“Canto bem desde que nasci. Amava cantar, comia cantando, caminhava cantando, vivia cantando”. Começa assim nossa conversa com a cantora Mariana de Moraes, que como o nome entrega, herdou o talento de seu avô Vinícius de Moraes. “Ele ficava orgulhoso, puxava o violão. Era um homem lindo, inteligentíssimo”, relembra a neta.
Mariana deu voz à canção “Cada dia é tudo novo pra mim”, primeira parceria do letrista e poeta fluminense Ronaldo Bastos em parceria com Hilton Raw, compositor paulista. Na voz de Mariana, a música relembra o Rio de Janeiro dos anos 1980 ao falar de amores leves e descomplicados. “A gente precisa ser melhor para ter relações melhores, leves, livres e fieis, em que não se sofra mais violências, racismos, sexismos, machismos e tanta desigualdade. A gente quer mudar o outro e isso estraga tudo. Temos que aceitar a nós mesmos e o outro do jeito dele. Assim é possível um amor leve”, diz.
Ao GLMRM, a cantora falou sobre o single recém-lançado, amor livre dos anos 1980 e as lembranças de Vinícius.
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Como nasceu a música “Cada Dia é Tudo Novo Pra Mim”? E o que você quer passar com ela?
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A música nasceu durante a pandemia numa parceria entre amigos que nunca tinham trabalhado juntos. Hilton Raw fez uma canção POP maravilhosa. Ronaldo Bastos pegou a onda lindamente como sempre e fez uma letra bem carioca, muito inspirada em Marina Lima, cantora, compositora, instrumentista genial que eu amo demais. E a Dubas escolheu o dia do aniversário de Marina sem querer para lançar a música. Muito lindo. O acaso jogando. A sincronicidade.
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Esse novo trabalho fala sobre amores leves e descomplicados. Como você vê um amor leve e descomplicado?
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Já tive, o vento levou… Na década de 80, havia o amor mais livre. Ser feliz e fazer alguém feliz. A leveza é importantíssima e irmã da alegria, mas a alegria é a prova dos 9. “Gozar a vida sem culpa e sem medo, sem cura”, como dizia Wally Salomão. “Amar, dar tudo, não ter medo”, como diz o Caetano. “Cada dia é tudo novo pra mim”, como diz Ronaldo Bastos.
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Você acha que nos falta leveza como um todo? O brasileiro gosta de complicar as coisas?
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Nesse momento tão grave nos falta leveza. E a arte vem trazer isso de volta. O brasileiro é um povo bonito que está crescendo, que tem uma herança extraordinária de cultura e uma criatividade brilhante. Criamos coisas belas, mas não sabemos ser felizes e amorosos e gratos. Aprenderemos. O nosso saldo como povo é positivo. Agora, a elite brasileira, socorro… Claro que há exceções, mas são muito poucas, infelizmente. Enquanto não estiver bom para todos não vai estar realmente bom para ninguém. Eles precisam entender isso urgentemente. Eu rezo e canto para que melhorem e para que haja justiça. Às vezes dá desânimo, mas não podemos baixar a cabeça. Tem de tirar o poder de quem não sabe lidar com ele.
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Você se inspira em seu avô de alguma forma para essa criação?
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Não me inspiro em Vinicius para essa canção justamente porque ela é muito anos 80, época em que tudo mudou. Vinicius se foi, mas ficou Marina, Bebel, Cazuza – e estavam em potência máxima. Não tinha celular, a gente se encontrava no Posto 9, na praia do Arpoador, no Baixo Leblon, nos shows da Black Rio, no Circo Voador, com Tim Maia, Melodia e Sandra de Sá. As batucadas do Cacique de Ramos e de tantos artistas do samba carioca, os surfistas de Ipanema, Peti, as Frenéticas, os shows de Caetano, Donato, Gil… Eu vivi muito essa letra que Ronaldo escreveu. Por isso gostei de ter cantado ela. Acho que por isso ele me chamou. A gente se amava com leveza e intensidade. Com mais amizade que posse. Era bom.
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Aliás, como Vinícius de Moraes está presente em você e em seu trabalho?
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Meu avô era um cara lindo, dessas pessoas raras que não tem como não gostar. Ele morreu em 80 e eu tinha 11 anos. Mas desde pequena eu amava a música e meu primeiro grande amor foi João Gilberto. João era intérprete de Vinícius, então ouvindo os discos dele obsessivamente e muito muito pequena eu aprendi as músicas de meu avô. E logo fui me apaixonando por mais gente, Nana Caymmi, Baden Powell… Ele tinha orgulho porque eu era tipo bebê cantora.
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Como foi dar voz a essa parceria entre Ronaldo Bastos com Hilton Raw?
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Uma alegria sem fim. E a gente está precisando de alegrias para lutar e viver melhor. Tive a sorte de ser escolhida para cantar essa delícia, com direito a Dadi fazendo os arranjos e a produção de Marcelo Costa, meu amigo, ex-namorado, parceiro fiel. Gente que eu conheço desde os tempos de menina, quando tietava Marina e Caetano, a Cor do Som… Não perdia um show bom nessa cidade do Rio de Janeiro e foram muitos shows lindos. Eu sempre apaixonada pela música, não importando o estilo, mas sim o talento e o amor investido nela. Então para mim foi uma honra esse convite de Ronaldo Bastos e de Hilton Haw, e acima de tudo Leo Pereda, diretor artístico, que soprou meu nome nos ouvidos deles. Ronaldo, eu nem sei dizer o tamanho da admiração que tenho por ele…simplesmente amo.
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O que tem de positivo e até negativo em ser neta de um dos maiores nomes da música brasileira? Você se sente pressionada por conta disso?
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Sabe o que eu penso? Eu podia ser filha ou neta deste presidente que está aí. Uma benção ser neta de um homem importante porque fez coisas belas e ganhou a vida honestamente com isso. Não posso me queixar. Herdei ética e beleza. Alguma dor também herdei. Mas é isso, não é fácil ser gente. Tem de seguir em frente, fazer as coisas difíceis nos fortalecerem e as coisas belas florescerem. Reclamar menos, agradecer mais. Um dia tenho fé todos nós lidaremos melhor com nossa ancestralidade. Inclusive eu mesma. Mas com o Vinicius eu me resolvi bem. Ele ajuda à beça com sua poesia e seu exemplo. Só sinto amor e gratidão por ele. E por minha avó Tati. Só amor.
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E sobre projetos futuros? O que pode nos contar?
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Aconteceu um milagre e vou gravar um disco agora em Outubro. Digo milagre porque a cultura brasileira está mais que nunca se fazendo por milagre. Tão atacada. Então ter condições de trabalho é um milagre agora. Acho que por isso será um disco abençoado. Tem muito amor de muita gente envolvida. É tão especial que eu vou deixar vocês com gostinho de curiosidade. Será uma surpresa boa, cheia de músicas belas e especiais, que é o que a gente está mais precisando além de paciência para passar esse turbilhão. Felicidade guerreira. Energia para sonhar e criar. Escolhi as músicas para esse momento. Posso contar que vou cantar “E Por falar em Saudades”, de meu avô. Porque estamos todos morrendo de saudades. Porque estamos todos machucados, mas vai passar. E precisamos cantar e alegrar a cidade. Tenho fé. Precisamos ver o lado bom da vida mesmo nas coisas mais difíceis, levantar e lutar como guerreiras e guerreiros amorosos. E a música, a poesia, a cultura são essenciais ao bem-estar, à clareza e à saúde de todos nós.
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