A casa de Maria Luiza Jobim é o seu santuário. Nos primeiros passos, na sala, topa-se com a imensa janela aberta ao verde das árvores que descem da Floresta da Tijuca. É o “altar”, diz a cantora e compositora de 35 anos. Encravado às margens de um pedacinho de Mata Atlântica, o apartamento é um recanto de verde e silêncio no meio do cinza e do alvoroço. “As pessoas que entram aqui sentem que estão meio fora da cidade e, às vezes, até fora do contexto do Rio.” Afinal, de que parte do Rio é possível ouvir o murmúrio de um riacho correndo próximo às raízes das árvores? O chiado das águas só termina quando, no meio da tarde, o apartamento é invadido pelo burburinho das crianças que riem no pátio da escola vizinha. “Som de criança brincando é sinal de que tudo está bem”, emenda.
O santuário de Maria Luiza fica no mesmo bairro do Jardim Botânico em que cresceu no Rio. Ali, a vida ainda é feita a pé. “Acho que isso rompe com o que é o Rio de Janeiro hoje em dia, com tantas paredes, muros e grades”, comenta. No prédio de jeitão antigo em que chegou há pouco mais de um ano, sobe-se de escadas, não há academias nem playgrounds.
No apartamento, o corredor que leva da porta à sala principal tem duas das icônicas fotos do pai, Tom Jobim, feitas por Otto Stupakoff, em 1964, na praia de Ipanema. A presença do maestro está na poltrona acolchoada vermelha, nos livros da primeira edição das histórias de Monteiro Lobato, na coleção da enciclopédia Barsa. Também está no apego da filha à natureza. Nada mais orgânico para quem foi, desde pequena, ensinada a “abraçar árvores”.
Durante a pandemia, Maria Luiza refugiou-se em um sítio no distrito de Itaipava, em Petrópolis, região serrana do Rio. Ali passou um ano e quatro meses de uma quarentena “verde”. De volta ao Rio, encontrou disponível o apartamento – que nunca ficava vazio – quando visitou o amigo e parceiro musical Julio Secchin, hoje seu vizinho de prédio.
Como na velha casa do pai, não há um cômodo específico para fazer música. Toda a casa é um estúdio e os instrumentos se esparramam pelo espaço. Entre eles, um violão Di Giorgio Signorina, de 1950, desenhado para mãos femininas, com dimensões menores. Encostado à janela, um piano Muller-Schiedmayer castanho que trouxe do sítio da família em Poço Fundo, em Minas Gerais. Nas teclas manchadas, ainda estão as marcas dos charutos de Tom.
“A música está em toda a parte. Sou extremamente caseira, então ocupo a casa toda, sabe? E ela também.” Ela é Antonia, a filha de 4 anos, com quem divide o lar e, às vezes, o trabalho. Antonia é quem vem cantar quando a mãe está ensaiando – e sempre tem espaço para um dueto no fim.
Com o show Casulo, Maria Luiza Jobim retoma as canções do primeiro álbum solo, Casa Branca, de 2019, e celebra novas parcerias – com Adriana Calcanhotto, entre elas. Na canção-título do disco, ela rememora matizes, cheiros e cenas de sua infância. “Estava também falando da minha casa interior. É uma ode à minha infância, uma homenagem e uma carta de agradecimento”, revela.
“Tenho uma relação bem sinestésica com a composição. A música é sempre pensada em cores, formas e texturas, e as coisas se misturam nesse lugar. É um caminho mais intuitivo.”
Se a paisagem é tomada pelo verde da mata, a sala é habitada por vermelhos, azuis, brancos e dourados de arte brasileira. Na parede, uma tapeçaria vibrante de Kennedy Bahia é vizinha de azulejos de Athos Bulcão. Perto dali, pendem duas esculturas douradas em forma de mamilos, assinadas pela designer de joias Paola Vilas. Próximo à janela, um banco feito de azulejos com serigrafias de plantas alucinógenas. Trata-se de Panacea Phantastica, de Adriana Varejão.
Menina que gostava de desenhar casas, Maria Luiza estudou arquitetura por cinco anos. À época, foi levada pela mãe, a fotógrafa Ana Lontra Jobim, ao escritório de Sergio Rodrigues, amigo da família e um dos grandes mestres do design brasileiro. A ideia era comprar sua primeira mesa de centro. “Eu, ‘fãzaça’ do Sergio, cheguei lá e pensei: ‘que honra, vou escolher uma mesa dele’. Aí ele virou para mim e falou: ‘Por que a gente não faz uma mesa?’. Eu, tímida, fui lá rabiscando um croqui com ele.” A mesa em jacarandá, feita pelos dois, se chama Luiza.
A cantora e compositora cresceu entre Rio e Nova York, morou em São Paulo, recolheu-se ao verde da serra, voltou ao Rio. Seu lar é um e são todos. Do apartamento de Nova York trouxe uma luminária em forma de sol nascente, uma de suas referências do Japão. Além de garrafas de uísque, ela guarda do país uma xilogravura presenteada por um artista japonês quando os pais, em turnê mundial, ficaram grávidos. O desenho mostra o momento da concepção. Quando engravidou de Antonia, Maria Luiza recebeu o presente da mãe.
“Sou muito curiosa e me alimento de diferentes culturas, diferentes pessoas.” Mas é a cidade fincada entre a montanha e o mar o seu primeiro habitat. “O Rio é onde está o meu DNA. Sou carioca. A maior parte de mim é Rio. É o meu sotaque, a minha língua, o meu jeito também, sabe?”
Em uma das chamadas para Casulo, ela cita o Mágico de Oz: não há lugar como a nossa casa. Mas, entre tantas, qual é a casa de Maria Luiza? “Eu sempre me mudei muito e acho que sempre vou me mudar. Gosto tanto de casa que eu gosto de fazer muitas. Por onde eu passo, eu sei que eu vou fazer meu lar ali. Eu vou fazer o meu casulo.”
Texto e fotos por Luís Costa
*Reportagem da nova edição da revista J.P, já nas bancas.
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