A 34ª Bienal de São Paulo já está funcionando a todo vapor no Pavilhão Ciccillo Matarazzo, no Parque do Ibirapuera. Com o título “Faz escuro, mas eu canto”, verso do poeta amazonense Thiago de Mello, a edição marca o aniversário de 70 anos da primeira Bienal de São Paulo, que colocou o Brasil no circuito mundial de arte contemporânea. Depois de um ano de atraso, e mesmo com todos os obstáculos superados, José Olympio da Veiga Pereira, presidente da Fundação Bienal de São Paulo, diz que a sensação de dever cumprido ainda não é uma realidade. “Esse alívio deve chegar só em dezembro, quando fecharmos as portas da Bienal e tivermos uma noção de sua repercussão. Mas, por hora, posso dizer que estou muito feliz com o que realizamos até agora, com os planos e com tudo o que está sendo feito”, afirmou.
Grande apreciador e colecionador de arte desde os anos 1980, José Olympio assumiu a presidência da Bienal em janeiro de 2019 e precisou encarar de frente o ano da pandemia que, segundo ele, teve seus lados positivos. “O isolamento social possibilitou a experiência das pessoas conviverem com arte. Falo por mim, tenho obras na minha casa há muitos anos, mas só durante esse período fui capaz de olhar mais os trabalhos e usufruir mais deles. Isso foi uma experiência riquíssima e acho que a arte ajudou as pessoas a atravessarem esse período, porque ela está em outro universo, é uma coisa mágica, não está no racional, mas no campo das energias, sensações e emoções. Gosto de dizer que a arte é o alimento da alma e as pessoas nem sempre entendem isso, mas tenho certeza que durante esse período elas nutriram suas almas da arte que as cercavam e acho que isso fica”, refletiu Olympio.
Ao Glamurama, o presidente ainda falou sobre seu mandato, o desejo pela reeleição, o abandono de instituições culturais no Brasil e o negacionismo diante da arte.
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É possível notar uma arte pandêmica surgindo?
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Essa é uma pergunta bastante interessante, mas te diria que ainda não vi nas produções e manifestações artísticas como um todo os efeitos da pandemia. É difícil dizer, nos trabalhos que tenho visto, que os artistas estão fazendo alguma coisa que remeta à essa situação, a esse tempo.
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Você assumiu a presidência da Bienal com o objetivo de “ampliar as conexões da Fundação com a cidade e o mundo”. Alcançou essa meta?
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Acredito que sim. Originalmente desenvolvemos um plano que previa um evento que se expandisse no tempo e no espaço. O objetivo era abraçar São Paulo. Com a chegada do novo coronavírus ao Brasil, nós estendemos a Bienal por mais um ano. Passamos a exposição coletiva de setembro a dezembro de 2020 para setembro a dezembro de 2021 e, nesse período, exploramos o uso das mídias digitais, especialmente do Instagram, para alcançar um público maior e permitir um aprofundamento do debate. Criamos o programa “A Bienal tá On”, no qual oferecíamos visitas aos ateliês dos artistas, conversas com os curadores, lives com pessoas do mundo inteiro. Foi uma experiência muito legal e, ao mesmo tempo, nós conseguimos manter nossa rede. Então, não só fizemos toda essa programação online, mas também quando a pandemia deu um alívio, no final do ano passado, organizamos uma exposição presencial introdutória chamada ‘Vento’, por conta de um trabalho da artista nova-iorquina Joan Jonas. Foi uma mostra muito alinhada com o momento, o pavilhão estava completamente aberto e não tinha nenhum mobiliário ou cenografia. Foi muito interessante. Então, do meu ponto de vista, acredito que a gente transformou esse limão em uma limonada. Tiramos proveito desse desafio que se colocou e oferecemos mais conteúdo, mais aprofundamento, coisa que é difícil fazer quando não se tem todo esse tempo.
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O seu mandato como presidente da Fundação Bienal também foi postergado. Pretende buscar a reeleição?
