Pinky Wainer acredita que sempre é tempo de aprender. “Você atrasa o ‘ah, não quero mais saber de nada'”, justifica. Aos 66 anos, a artista plástica se adequou em tempos de isolamento social para não deixar de conectar a arte com as pessoas. De seu apartamento em São Paulo, passou a dar aulas de aquarela via Zoom. Em conversa com o Glamurama, Pinky fala sobre seus aprendizados no mundo online, distrações da pandemia e a mágoa com ídolo que fez parte de sua juventude.
Mesa de trabalho de Pinky Wainer | Crédito: Instagram
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Você está com uma oficina de desenho online. O que tem visto de resultado deste trabalho?
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Os alunos são talentosas. Algumas muito, outras que relaxam muito durante o encontro, e, ao mesmo tempo, relaxam do mundo, da pandemia, o que é muito bom também. A aula, o encontro, é tudo freestyle, então é um pouco de tudo. Não dou aula de técnica. Já me pediram para dar mais técnica, dicas, e eu falo: ‘Não sou professora de técnica, mas posso te dar conceito, liberdade’. Minhas aulas são baseadas em coragem e liberdade.
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Acha que a arte dos alunos anda escancarando o que estamos vivendo?
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Acho que para eles a arte é um escape, é um momento de paz, de foco, onde mexemos nas cores, ficamos em dúvida, acertamos, erramos. Na aquarela, não existe o erro, você sempre pode transformar o erro em outra coisa.
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O que tem aprendido nessa troca com os alunos?
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Muitas coisas. Estou cada vez mais segura do que posso oferecer. Já sei o que não posso oferecer, que é muita técnica. Sei bastante, sei como é que faz, mas aprendi e gosto de fazer um caminho inverso. Aprendo muito com as pessoas através do Zoom, o que é algo diferente. A plataforma exige um foco absoluto, em uma aula presencial você toma um café, roda a mesa, fala com um, com outro. No Zoom não, lá é olho no olho e vamos lá. Não tem um momento de descontração para mim, tem que ter concentração, a resposta na ponta da língua. Por outro lado, o Zoom atrai pessoas do mundo todo, o que é muito legal também. É sensacional, tem gente de vários locais, e acho que nesse ponto o Zoom une as pessoas.
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Você anda exibindo o resultado desses encontros no Instagram. Como foi essa sua ida para as redes sociais?
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Olha, eu só me lembro que o meu filho [o fotógrafo João Wainer] falou: ‘Mãe, tem um negócio novo que chama Twitter. Você vai adorar, é a sua cara’. Fiquei realmente no Twitter por muito tempo, foi onde aprendi a base de lidar com as redes sociais. Você tem que defender seu ponto de vista em caracteres.
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O curioso é que estamos em uma era muito visual e o Twitter foca nas palavras.
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Eu saí do Twitter porque acho que mudou muito, ficou agressivo, virou outra coisa, mas é bom porque você vai entrando em um mundo novo. Tenho 66 anos, então vou entrando em um mundo novo que vem por aí, para o bem e para o mal. Entro nas redes sociais, é uma coisa boa. Você atrasa o ‘foda-se’ da vida, o ‘ah, não quero mais saber de nada’. Não, eu quero saber sim. No começo, quando estava no Twitter, eu tinha muitos seguidores, foi com eles que aprendi a não falar nada que não fosse capaz de defender, de ter argumentos medidos em caracteres. Acho isso tão legal.
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Com grande parte da população sendo vacinada, como você enxerga o retorno do mercado da arte?
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Estou de olho, queria fazer oficinas presenciais. Estou quase fazendo, mas teria que pedir teste para quem vem participar, dois, três dias antes. Hoje de manhã fiquei pensando nisso: ‘Será que é deselegante, pega mal pedir teste PCR?’. Parece que esse novo mundo é para sempre. Li alguma coisa que vamos ter que vacinar todos os anos.
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Tem alguma hora do seu dia que você produz mais? Se cobra para ser produtiva?
