Mesmo com o número crescente de empresas que investem em diversidade e inclusão, o etarismo ainda é uma questão urgente no Brasil. Em um país em que o medo de envelhecer é cultural, ultrapassar a barreira dos 60 anos deixa qualquer um, no mínimo, preocupado.
Fato é que os tempos mudaram. As pessoas estão vivendo mais e melhor, e o envelhecimento está em ascensão em todo o planeta. Mas a sociedade tem pressa e a tecnologia avança a passos largos, fazendo com que as gerações mais antigas sejam, muitas vezes, rotuladas como incapazes de acompanhar essa evolução. Ledo engano. Derrubando rótulos e preconceitos, foi cunhado recentemente um novo termo, “perennials”, ou, “aqueles que não têm idade”, que são perenes. Essa palavra se encaixa bem no que se vê por aí: pessoas de 50, 60, 70 anos, com muito pique e combustível para queimar.
Esses indivíduos atemporais têm um estilo de vida que une gostos e hábitos de diversas faixas etárias e, para lidar consigo mesmo, com os outros e com o ambiente, não se baseiam em aspectos geracionais, e sim na forma como percebem a si próprios, isto é, de acordo com sua identidade social. São pessoas curiosas, abertas ao aprendizado, à mudança de carreira, ao desenvolvimento de novas habilidades e conhecimentos, e entendem que cada um tem suas próprias experiências, propósitos e objetivos. Para os perennials, a idade não importa. Então, para que rotular uma pessoa de acordo com o ano de nascimento?
Com esse tema em pauta, convocamos Mirian Goldenberg, uma das maiores conhecedoras do assunto. Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autora do livro A Bela Velhice (ed. Record), há mais de 20 anos atua na área da gerontologia, estudando o envelhecimento e o que ela chama de “velhofobia”.
-
Você prefere chamar de “velhofobia” o que tem sido discutido amplamente como etarismo ou ageísmo. Por quê?
-
Outros autores usam termos como ageísmo, etarismo… Gosto de chamar de velhofobia, porque assim todo mundo entende do que estou falando, que é a violência física, verbal e psicológica contra os mais velhos, tudo o que estamos vendo, mais do que nunca agora na pandemia, mas que sempre existiu por aqui. Esse preconceito é muito forte no país porque vivemos em uma cultura que sempre se considerou jovem, que até pouquíssimo tempo era realmente uma pirâmide que tinha muitos jovens em sua base e poucos velhos no topo. Só que já não é mais assim, muita gente não se deu conta disso. Não temos mais essa pirâmide. Pelo contrário. Em poucos anos teremos uma inversão, porque os brasileiros estão vivendo mais. A média da expectativa de vida quase dobrou dos anos 1960 para os dias de hoje. E, enquanto naquela época nascia 6,3 crianças em média por casal, atualmente esse número caiu para menos de 2. Só que os valores não acompanham a nova realidade. Continuamos achando que vivemos em um país jovem, em que só existe beleza e produtividade na juventude, e essa visão de que os mais velhos são um peso, são inúteis, que podem morrer a qualquer momento é o que chamo de discurso velhofóbico. Os brasileiros não conseguem enxergar que envelhecer não é algo negativo. Pelo contrário, é uma conquista da sociedade, da ciência. Podemos viver mais e melhor. Esses discursos devem ser combatidos diariamente, dentro de casa, nas empresas.
-
De onde veio esse medo que os brasileiros têm de envelhecer?
-
Acabei de lançar o livro A Invenção de uma Bela Velhice (ed. Record), com uma pesquisa com 5 mil homens e mulheres de diferentes faixas etárias, mostrando que todos, especialmente as mulheres, têm pânico de envelhecer. Justamente porque vivemos em uma sociedade em que a juventude é hipervalorizada, associada à beleza, produtividade, sensualidade. Só que os medos são diferentes. Enquanto os homens expressam o medo da aposentadoria, da dependência física, da impotência, as mulheres falam mais de invisibilidade social e perda da aparência física. Homens costumam sofrer calados e não é à toa que, quando se aposentam, bebem mais, têm mais problemas de saúde e morrem mais cedo. É um baque muito grande.
-
Como a velhofobia atua em ambientes competitivos como os corporativos?
-
Falo que existem diferentes velhofobias. Tem a geral, essa representação de que o velho é feio, doente, inútil, que não vai fazer falta, absurdos que ouvimos diariamente, inclusive em discursos de autoridades políticas, e tem a velhofobia no mercado de trabalho. As empresas não aproveitam bem os profissionais seniores, não contratam pessoas mais velhas, não valorizam a experiência e até a disponibilidade que elas têm de trabalhar. Uma coisa interessante que descobri escrevendo o livro é como as pessoas mais velhas querem continuar sendo úteis, ter um propósito de vida. Muitas voltam a estudar para empreender e buscar colocações em novas áreas. Alguns já são aposentados, têm renda para viver bem, mas querem seguir ativos, porque o trabalho se torna um propósito de vida. A dedicação e a paixão são maiores até mesmo que a dos jovens. As empresas não costumam enxergar isso, mas acredito que, em breve, irão valorizar esses profissionais, porque esses veteranos têm tesão e comprometimento no que fazem.
-
A busca por profissionais cada vez mais jovens tem a ver com o surgimento das empresas digitais na última década?
-
É um mito essa ideia de que só os jovens dominam a tecnologia. Pesquiso homens e mulheres de mais de 60 anos há três décadas e a grande maioria está totalmente conectada, informada e atualizada. Aí não é uma questão de idade, e sim de oportunidade, de conhecimento, de escolaridade e até de classe social. Pessoas mais pobres de todas as idades têm menos acesso às novas tecnologias.
-
Como as empresas podem combater a velhofobia?
-
A velhofobia deve ser combatida no dia a dia. Em casa, nas empresas, na universidade e dentro de nós. Muitas pessoas, que estão em sua plenitude funcional e física, acreditam que estão velhas demais para estudar, para procurar emprego, para namorar, para fazer sexo… temos que entender que hoje a velhice é a fase mais longa da vida. Somos crianças durante dez anos, adolescentes por uma década e adultos por 30 anos. A partir dos 60, somos considerados velhos e podemos viver bem até quase os 100. São 40 anos de atividade, paixão, propósito. Os velhofóbicos deveriam sempre lembrar que daqui a muito pouco tempo eles também serão velhos. Esse é o melhor exercício a ser feito. Quando as empresas e os brasileiros tiverem consciência disso e incorporarem a ideia de que também são velhos, hoje ou amanhã, muitas mudanças poderão vir. E o tratamento e comportamento em relação à velhice dos outros e à própria velhice vão sofrer transformações positivas.
-
Quais os prós e contras de uma equipe formada por profissionais jovens e seniores?
-
Nenhum contra. Só vejo vantagens. O aprendizado é constante, porque a troca é muito maior entre pessoas que não têm a mesma experiência de vida. Como um jovem que está começando na profissão enxerga seu futuro? E uma pessoa mais velha, como pode aprender coisas novas com os colegas mais jovens? Essa troca é um ganha ganha para todos. Só sai perdendo quem exclui, quem não respeita, quem não aprende com pessoas que têm muito a ensinar.
- Neste artigo:
- diversidade,
- etarismo,
- inclusão,
- Mirian Goldenberg,
- velhofobia,