se cobra muito para lançar novidades?
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Eu tinha um processo muito brasileiro da MPB, de lançar um disco por ano, mas aí eu acho que até estimulada por amigos e por um time que estuda isso, que saca… Me falaram que estou no tempo, que podia lançar as músicas, que o público gosta disso. Mas, ao mesmo tempo é um caos, porque você lança um álbum, trabalha ele um mês igual uma condenada e depois o público já questiona novidade (risos). É louco, mas acho também que isso significa que o público está contigo, que quer te ouvir. Acho também que a geração dos Barões da Pisadinha, Márcia Felipe, pessoas que trabalham muito, que é outro Brasil, e que tem uma outra relação com isso, me inspiram muito também. A galera do funk, do trap, Mc Dricka, Niña Bandida, que é uma menina que estou apaixonada. Se alguém me fala: ‘Mahmundi não tenho trabalho, mas vou na casa de um amigo meu que tem um quartinho e a gente tem dez músicas prontas’. Eu acho que essa liberdade também, de não ter essa chancela, do jornalista, do não sei o que, é o grande trunfo do Brasil. A gente não tem uma elite que decide as coisas, a internet que decide. Então, quando o público quer uma coisa, ele vai no perfil do artista e cobra novidades. Garçom total (risos). Eu amo, porque aprendo muito com o meu público. Na pandemia, eles me salvaram muito com a rádio, e eles me cobram e eu acho que é um novo momento de se fazer música. A música não é mais o que ela era antes da tecnologia. Depois das facilidades, depois da democratização de poder comprar um teclado nas Casas Bahia e poder ter internet parcelada. Eu fui muito a pessoa que foi na lan house por anos, eu não tinha computador e ficava implorando para usar o último disponível, ia com o meu pen drive, tinha Myspace, era muito difícil tudo acontecer. Sou uma pessoa da internet, que foi contratada após dois álbuns. Ficar ligada ao tempo, eu não sei, tenho medo de me tornar uma conservadora do bem, sabe? Quando você trabalha, trabalha, e cristaliza uma situação na qual não consegue sair dela. Então, eu vou lançar músicas, produzindo feats. que em breve estarão por aí.
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Você colaborou no single da Liniker, “Baby 95”, junto com a Tássia Reis e Tulipa Ruiz. Como foi esse processo?
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Eu e a Liniker, a gente se conheceu em uma situação muito engraçada. Sempre evito essa coisa da cultura do entretenimento dos anos 90, que todo mundo se cristaliza, ninguém está falando nada, você está só replicando, fica refém de um carisma meio escroto, às vezes não bate o santo. No caso da Liniker, eu estava em Salvador com Rico Dalasam e ai recebi um FaceTime dela [Liniker], falando que também estava na cidade e me convidou para ir para a praia. Fiquei pensando: ‘Será que esse role vai ser bom?’. Ir na praia com alguém que você não conhece. Acabei indo e foi a melhor decisão que fiz. Acabei ficando com ela e com a Tássia por um mês em Salvador. Foi um mês muito criativo, produtivo. A “Baby 95” é muito sobre isso. A Liniker estava contando casos e eu gosto muito de musicar histórias, então, isso é uma história dela, que ela escreveu e eu sugeri de musicar. Ai depois a Tássia colocou uma parte e a Tulipa colocou uma outra. Quando percebemos, virou uma festa, maior empresa de música do mundo, porque eu amo minhas amigas, admiro. Elas [Liniker, Tássia, Tulipa], para mim, são um acontecimento. São pessoas que você liga para saber se o tempo está bom, se você precisa de alguma coisa, elas aparecem com sopinha. Se você quiser compor uma canção… Eu gosto muito de ser leal aos meus amigos, porque tem uma geração ai que precisa ser ouvida e respeitada. Então, para mim, estar na indústria é muito disso. Se você tem uma noia de entrar no estúdio, vamos entrar, montar um estúdio com pessoas que vão respeitar a gente, sem aquela coisa do cara que está com a mão no p… e esta esperando a hora de embora e está me atrasando, me gerando ansiedade. A gente vai lá, se quiser comer, come, se quer fumar fuma. Liga a televisão, chama amigas para estarem junto. Acho que cria um ambiente para o artista se comover e se expressar. A música [Baby 95] ficou linda, depois virou um sambão, no final. A música não para de acontecer, a gente fala que ela tem um a1, a2, a3 e ai vem um samba. É muito especial, isso é uma coisa que fui aprendendo na a vida mesmo, porque né, tenho 35 anos de existência e não sei nada, mas eu acho que como a internet é um local maneiro para fazer suas conexões, mas como a realidade é também fundamental para descobrir se o santo bate ou não, e se não bater tudo bem, também.
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Suas lives no Instagram fizeram muito sucesso. Você elabora o conteúdo antes ou liga a câmera em cima da hora e sai o que surgir, naturalmente?
