Marisa Orth está em cartaz em São Paulo com o espetáculo “Bárbara”, livremente inspirado no livro “A Saideira”, de Barbara Gancia. A obra teatral reúne histórias tragicômicas dos mais de 30 anos de dependência do álcool e suas consequências no primeiro monólogo de Marisa, que celebra 40 anos de carreira. “Com certeza é mais fácil do que seria 20 anos atrás. Se eu já passei um nervoso desgraçado, seria quase mortal (no passado)”, conta ela sobre a novidade no currículo.
“Era a hora de fazer um monólogo, uma coisa portátil. Amei o livro, mas achava que era muito próxima da Barbara e que ela já tinha feito uma coisa ótima ali e boa para o tema. Fiquei muito movida pela turma. Quando a autora topou, queria para caramba que fosse eu, descobri essa predileção, e foi assim”.
Marisa Orth sobre motivação para topar a novidade
No papo a seguir, a intérprete da eterna Magda, de “Sai de Baixo”, e do ícone fashion Mortícia, do musical “A Família Adams”, a atriz fala sobre a volta aos palcos, dependência química como doença, o futuro do filho João (22 anos) nos cinemas e os planos de fazer um show com músicas tristes.
Com sessões às sextas e sábados, às 21h, e domingos às 18h, a curta temporada de “Bárbara” segue em cartaz até 12 de dezembro no Teatro Faap, em São Paulo.
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Como era sua relação com a Barbara antes? Você pegou muitos dos trejeitos dela e trouxe para a personagem…
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Nunca foi a intenção da direção. Tem vários trechos que são ipsis litteris do livro. Gosto de ouvir a música que estava na cabeça da pessoa que escreveu pra ir no ritmo dela. Não é proposital, mas é bem vindo. Fui construindo essa personagem, que é próxima dela. Mas não fiz nenhum estudo nem fiquei vendo foto ou vídeo. E a gente não era próxima. A gente tem muitos amigos em comum, se viu superficialmente umas dez vezes na vida. Mas nunca sentamos apenas nós duas para bater um papo, não tenho esse conhecimento dela. Agora que a gente está mais amiga.
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Pode-se dizer que é um peso ou um presente estrear um monólogo aos 40 anos de carreira?
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Presente, presente. Não posso saber porque eu não fiz antes, mas com certeza é mais fácil do que seria 20 anos atrás. Se eu já passei um nervoso desgraçado, seria quase mortal (no passado).
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Esse frio na barriga é essencial para topar coisas novas?
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Ao mesmo tempo é o que torna tudo muito difícil. A gastura vem daí, também. Mas eu tenho uma dependência disso, já que estamos falando de dependência. Tenho um pouquinho, mas é um nervoso. Na pandemia, ficamos só nós (da produção) ensaiando, testando (Covid-19) todo dia. No dia que apresentei para a Barbara pela primeira vez, ficava imaginando: ‘Meu Deus, o que a Barbara vai achar?’ Aí saiu uma foto de divulgação e ela ficou toda preocupada: “já tá pronto? Ninguém me chamou, quero ver”. Ela foi no ensaio e esse nervoso foi sendo abatido aos poucos. Ela curtiu! Foi uma grande estreia.
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A pandemia potencializou esse frio na barriga? Você não estava estreando apenas o monólogo, mas também vinha de muito tempo sem se apresentar ao vivo… Como foi esse clique?
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Fiquei bem mais tempo fazendo do que não fazendo, mas deu nervoso. Falar já está me dando nervoso de novo. Agora que é a minha minha primeira folga real, passou o fim de semana de estreia e você vai me lembrar do nervoso? (risos)
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O espetáculo fala sobre dependência, fragilidade e doença. Mudou sua percepção sobre dependência por causa da peça?
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Mudou e está mudando. Estou aprendendo um monte. É uma doença desenvolvida, que atinge milhões. Há um universo todo que se dedica a estudar isso: tem a genética, a não genética, a adquirida. Mas uma vez que se instala, é uma doença.
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Você teve contato próximo com algum dependente químico ou pessoas da família e amigos, que ajudaram a compor a personagem?
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Não tão próximos, mas pessoas ajudaram a compor. Quem no Brasil não tem? Como diz a Barbara, a gente tem dois graus de separação (de um dependente químico), sempre. Todo mundo da plateia, nosso pequeno grupo de trabalho, um namorado, um pai, um padrasto. Todo mundo tem, é muito mais próximo. E fala-se muito pouco sobre isso. Hoje em dia, a gente é quase que estimulado.
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Você bebe, fuma?
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Não, não. Larguei o cigarro há 13 anos. Foi uma dependência difícil pra caramba, mas consegui e estou conseguindo. No cigarro, eu sinto (algo) bem parecido. Beber, eu bebo, mas consigo controlar. Ok! Gosto e tal, mas estou observando muito mais agora.
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Por causa do espetáculo, percebeu alguma mudança de comportamento por conta da identificação?
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Sabe porque tem gente que não se conforma que você parou de beber? Porque se todo mundo bebe além da conta, ninguém bebeu demais. Quem não se vê nisso daí? E vai indo… Quando um para, é um choque: ‘por que está fazendo?’ É complicado.
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E o que te faz sair de casa nos dias atuais?
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Cinema ainda não fui. Vou ver uma seleção de curtas, como o da Barbara Paz com a (Alessandra) Maestrini com meu filho, que acabou de se formar em cinema. Vai ser um programa incrível, estou toda emocionada porque é um cinema novo, que reformou ali no Conjunto Nacional (Cine Marquise). Estou fazendo uma curadoria mais específica para sair. Nessas, acho que ir ao teatro é muito legal, puxando a sardinha para o meu lado. Tem comédia a maior parte do tempo.
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Como cantora, há alguma coisa para um futuro próximo?
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Já já eu faço show porque eu não aguento ficar muito tempo sem. Será um com músicas tristes, que eu sei cantar bem, acho. O próximo projeto vai ser uma coisa mais intimista, idosa, senhora (risos). Já gravei “Demais”, “Lama” e “Sofre”.
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Qual reflexão você faz nesses 40 anos de carreira?
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Detesto esse negócio de 40 anos de carreira. Tenho certeza que tinha muita gente que achava que eu tinha 35 anos de idade. Acho estranho isso. Mas estou detestando que se espalhou essa história de 40 anos de carreira. Acho uma m… porque não me sinto assim. Ao mesmo tempo, dá uma puta segurança, é um colchão… Sei o que estou fazendo. Depois de tantas aventuras, voltar para o teatro simples na palavra, que é a minha casa, a coisa que eu sei fazer. Fui fazer musical, show, televisão e cinema. Mas o que eu sei fazer é teatro falado. Tanto que meu maior sucesso na televisão é teatro (“Sai de Baixo”, TV Globo).
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Você acabou de fazer 58 anos, 40 anos de carreira… E há sempre uma cobrança para as mulheres por conta de etarismo….
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Falar sobre isso é levantar bandeiras e jogar luz. A gente tem que falar do trabalho das pessoas, como agora, que estou começando um monólogo. Nunca tinha feito e esse é meu ponto de vista. Tenho vergonha de 40 anos de carreira porque acho que só vão me dar papel (ruim) ou não vão mais me dar papel porque vão achar que estou aposentando. E tenho fobia disso, entende? Eu quero trabalhar!
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