Em uma semana, perdemos Jaider Esbell e Marília Mendonça. Temos perdido tantas pessoas. Temos perdido tanto.
Após sua morte, as obras de Jaider Esbell estiveram cobertas com um pano preto na Bienal de São Paulo, o silêncio momentâneo de suas cores. O silêncio definitivo de suas obras futuras, as que não serão mais realizadas. É difícil não fazer o movimento de indagar por quê. É fácil encontrar explicações que dizem respeito só a mim, num processo de elaboração unicamente de minha própria incompreensão de uma morte escolhida. A tristeza oca, muda e inatingível; o vazio do sucesso, sucesso medido pela mesma cultura que destrói tudo o que é diferente dela. É possível elaborar também outras, provavelmente mais significativas, que dizem respeito ao nosso tempo, ao momento histórico de nosso país. O genocídio indígena. A perda de terras, de direitos, de esperança. A aproximação das mudanças climáticas, resultado de um modo de vida oposto ao dos povos originários do Brasil e do qual estamos muito longe de nos livrar.
Após sua morte, as canções de Marília estouraram em número de audiência. É tão absurdo que isso seja medido e, ao mesmo tempo, não é. Ficamos sem saber como nos portar diante de tamanha dor e, talvez por isso, tanta polêmica tenha surgido, essa polêmica intensa e breve que é a cada vez a polêmica da vez, que faz os pequenos se degladiarem enquanto os grandes seguem lucrando, impulsionados, agora, pela própria polêmica dos pequenos. Não me refiro ao horror de um obituário machista e gordofóbico, aí não há polêmica, aí há só o horror, cotidianamente vivido pelas mulheres e destacado no obituário como prova. Me refiro à discussão sobre a desinformação e o elitismo subjacente a dizer que não conheciam sua obra, mas que sentiam muito. Quem ganha com essa discussão, a que ela se presta? Me pergunto, e não consigo obter resposta ―ou talvez não queira simplesmente admitir que se trata da disputa da posse de um lugar de saber que, sendo disputado sempre pelas mesmas pessoas e mediada por algoritmos, acaba sendo somente um ralo de forças. Polêmicas que, semana que vem, provavelmente já teremos esquecido.
Mas eles, eles não voltam mais.
Como parte do processo de elaboração, fiquei, como tanta gente, olhando os vídeos que Marília Mendonça postou poucas horas antes de sua morte. Procurando ali algum sinal. Algum silêncio, alguma expressão que denunciasse que ela, em algum lugar, sabia.
Não é possível que não haja nada, e insisto, vejo de novo, procurando, além de entender a morte dela, uma saída para o meu próprio medo da morte. Não é possível que a morte possa vir assim tão de repente, sem anúncio nenhum, tem que haver alguma coisa. Como quando Cássia Eller comentou com um amigo, algum tempo antes de morrer, do nada, o que gostaria que fosse feito depois de sua partida. Como um amigo que me disse saber que morreria cedo e assim foi.
Como é possível que a vida acabe tão de repente, tão sem aviso?
E no entanto, é assim. Somos mortais, e o sentido de nossa vida nos escapa o tempo todo; ele não existe previamente.
Não sabemos, nós, ocidentais, nós, modernos, lidar com a morte, porque escolhemos um modo de vida que a exclui. Talvez seja aí que as dores das mortes de Jaider Esbell e de Marília Mendonça se encontrem.
- Neste artigo:
- Natalia Timerman,