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É um problema disso, porque é realmente isso aí [de ligar a câmera sem preparação]. A primeira fez que fiz a live foi tomando vinho, fiquei lá, vi uma galera e depois entrei de novo. Como sou chata, comprei um mixer de celular, mas rolou uma coisa de que o Instagram começou a derrubar as lives por causa de direitos autorais, a partir disso comecei a ter um problema oficial, recebi algumas notificações dizendo que a minha conta ia ser excluída. Como solução, tive que ficar no gogó com a galera. Pedia para o pessoal mandar áudio no Mahmundi FM, meu outro perfil, e ficávamos ouvindo eles ao vivo. Esse foi o grande barato porque de repente tinha gente me ligando de Fortaleza, me mandando áudio do Pará. Teve uma menina que estava com a mãe na UTI e, no áudio, que ela mandou dava para ouvir o barulho do “bip, bip”. Outra mandou um áudio com barulho de chuva, falando que a casa estava desabando, e estava mesmo porque ela mandou alguns stories mostrando a rachadura. Eu pensei: ‘Será que essa menina vai morrer ao vivo?’. A gente conseguiu arrecadar três mil reais na live e mandou para ela. Fiquei monitorando isso, pedi recibo porque isso aqui é Brasil e não podemos dar mole. Tenho experiências engraçadas. Eu acho que usar a plataforma para criar alguma coisa é mais desafiador do que propriamente usar a plataforma. Eu tenho dificuldade de usar o TikTok porque não sei o que vou fazer lá, não faço ideia. O meu TikTok ideal seria eu estar maquiada, tocar na câmera e voltar sem maquiagem, ou dançar com gelo no joelho. Estou descobrindo como fazer isso. O Instagram, nessa coisa da rádio, foi fantástico porque eu me vi me apaixonando mais pelo meu público, que era uma coisa que eu tinha dificuldade. Sabe quando você se fode muito e tem uma dificuldade natural de receber afeto de pessoas que você não conhece? As pessoas machucam a gente, soa meio irreal porque as pessoas não te conhecem, mas essa é a graça do negócio. As pessoas imaginam coisas sobre a gente também que não temos controle nenhum. Sou muito amada pela galera. Eu falo que, quando vejo minhas amigas falando que amam os fãs, eu sempre acho lindo. Por exemplo, eu que não sou a diva, rainha. Não sou a cis hétero, e não estou performando feminilidade. Isso é outra galera, são as meninas pretas, periféricas, sapatão, gente letrada. Teve um dia em que um policial fez um vídeo onde “Leve” tocava ao fundo, ele falou que estava em seu horário de almoço ouvindo a minha música. Falei para ele postar, mas ele respondeu que não podia. É isso, o cara era fardado, ‘brabão’, ouvindo, comendo e não pode postar, ou teoricamente na cabeça dele a postagem não pode acontecer, enfim. Acho que essa diversidade do público [genuína], porque eu também sou muito assim. O pessoal fala que sou fofa, acho engraçado porque fofa é realmente uma coisa que não sou. Faço psicanálise justamente para isso (risos). Tenho muita mágoa, muita ferida da rua, muita violência, mas entendo que quando me expresso artisticamente, quando uma mina diz que faz música porque me vê ali, eu entendo meu lugar no mundo, consigo receber até amor. É muito lindo, queria que alguém me patrocinasse, mas aí é complicado porque tem que trabalhar, ai eu não gosto. Eu já trabalho desde os 19 anos, vendia água com o meu pai, trabalhava no KFC, parei para ser artista com 25 e agora trabalho um pouco menos, sou mais artistona. Trabalhar para mim hoje em dia é trabalhar para os fãs, entender o que eles gostam, eles me dão amor, avisam que tenho que lançar um negócio, acho isso fantástico. Em um país como o Brasil, onde você tem essa violência da colonização e esse idiota do Bolsonaro não fazendo nada, as pessoas não tem referência. Todo mundo é uma referência, por isso as pessoas ficam reclamando quem não se posiciona, porque o povo gosta de um lugar de afago. A gente vai fazendo o possível, porque ninguém sabe o que está acontecendo.
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O sucesso das suas lives pode ser medido por sua naturalidade em um local onde as pessoas usam muitos filtros, mostram só o que querem.
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Eu acho que o grande trunfo do TikTok, inclusive, é não ser mais isso. As pessoas fazem dança com casa caindo, bota a avó de fundo, com o cachorro. Eu acho que essa rede social no Brasil está em um outro lugar. O Instagram é ainda é muito aquele padrão do que se foi criado. Atualmente, as coisas envelhecem muito rápido e por isso não dá para se caber nas coisas. Na live, tem uma hora que bebo saquê quente por causa da minha garganta, e essa bebida não dá para saber né, vai chegando uma hora que já estou enrolando a língua e o pessoal pede para eu desligar a transmissão. Eu sou cuidada demais, sou muito mimada, graças a Deus.
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Durante a pandemia teve algum hobby que você descobriu?