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A reeleição é tradicional na Bienal. Os presidentes podem ser reeleitos uma vez e normalmente são. O meu antecessor, por uma questão de saúde, não se ofereceu, mas se eu estiver bem vou me colocar à disposição para ser reeleito.
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Agora, falando sobre a 34ª edição da Bienal de São Paulo. O que esperar deste ‘grand finale’?
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Uma experiência muito rica, tanto em conteúdo quanto em trabalho de arte. Temos artistas excelentes e tenho certeza que será uma oportunidade para o público fazer descobertas muito interessantes de nomes brasileiros e estrangeiros. Também temos, pela primeira vez, uma representação significativa de arte indígena contemporânea, com o Gustavo Caboco, Daiara Tukano, Uýra, Sueli Maxakali e o Jaider Esbell, daqui do Brasil, e outros quatro artistas indígenas importantes de fora do país. Passei bastante tempo acompanhando a montagem e posso dizer que estou muito feliz. Não quero criar expectativas para quem ainda não foi, mas acho que estamos oferecendo para São Paulo uma experiência muito rica e interessante.
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Qual artista mais te impressionou?
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Tem vários artistas que acompanho e nunca deixam de impressionar. Vou escolher uma para falar, que está na Bienal e sempre me surpreende, a Carmela Gross. Ela tem uma longa trajetória, mas é uma adolescente em termos de criatividade. Tem uma capacidade comovente de se renovar e fazer coisas diferentes, novas e interessantes. Seu trabalho para a Bienal está incrível!. Que os outros todos não fiquem triste, por favor.
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Qual a sua reação diante de situações como o incêndio na Cinemateca Brasileira?
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Lastimável. Fico muito triste porque nós estamos tendo um número muito alto de incêndios em instituições culturais. Para relembrar, em 1978, o fogo no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM Rio), quando perdeu-se um acervo extraordinário de obras de arte. Mais recentemente, o incêndio do Museu da Língua Portuguesa, depois o Museu Nacional e, finalmente, esse da Cinemateca. Me pergunto por qual motivo isso está acontecendo. Não é possível. Nós não estamos cuidando adequadamente das nossas instituições culturais. É muito incêndio, isso denota alguma coisa.
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Como reverter a onda de negacionismo em relação à cultura?
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Acredito que isso faça parte de um quadro mais amplo de polarização, que eu espero que passe. A metáfora que estamos oferecendo com essa bienal é justamente: “Faz escuro, mas eu canto” para dizer que, sim, as coisas estão complicadas, mas temos esperança. O amanhã vai chegar, o sol vai reaparecer e esse escuro vai embora. Apesar de ter sido escolhido antes da pandemia, acho esse título extremamente apropriado, cai como uma luva para o momento atual. Outra metáfora igualmente importante é a rede de instituições culturais que formamos. A Bienal não alugou espaços, apenas criamos uma corrente, em que todos estão de braços dados para construir um projeto comum. Conseguimos nos abraçar sem que nenhum museu abrisse mão de sua individualidade. Espero que este nosso exemplo inspire as pessoas de que o diálogo com o outro pode e deve existir, que é possível se relacionar para buscar um objetivo comum que sirva a todos. Não é na polarização, no negacionismo ou na rotulação que vamos conseguir ir além. Esse é o nosso grande desafio: como vamos viver juntos, buscando o bem comum? Como vamos trabalhar para dar uma vida digna e com oportunidades a todos? Essa é a grande questão e eu espero que a gente chegue lá.
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Para finalizar: qual obra de arte todo mundo deveria ter a oportunidade de ver?
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Meu quadro favorito não é óbvio, é a “Descida da Cruz”, do Rogier van der Weyden. Acho extraordinário. Toda vez que vou à Madri, vou ao Museu do Prado para ver esta obra. É um coisa incrível, acho que todo mundo tinha que ter a experiência de ver este quadro ao vivo. E aí, estando lá, aproveite para ver “O Jardim das Delícias Terrenas”, de Hieronymus Bosch, que também é imperdível e está no mesmo museu.
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