No ballet desde os três anos de idade, Alex Akapohi é um dos nomes brasileiros que brilham nos palcos europeus. De São Paulo para Londres, o bailarino de 24 anos, que também já morou em Mônaco e na Alemanha, não gosta de se preocupar com o futuro e prefere se entregar à espontaneidade do estilo de vida que adotou. “Passei muito tempo preso ao medo de não saber onde estaria nos meus 30 ou 40 anos, mas acho que tudo bem não saber. Até aqui eu não soube”, refletiu Alex, que hoje ocupa a posição de solista em Rambert, a mais antiga companhia de dança do Reino Unido.
Diretamente de Londres, ele contou ao Glamurama detalhes sobre sua trajetória até aqui, o que ainda pretende conquistar e o que faz para fugir da rotina disciplinada e restrita de um bailarino profissional. Ao papo!
“Fora do país tem mais oportunidades, é mais fácil se estabelecer. Se falta educação, como vamos focar na arte?”
Alex Akapohi
“Até hoje acredito que tenho que ser o primeiro a chegar ao estúdio e o último a sair. Sacrifico bastante a minha vida pessoal e social”
Alex Akapohi
“Saber que o mundo é grande e que muitas pessoas estão felizes, tantas outras estão tristes e que tudo isso é parte da experiência humana me relaxa”
Alex Akapohi
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Como foi o início da sua trajetória na dança?
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Eu já nasci em uma família que dançava, tenho duas irmãs mais velhas que foram bailarinas, então sempre tive contato com o estúdio de ballet. Minhas primeiras aulas foram aos três anos de idade, em uma escola privada, depois fui para a antiga Escola Municipal de Bailados, do Theatro Municipal de São Paulo [atual Escola de Dança de São Paulo]. Tempos depois conheci a Mavi Chiachietto, minha mentora até hoje, que me levou para participar de uma competição em Nova York. Lá, ganhei uma bolsa de estudos completa para a Princess Grace Academy, em Mônaco, onde fiquei dos 15 aos 18 anos até me formar. Então, consegui meu primeiro emprego na Alemanha, no Ballet de Nuremberg, onde fiquei cinco anos. Desde o ano passado, estou em Londres… O sentimento é de que tem sido uma longa jornada para chegar até aqui, apesar de estar trabalhado profissionalmente com a dança há apenas seis anos. Vamos ver o que o futuro me reserva.
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Quais eram os desafios de um menino bailarino que não nasceu no centro cultural de São Paulo?
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Eu não tinha amigos fora do ballet, então lembro de ter muito medo de que as pessoas da escola descobrissem que eu dançava. Era um segredo. Um belo dia, fui me apresentar no programa da Eliana. Dancei, ganhei dinheiro e nem pensei na hora da gravação que aquilo seria transmitido para todo o Brasil. Na segunda-feira, depois que o programa foi ao ar, fui para a escola morrendo de medo porque só conseguia pensar que com certeza alguém tinha assistido. Dito e feito. No primeiro intervalo entre aulas, a menina mais popular da escola veio falar comigo na frente de todo mundo, só conseguia pensar que tinha acabado para mim, mas foi aí que todos me surpreenderam. Estava com medo para nada. Acho que tive sorte, mas ninguém nunca me tratou mal.
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A sociedade tem se mostrado cada vez mais conservadora e sempre existiu preconceito com bailarinos homens. Como é essa questão para você?
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Acho que isso é muito mais forte no Brasil. Aqui, quando conheço pessoas novas e falo sobre a minha profissão, tem mais um senso de curiosidade em saber como esse mundo funciona, como se faz dinheiro com a dança. Mas também não posso fechar meus olhos para o preconceito que meninos que dançam sofrem. Ainda existe e muito, mas não me afeta tanto. Tive muita sorte de nunca ter chegado até mim, mesmo na escola. Curiosamente, a pessoa que mais me questionou com certo tom negativo foi meu pai. Quando eu tinha uns 12 anos de idade, ele me fez esse monte de perguntas querendo saber se eu realmente queria ser bailarino, o que eu iria fazer se não conseguisse trabalho e, quando eu conseguisse, o que ia fazer se tivesse alguma lesão. Enfim, foi bem intenso.
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Por que acha que o Brasil perde seus grandes talentos na dança para o mercado internacional?
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É difícil falar sobre isso porque fui embora muito jovem, o contato que tenho com a cena da arte no Brasil é bem pouco. Mas o que é muito claro para mim, e que não precisa estar aí para saber, é que não existe apoio à dança. O governo não ajuda muito… Acho que esse é o principal problema. Também tem uma questão financeira. Fora do país tem mais mercado de trabalho, mais oportunidades, então você faz mais dinheiro e é mais fácil conseguir se estabelecer. É complicado, sinto que aí falta o básico. Se falta educação, como vamos focar na arte? E ainda por cima tem a corrupção que acontece em todos os lugares do mundo, mas no Brasil é ainda mais presente.