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Descobri que adoro dar aulas e adoro ver a pessoa melhorando, incentivo, coloco ela para cima. Trabalhar com outras pessoas é algo que gosto muito de fazer, ver o progresso. A minha aula não é aquela que você chega, trabalha por uma hora e depois tira questões. É interação no osso, vai, mostra, faz, manda foto pelo WhatsApp, comentamos. É muito legal, mas intenso. Quando chega a noite, fico cansada, não consigo produzir. Estou voltando agora a produzir meu trabalho pessoal. No final de semana, incluindo sexta-feira, são dias que não dou aula, deixei esses dias separados para mim. Então, posso decidir ficar no sofá dormindo o dia todo ou, como hoje, que estou eu e minha gata enchendo o saco em cima da mesa. Daqui a pouco vamos começar a produzir, já comecei a juntar as coisas. Estou com vontade de produzir. Acordei inspirada.
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Você e sua filha, Rita Wainer, fazem essa troca de inspirações, pessoas interessantes?
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Não fazemos uma troca, comentamos quando o caso. Falo: ‘Olha que mulher incrível essa pintora’ e a Rita comenta comigo sobre o processo. Ela tem um conhecimento maior que o meu. Essas mulheres que comentei, são da geração da Rita, inclusive. Ela sabe de um jeito diferente, é uma surpresa, ela enxerga de outro modo.
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A gente acabou se conhecendo mais durante a pandemia. Há algum talento que você descobriu durante o isolamento social além das aulas?
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Fiquei mais livre do olhar do outro, aprendi a não me preocupar com isso. Querendo ou não, queremos que o olhar do outro aprove o que a gente faz. Descobri e aprendi que realmente isso não tem nenhuma importância. Isso foi muito apaziguador para mim. Estou pintando acrílico, pintando pequeno, sabe? Estou fazendo umas coisas muito pessoais, estou adorando fazer porque já não é mais a forma que interessa e sim as cores. Estou aprendendo isso.
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Em tempos sombrios, você acha que a arte pode combater o negacionismo?
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Sinceramente? Acho que não. Os caras não se interessam por arte, não é que eles são contra. Isso não é assunto, isso não existe. Para fazer uma revolução contra o negacionismo, eu acho que não é pela arte. Eles são muito agressivos, são armados, sei lá, muito fascistas demais. Acho que a arte em 1964 teve uma função, os artistas também como pessoas tiveram uma função. Mas você viu uma onda dos artistas contra a vacina? Como Eric Clapton. O cara sempre foi um artista selvagem, de repente virou um babaca. É muito triste isso, porque aí temos que separar a obra da pessoa.
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E como se separa?
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Isso é muito difícil, é algo que nunca se pensou muito. A gente viveu muito tempo com o que o artista representava por completo e aí, para quem pensa nessas coisas todas, você vai ter que decidir se vai ouvir Eric Clapton, mais sem falar muito em entrevistas, sem saber sobre a vida dele, ou se você não vai ouvir mais as músicas. Não tenho resposta, não me pergunte [risos].
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Você já decidiu se vai parar de ouvir ou não?
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Claro que não! É um artista da minha vida inteira, tem essa carga comportamental. Ele tinha banda quando eu tinha 14, 15 anos e era um escândalo de bom. Existem muitos enigmais, tipo esse, que foram criados com a pandemia, com o negacionismo, e com coisas novas que nunca pensamos. Temos que nos preparar para não ter opinião formada sobre tudo.
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Curioso falarmos sobre isso neste período, porque a arte teve um papel muito importante durante a pandemia.
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Posso confessar que vou para a cama e, antes de dormir, fico vendo humoristas no YouTube, porque é engraçado, nunca pensei nisso. É comédia stand-up de uns caras muito espertos, que ganham muito dinheiro, fazem muitos shows e não se preocupam em aparecer. É outro mundo. Pode procurar os “4 Amigos” [formado por Dihh Lopes, Márcio Donato, Afonso Padilha e Thiago Ventura], é o melhor.
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Poderia indicar um livro, disco, música, série ou filme que viu neste período?
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Estou bem bloqueada, começo e não termino. Perdi o foco. Posso recomendar, sem ter assistido muito, aos filmes da curadoria do site “Filme Filme”, eles têm algo interessante, alguém ali escolhe bem. É mais sofisticado que o Mubi, porque não basta ser japonês ou europeu para ser bom. Estou com um livro na cabeceira, “Os Diários de Victor Klemperer” (Companhia das Letras), sobre a história de um judeu na Alemanha nazista que faz um diário dia a dia, mas é um ponto de vista otimista, ele sempre acha que amanhã vai melhorar e a coisa só vai piorando. A ideia é ler pelo menos três páginas por dia, mas isso não está acontecendo. Já a minha playlist é muito variada, vai do jazz, a Folia dos Reis, que gosto muito, e música italiana.
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