Dia desses tive a honra, o privilégio, a sorte de participar de um grupo de discussão em que estava a escritora Carla Madeira. Autora de ficções como “Tudo é Rio”, “A Natureza da Mordida” e “Véspera”, foi uma das autoras mais lidas de 2021. Carla é mulher, mãe e jornalista. O grupo em que estivemos juntas chama-se She, e dele fazem parte apenas mulheres. Grandes mulheres. São executivas de diversos setores, artistas, empresárias, conselheiras. Nos nossos encontros, costumamos debater sobre questões ligadas ao feminino, à complexidade do que é ser mulher e aos desafios que surgem a cada dia em nossos multipapéis. No evento mais recente, com a presença de Carla, falamos sobre escolhas (tema de “Véspera”) e sobre perdão (tema de “Tudo é Rio”).
Em “Véspera”, há várias passagens em que os personagens realizam importantes escolhas de vida que definem seu futuro. E muitas delas são irreversíveis. Talvez a mais marcante delas é a de uma das personagens chave, logo no início da trama, que toma uma atitude radical, “de mão única”. (Mais do que isso é spoiler. Leia o livro!). Daí que entramos em uma interessantíssima conversa sobre as decisões que tomamos na vida – aquelas que, em geral, são um caminho sem volta. A dor e a delícia disso. E eu te pergunto: você olha para trás quando faz uma escolha?
“Precisamos ter coragem de correr riscos. O risco é essencial. Ainda que o irreversível seja assustador”
Carla Madeira, escritora
Descobri que não olho exatamente para trás, mas olho para os lados. Mais do que eu gostaria. Olho para todos os lados que me rodeiam, todos os olhares que me cercam – mesmo tendo consciência da minha pequenez no mundo nessa vã filosofia. O que no passado era um ato solitário, que se consolidava em silêncio, hoje parece ser público, avaliado, ranqueado. As mesmas redes e tecnologias que nos conectam para momentos mágicos como esse – eu e você, nesse texto; Carla e o grupo She, falando sobre escolhas – nos aprisionam no eterno olhar para o lado. Será que foi a melhor decisão? Será que estou perdendo algo importante? Será que errei ao dizer não para aquela oportunidade? Um incessante loop de “será” e de “e se”. Um correr-atrás-do-rabo que vem da nossa própria mente, um pouco autocentrada e um pouco desgovernada.
Já foi mais fácil escolher. E talvez a gente esteja se perdendo ao olhar para o lado. Que dirá olhar para trás. Assumo, me abrindo aqui pra você, que diversas vezes preferi não ficar sabendo do que deixei passar. É aquele pavor do missing out acontecendo, debaixo do meu nariz, e colocando em dúvida o que até então eu tinha certeza. E o medo da irreversibilidade das coisas. Mais que um missing out: um no way back. Assim como a personagem de “Véspera” realiza uma escolha sem volta, aqui, no nosso mundinho, estamos escolhendo o tempo todo. Escolhendo prestar ou não atenção na pessoa que está na nossa frente, escolhendo ouvir o que nosso corpo diz ou não, escolhendo sabotar ou não aquele plano antigo.
Dessa reflexão toda, algo me conforta. Saber que toda escolha envolve, obrigatoriamente, uma perda. Ou várias. Não há como ser diferente. E tudo bem! Ganha-se algo, deixa-se algo ir embora. Com toda a exaustão de fazer escolhas o tempo todo, das mais às menos importantes, eu prefiro aproveitar a parte boa: se chama autoria. É nas escolhas que demarcamos nosso legado, que damos sentido à nossa breve passagem pela vida. Nada pode ser melhor do que isso. Como andam as suas escolhas?