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Pretende voltar ao Brasil?
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Se tivesse a oportunidade estaria trabalhando no Balé da Cidade. Tem companhias no Brasil que, mesmo com pouco dinheiro, fazem um trabalho maravilhoso. Se fosse uma opção viável estaria trabalhando em São Paulo há anos, amaria dançar na minha cidade e respeito imensamente o trabalho das companhias brasileiras. Tem muita gente talentosa. Mas não sei se pretendo voltar. Não tenho ideia, na verdade. Às vezes penso que sim, que seria legal devolver ao lugar onde nasci e cresci tudo que aprendi. Mas, claro, só tenho 24 anos, ainda sou só um bailarino e não defini o que vou fazer quando minha carreira terminar. É muito cedo para confirmar.
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O que ainda quer conquistar?
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Quero comprar uma casa, com certeza. Não sei quando nem onde, mas quero comprar uma casa em algum momento da minha vida. Pode ser no Brasil, na Inglaterra, qualquer lugar do mundo. Quero um lugar que eu possa ir e chamar de lar, sabe? É uma coisa estranha do ser humano querer ter o seu lugar, mas eu quero. [risos]
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Você já ganhou diversos prêmios como bailarino profissional. Entre eles, o importante Bavarian Art Prize Dance. Qual o segredo para “chegar lá”?
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A questão é que não é um segredo, todo mundo fala sobre isso. Para mim, é bem claro que a persistência e o trabalho duro são fundamentais. Até hoje, acredito que tenho que ser o primeiro a chegar ao estúdio e o último a sair. Sacrifico bastante a minha vida pessoal e social pelo meu trabalho, é um nível tão alto de entrega que por mais que você queira curtir a vida você precisa abrir mão de certas coisas. Essa parte é a mais difícil porque estou no auge da minha juventude, com energia para fazer tudo, mas sei que, muitas vezes, não é a escolha mais inteligente. Não dá para deixar a bola cair, é difícil e fica cada vez mais. Não é uma resposta muito esperançosa, mas acho que em algum momento da vida a gente encontra algo que nos preenche e sinto que, agora, o que me preenche é o meu sucesso, meu trabalho. Não estou dizendo que sou o melhor, mas, para os meus padrões, acredito que alcancei algum nível de sucesso e isso me deixa muito feliz.
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O que você faz para fugir um pouco dessa rotina tão regrada?
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Medito todo dia e acho que isso é uma coisa que me ajuda bastante a cuidar da saúde mental. Para relaxar, fora da realidade da pandemia, geralmente saio com meus amigos para tomar uma cerveja e conversar sobre outros assuntos que não envolvam a dança, apesar da maioria deles serem bailarinos. Não sou a pessoa mais sociável, mas gosto de conhecer gente nova. É uma situação que tenho que me forçar a entrar, mas é divertida. Quando saio e encontro outras pessoas, percebo que a vida não é só o que eu conheço e que existem tantos estilos de vidas, tanta gente nesse mundo, tantas realidades diferentes. Saber que o mundo é grande e que muitas pessoas estão felizes, tantas outras estão tristes e que tudo isso é parte da experiência humana me relaxa.
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Onde você se vê daqui a 10 anos?
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Até aqui minha vida tem sido bem espontânea. Mudei para Londres no meio da pandemia e nunca tinha pensado em morar aqui antes. Tudo acontece muito aleatoriamente, não que eu não lute para conquistar as coisas, afinal eu vim até aqui prestar a audição, mas sinto que nunca sei o que vai acontecer. Não acho que a vida de bailarino te obriga a ter essa inconstância, mas é uma escolha minha. Não tinha como saber que ia sair da Zona Leste de São Paulo para morar em Londres e aqui estou. Então, decidi acolher o fato de que sei muito pouco e não quero planejar nada por agora. Claro que tenho algumas ideias, mas não quero me comprometer.
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Qual bailarino(a) devemos ficar de olho?
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Que pergunta difícil, nunca somos perguntados sobre outras pessoas. Quero muito falar o Yoshi Suzuki porque sou super fã dele. Além de ser um bailarino talentoso, as poucas vezes que nos encontramos ele foi muito gentil comigo. Ele é inteligente e acho que ainda vai contribuir muito para o cenário da dança no Brasil. Também quero falar sobre todos os profissionais que trabalham na minha companhia. A quantidade de talentos aqui é inacreditável, venho trabalhar todo dia e fico chocado. Essas pessoas são de outro mundo! Sou muito grato e privilegiado por estar aqui, é insano.
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