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Sexo
Reprodução/Pexels

Acontecimentos de grande impacto na vida das pessoas, como a pandemia de Covid-19, costumam provocar reflexões e até mudanças profundas. Segundo a literatura histórica, assim como os períodos pós-epidemias ou guerras, é sintomático que a população queira viver tudo o que o isolamento impediu.

O sociólogo Nicholas Christakis, médico e autor de “Apollo’s Arrow: the Profound and Enduring Impact of Coronavirus on the Way We Live” (ainda inédito no Brasil), diz que se a gente olhar para o que aconteceu nos últimos 2 mil anos, quando as pandemias acabam, sempre há uma “festa”.

As pessoas saem em busca de mais interação social, frequentando, nos dias atuais, casas noturnas, restaurantes, eventos esportivos e até participando de manifestações políticas. E isso se reflete diretamente no comportamento sexual, com homens e mulheres descobrindo e redescobrindo o prazer, buscando sexo sem compromisso, relações fluidas e brinquedos para usar sozinhos ou acompanhados.

“Vimos surgir o movimento sexual wellness, direcionado ao público feminino, que coloca o sexo como bem-estar e empoderamento”

Rose Villela, sexóloga

Não por acaso, a venda de vibradores aumentou 50% entre março e agosto de 2020. Foram comercializados mais de 1 milhão de sex toys no Brasil. De acordo com o portal Mercado Erótico, 76% das 135 empresas do ramo cresceram durante o período, com alta média de 10% nas vendas.

“Vimos surgir, por exemplo, o movimento sexual wellness, direcionado ao público feminino, que coloca o sexo como bem-estar e empoderamento”, diz a sexóloga Rose Villela, psicóloga e autora de “O Livro Vermelho do Sexo Sem Vergonha”.

Na visão do empresário Facundo Guerra, nome icônico da noite paulistana, a pandemia transmutou o que a gente chamava de prazer, que estava no campo da pornografia, para o desejo: “Isso se mostra em vários lugares e contextos: os motéis, hoje, são frequentados por casais monogâmicos e não apenas por pessoas adúlteras; o vibrador saiu do campo do proibido e vergonhoso, e foi para o lado estético, sendo um objeto que se coloca até na mesa de centro da sala e as mulheres têm orgulho de falar que usam. Assim como a pole dance deixou de ser uma objetificação do corpo feminino e se transformou num esporte”.

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Parque de diversões

Esse cenário abriu espaço, inclusive, para mais um projeto de Facundo. Em novembro, será inaugurada a Love Cabaret, casa noturna com performances artísticas, loja de brinquedos sexuais e suítes, onde era o icônico Love Story, no centro de São Paulo.

“Esse projeto não existiria se não fosse a pandemia”, afirma ele. Segundo o empresário, o estopim do Love Cabaret foi o filme “Roadrunner: A Film About Anthony Bourdain”, da HBO Max, que mostra a vida do chef e escritor americano. “Ele diz que a gente tem que parar de encarar o corpo como um templo, como na cultura pré-socrática e do catolicismo romano, e encará-lo como um parque de diversões”, conta.

Para ele, é preciso olhar o corpo como fonte de prazer e reflexão, já que está intimamente ligado ao cérebro. Facundo ressalta, inclusive, que a discussão sobre sexualidade positiva, ou seja, tirar o sexo do campo do prazer do corpo, como se fosse um lugar de pecado, e deslocar para o cérebro, como algo que é importante para a saúde mental, já está acontecendo.

O que se percebe é que a pandemia foi como um acelerador do tempo, segundo a psicanalista Ana Suy, escritora e professora da PUC-PR: “Cada um passou – e está passando – por essa fase de um lugar diferente. Mas, a maioria viveu, de alguma forma, uma desmontagem do cenário que estava acostumado, com a queda da fantasia de que o mundo tem uma certa consistência e a gente tem previsibilidade sobre a vida”.

Para ela, a pandemia dissolveu essas falsas certezas e colocou as pessoas de frente com a finitude da vida, o que fez muitas repensarem suas escolhas e decisões. Algumas coisas que eram tidas como certas estão sendo colocadas em xeque, como a estrutura patriarcal, a noção de família feliz, a normatividade e a sexualidade. “Isso tem levado homens e mulheres a se interessarem por experimentar e ter experiências diferentes”, afirma.

“Felizmente, estamos vivendo o fim do ‘amor romântico’, aquele que prega que os dois vão se transformar em um só e que quem ama não deseja mais ninguém”

Regina Navarro Lins, psicanalista
Reprodução/Pexels

Amor livre

Já a psicanalista Regina Navarro Lins, autora de livros como “Novas Formas de Amar”, ressalta que as mudanças na maneira como o sexo é visto faz parte de um movimento que vem de alguns anos.

“Vivemos muito tempo uma opressão, que começou no cristianismo, com o sexo visto como algo sujo, perigoso e feio. Depois da pílula anticoncepcional, nos anos 1960, e com o aumento dos movimentos de contracultura, hippie, gay e feminista, muita gente começou a perder os preconceitos”, explica.

Segundo ela, isso tem feito as pessoas a buscarem novas formas de se relacionar, como o amor a três, o poliamor e as relações abertas. “O amor é uma construção social e cada época se apresenta de uma forma, mas, felizmente, estamos vivendo o fim do ‘amor romântico’, aquele que prega que os dois vão se transformar em um só e que quem ama não deseja mais ninguém.”

*Com reportagem de Caroline Marino

*A reportagem completa está na nova edição da revista J.P, já nas bancas

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