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Sou muito clichê, mas voltei para esse hábito da lan house, que era ficar o dia todo no computador. Trabalhava, ganhava dez reais e separava os dez para ir até a lan house. Aqui no Rio, você colocava dez reais e ficava doze horas. Tinha os meninos que jogavam CS, negócio de tiro, e eu ficava lá. Comprei um pendrive, salvava foto, isso é outra coisa, não é Pinterest. O ambiente era de mouse que não funciona, gente gritando, tanto que o clipe da Gloria Groove, “Bonequinha”, é muito isso: tem alguém se sarrando, aquelas coisas… Eu quis voltar com isso, tinha tanta coisa que não lembrava, que não tive tempo. Nesse sentido, foi importante para dar uma resetada, também. Imagina, muita gente morrendo. Lembrei hoje também que perdi um tio para a Covid-19, que teve a mesma situação que o Paulo Gustavo, mas imagina a situação que você está no interior do Maranhão. É muito louco como, na vida, não temos o menor controle de nada. Eu voltei a descobrir artistas como a Iole de Freitas, que é uma artista que eu amo, fui ler algumas coisas, vi umas entrevistas da Yoko Ono, vi coisas de artes plásticas. Namorei um tempo com a Maria Isabel Iorio, que é uma artista, escritora incrível, foi ótimo. Namorar artista é tudo gente, recomendo. Músico, não recomendo. Foi maneiro de descobrir esse outro lugar de viver um pouco na arte. Agora, neste momento, em que estamos saindo um pouco, vou ali em uma feijoada de uma tia minha, vou ali.
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Vimos que você está jogando tênis…
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Fui lá no aterro um dia, moro aqui no Flamengo, e tinha muito essa pira de jogar tênis desde criança. Assim, já jogava ping-pong, taco. Fui morar na Lagoa e tinha uma quadra de tênis, fui lá uma vez e fui parada pelos policiais pela manhã. Eu estava com uma bicicleta elétrica e fui questionada se a bicicleta era minha. Porque não seria minha, né? Olhei para a cara do policial preto, provavelmente aos 28 anos, que recebeu essa ordem e disse: ‘Cuidado que você não sabe quem eu sou, posso ser filha de bandido, de delegado’. Em resposta, ele disse que não ia mexer comigo porque eu parecia alguém da Globo. É engraçado porque o Rio de Janeiro é isso. Depois desse episódio me bateu a ressaca e pensei que iria encarar o esporte um dia. Até que fui na quadra e conheci o França, que é um cara do Vidigal, que já morou na Maré, e falou: “Ihhh, aluna preta, vai ficar, não precisa pagar”. Eu acho que é isso, ocupar um espaço que teoricamente você não deveria estar lá. Nem vou ficar entrando nessa porque não quero ser a preta militante. Minha vida, naturalmente, já é. Eu vi uma galera falando que tem desejos, acho engraçado que nós como pessoas pretas não somos associados a algumas imagens, parece que não é para estar no local. Uma amiga minha foi agora no Louvre, há um tempo, e disse que parece que dá uma crise de ansiedade, como se você não fizesse parte daquilo, e corta para hoje onde conseguimos ir na boa, tomar um vinho, porque conquistamos esse local, trabalhando e entendendo. Acho ótimo, estou na minha primeira aula, rumo à Olimpíadas, quem sabe uma grande promessa dos esporte.
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Você comentou que vai lançar coisas, há projetos em andamento?
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Vai ter álbum em breve, vai ter singles em breve, coisas que nunca fiz de lançar single e estar entendendo como a plataforma responde a isso, como o público responde. Estou super animada, porque antigamente me cobrava muito, uma ansiedade e hoje percebo que era só uma grande ansiedade. Eu acho que com o passar dos anos entendi que isso é um trabalho, não muito diferente do que eu fazia no KFC, porque eu tinha que chegar no horário, tinha que entregar, disco é meio que isso, estar no horário e entregar. É bonito entender isso, porque me coloca na posição de pessoa comum, e ao mesmo tempo também respeitar meu processo criativo, entender que não sou tão comum assim, porque estou mesmo no local de traduzir coisas para as pessoas.
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Vão ter parcerias?
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Eu chamei meus amigos Rubel, Clarisse Falcão, pessoas que amo. Vira e mexe me chamam também para produzir coisas para artistas mais novos, que estão começando. Tem uma cena muito grande de funk, trap, artistas que só precisam de uma oportunidade de marketing, visualização. Como ficou mais fácil de se fazer música hoje em dia! Muito mais rápido. Então, estou de olho nessa cena, sigo fazendo minhas coisas e vamos ver. Você sabe que artista enrola, se a gente trabalhar e entregar vai ser tudo (risos). Sou gerente do meu alter ego, você imagina. Me cobro duas vezes. Eu sou a Marcela que cobra a Mahmundi, que soa Mahmundi, que tem que fazer coisas. Eu amo, é minha vida.
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