Alice Caymmi sempre teve de lutar para ser quem gostaria. Os sentimentos em torno de sua persona artística foram processados nos últimos dois anos para dar origem a “Imaculada”, seu quinto álbum de estúdio, lançado na última sexta (15.10). “Há quem diga que lutei contra monstros invisíveis, mas pra mim eles sempre foram reais. Estar viva pra mim é uma luta. Ser artista é uma luta maior ainda. E ser quem eu sou é uma experiência de quase morte”, conta ao GLMRM.
A artista carioca participou da criação de cada detalhe do disco, produzido por ela em parceria com Vivian Kuczynski, e conta com participações da própria Vívian, Urias, Number Teddie e Mulú – reflexo do contato próximo que ela teve com eles em meio à pandemia. Ainda que tenha sido difícil encarar tantos sentimentos, ela quis apresentar uma versão mais suave ao público. Com requinte angelical, ela surge em um trabalho de imagem com assinatura de Giovanni Bianco para a capa do álbum.
Com 10 faixas, o álbum foi gravado no estúdio do DJ e produtor Rodrigo Gorky, em São Paulo. Alice conta que eles nunca concordam em absolutamente nada, mas a presença dele é sempre engraçada nesse processo. “Ele não passa a mão na minha cabeça e eu xingo muito ele. É uma amizade engraçada”, pontua. O papo sobre família, pressão estética e o contexto do novo álbum você confere abaixo, na íntegra.
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Em entrevista recente, você disse que na época do lançamento do “Electra”, o raspar a cabeça tinha sinônimo de recomeço. Era puramente estético ou tinha um quê religioso? De lá para cá, quem foi a Alice que descobriu na intimidade?
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Tudo que eu faço na arte tem ligação com espiritualidade. Os dois lados da minha vida são costurados pela performance. Dela pra cá, descobri tanta coisa sobre mim que ainda estou processando.
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O nome do seu quinto álbum de estúdio é “Imaculada”. No dicionário, os sinônimos para essa palavra são de concepção de Jesus sem o pecado original, no caso de Maria (para o Cristianismo), e também cachaça (aguardente de cana). De qual desses significados está mais próxima e qual a história por trás da escolha do nome?
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É exatamente esse o mistério. Imaculada como? Porque? Qual a conotação? Depende do seu ponto de vista sempre. A escolha do nome vem da própria música “Imaculada”, última faixa do álbum.
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O disco foi feito com os meninos da Brabo Music, com produção sua e da Vivian Kuczynski. Você já tinha ido para um lado mais pop com esse time. Com quais sentimentos teve de lidar, visto que na explicação sobre o trabalho fala-se sobre trazer uma contemporaneidade ao legado do seu avô, Dorival?
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Eu sou a contemporaneidade do legado do meu avô assim como todos da família da minha geração e gerações seguintes. Quem ousar fazer arte vai ter que lidar com isso. Fazendo MPB ou não. Mas o que eu quero deixar muito claro, hoje e sempre, é que eu não me afasto dele quando me afasto da MPB. Muito pelo contrário.
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E qual foi o briefing pro Giovanni Bianco, que assina a direção criativa da capa do álbum? O que queria passar de mensagem e como foi trabalhar com ele?
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Giovani é intenso e entregue assim como eu. Ele foi uma injeção de energia em mim e no trabalho. Estar com ele é uma honra e só quem vê ele trabalhando sabe a força que aquilo tem. A mensagem fluiu e está lá. Juntar a capa com o disco vai ser a diversão do público.
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Em “Sepente”, o single que antecedeu esse lançamento, você fala em colocar o dedo na ferida. Quais brigas você se vê nessa situação de confronto e, por assim dizer, de “comprar brigas”?
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Sempre tive que lutar pra ser quem eu sou. Há quem diga que lutei contra monstros invisíveis, mas pra mim eles sempre foram reais. Estar viva pra mim é uma luta. Ser artista é uma luta maior ainda. E ser quem eu sou é uma experiência de quase morte.
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O álbum tem participações de Vivian Kuczynski, Urias, Number Teddie e Mulú. Como foi chegando a esses nomes e o que eles trazem de autoral, que complementam a sua identidade?
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Acho que esse disco é o que eu mais envolvi gente! Mas juro que foi natural. Eu nunca tive tanto convívio com outros artistas como tenho tido nos últimos dois anos. Esse disco é um reflexo disso. Esses colaboradores me ajudaram a me encontrar e a me expressar. Eles são meu maior tesouro.
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A pandemia, para muitas pessoas, foi um momento de reconexão, mas também de muito trabalho. O disco tem um quê de pandêmico ou nada a ver? Qual mensagem quis cantar nele?
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Tudo a ver. É um disco pandêmico sem dúvida. Olhei para dentro e compus como nunca antes. Foi um processo de autoconhecimento. A mensagem está espalhada no álbum, mas acredito que a mensagem final seja o perdão como uma alternativa, como escolher viver.
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Li você comentando que havia engordado 20kg durante a pandemia. E me surpreendeu ler, também, que as questões de corpo e imagem haviam sido um problema para você. O que te fez se libertar de antigas amarras?
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Ainda não me libertei de tudo. Ninguém chega a esse nível de evolução assim tão rápido. Mas eu decidi calar essas vozes e seguir.
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O que ainda falta conquistar, que nem a fama ou a música te deram?
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Paz de espírito.
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