Por Roberta Sendacz
A gente sabe que ser inteligente e culto instrumentaliza o outro a gostar de nós. Beleza? Sim, porém não sempre, porque vem atrelada a outras coisas, tipo o charme. A pensadora e filósofa alemã Hannah Arendt fazia muito sucesso entre os homens por ser a mulher do primeiro tipo: a sábia. Como prova a correspondência com dois personagens de sua vida, seu marido e seu amante, no que antecipa a Segunda Guerra Mundial, e a guerra em si. É um amor puro e saudável. Não tem tempo ruim, ao menos que ele seja a eclosão da guerra que debruça sobre a intelectual judia e a faz distanciar-se, contra sua vontade, do marido sionista (e não-judeu), Heinrich Blücher. Com ele, Hannah nutria um relacionamento aberto; conheceram-se quando ela tinha 30 anos, na década de 1930. Foi a maior paixão. Esse foi o segundo homem em sua vida. Blücher, diferentemente dela, era autodidata enquanto Hannah tinha conhecimento formal de universidade.
Namoravam outros aqui e acolá. Mas o filósofo alemão Martin Heidegger, com quem se corresponde por 50 anos, de 1925 até 1975, era seu principal amante. Este seria considerado a maior cabeça no pensamento ocidental do século 20, não fosse sua adesão íntegra ao nazismo. Uma judia e um nazista! Que relação mais complementar e louca. Antes dele, Hannah se relacionou com Paul Tillich, também professor de filosofia da universidade alemã onde conheceu Heidegger. Ele, seu orientador de mestrado na Alemanha, assina cartas com “seu Martin”. Apaixonados, sempre, falavam de filosofia e amenidades. Havia muita coisa em comum entre eles.
Blücher foi marido de Hannah até sua morte, em 1970. Tinham muito a ver. De Paris foram a Nova York tentar a vida fora da Alemanha. Tinham menos de US$ 100 juntos para fazer a mudança de país. Ela descreve para a imprensa judaica como é a vida difícil de um refugiado. Nutre o pensamento de imobilidade social. Porém, “com Heinrich, ela desenvolve uma visão própria […] longe da visão romântica e convencional que tivera antes”, narra Ann Heberlein, autora de “Arendt Entre o Amor e o Mal: Uma Biografia”, sobre a vida nada glamurosa de Hannah Arendt.
Apaixonado pela mulher, Blücher também nutre amizade por ela: “[…] Eu te mostrei o que é a felicidade? Eu te faço feliz assim como você me faz feliz? Afinal, você é a minha felicidade, por acaso te mostrei a ti mesma? Você se tornou quem é? Eu também. Então, minha querida, te transformei de menina em mulher” (1937), escreve.
Uma das cartas de Heidegger: “Minha amada, como o tempo não está muito bom e na semana que vem estarei sozinho, em casa, gostaria de pedir-lhe que venha no domingo à noite, por volta das nove” (1925). É muito tempo de amizade e romance. Heidegger e Hannah eram quase uma só pessoa. Contudo, nenhum dos dois se separou para ficar junto. Parece mais paixão que amor. E uma amizade latente. Era preciso gostar muito desse homem para ter algo com ele. Principalmente por sua adesão ao nazismo. Ela, então, lhe escreve: “Muitas coisas permanecem questionáveis. Por mim […] permanecem questionáveis as especulações sobre o mal” (1972). Para Hannah, Auschwitz era uma “fábrica de cadáveres”. Avista dos Estados Unidos as loucuras na Alemanha. Não pode nunca concordar com tal regime.
O que importa é que, mesmo em situação corrosiva, Hannah passou por momentos difíceis como nos mostra a guerra, transformou tristezas em sabedoria. Dentro dela estava um judaísmo eloquente. Está cheia de amor para dar, o amor circunscrito dentro de sua filosofia. É a mulher do tipo sábia de vida dura, sem dúvida. Os escritos antes da era do celular eram mais elaborados
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