Dia da Visibilidade Trans: a luta pra mudar o imaginário coletivo e humanizar os corpos e vivências

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Em 2022, Mj Rodriguez, estrela da série “Pose”, venceu o Globo de Ouro na categoria de melhor atriz em série de drama, tornando-se a primeira mulher trans a levar a estatueta. “É uma porta que está se abrindo para muito jovens talentosos. Para meus jovens bebês LGBTQIA+, a porta está aberta, agora é alcançar as estrelas”, ela comemorou em seu instagram. Enquanto isso, no Brasil, mais precisamente na casa mais vigiada do país, a do BBB 22 (Globo), vimos a cantora e atriz Linn da Quebrada dar um enorme passo para a comunidade trans ao levar o discurso sobre identidade de gênero a um programa de rede nacional.  Some isso ao fato de que neste ano a OMS (Organização Mundial de Saúde) também deixou de considerar a transexualidade como transtorno mental após 28 anos, e talvez, este 29 de janeiro, Dia da Visibilidade Trans, seja não só uma data para reforçar o combate ao preconceito, mas uma verdadeira comemoração pelo direito de ocupar lugares e serem respeitados como cidadãos.

No país que lidera o ranking global de violência contra pessoas trans, a data, celebrada desde 2004, lembrando o lançamento oficial da campanha “Travesti e Respeito”, que ficou marcada pela entrada de 27 travestis e transexuais no Congresso Nacional, é de extrema importância para desvincular a associação exclusiva dessas pessoas à discriminação. O caminho para essa transformação está diretamente ligado à promoção da visibilidade positiva e afirmativa, com pessoas como Linn e Mj para mostrar referências, ouvir a voz da comunidade e criar em conjunto um futuro em que cada vez mais ocupem espaços que não digam exclusivamente respeito à sua pauta.  

Gautier Lee. Foto: Divulgação

Gautier Lee, roteirista e diretora queer negra, que se define como trans não-binária, ressalta que a data é também para celebrar, continuar desafiando as estatísticas e criar novas realidades e possibilidades para a população trans brasileira. “Enquanto pessoas trans e travestis continuarem vivendo à margem da sociedade, jamais seremos vistas como seres humanos. Se não somos humanizadas, as nossas mortes não causam incômodo. É necessário mudar o imaginário coletivo e humanizar nossos corpos e vivências para que possamos nos integrar à sociedade como qualquer outro cidadão.”

Reforçando a importância das conquistas de Linn e MJ, a produtora de moda e atriz Renata Bastos, nos conta que Roberta Close, a trans mito e ícone de beleza dos anos 1980 e uma das primeiras no Brasil a ocupar lugar de destaque na TV, foi uma das inspirações na sua juventude. Em 2019, Renata viveu um de seus momentos mais importantes: interpretar Roberta Close no filme “Hebe”. “Termos Linn em um programa de tanta audiência é muito importante, principalmente por ela ser uma mulher negra, da periferia, fazendo Rap, que ainda é super machista. Estar nesses lugares é muito importante para normalizar nossos corpos, humanizar nossos corpos, transformando esses corpos em protagonistas para estar e ocupar qualquer lugar em que queremos estar”, aponta.

Renata Bastos. Foto: Reprodução/Instagram

A atriz lembra que, apesar do recente, mas ainda mínimo, aumento de representatividade nas produções nacionais, existe a urgência de entender que pessoas trans podem interpretar qualquer papel e não apenas personagens pautados pelas questões de gênero, assim como também devem estar no backstage de novelas, filmes e séries. A diretora Gautier reafirma o pensamento, apontando que oportunidade no mercado de trabalho é uma forma de lutar contra a marginalização e precariedade da comunidade trans. “Ter uma travesti como a Linn da Quebrada no horário nobre de uma grande emissora é um grande passo para que a heteronormatividade veja que pessoas trans e travestis são tão humanas quanto qualquer outra. É trazer o imaginário que comumente associa travestis à prostituição e levá-lo para um lugar diferente, ao mostrar uma travesti que é cantora, atriz, filha. É uma forma, também, de mostrar para outras pessoas trans que nossos corpos estão ocupando novos espaços e que o avanço continua acontecendo, mesmo que aos poucos”, concluí Gautier.

Papel de todos

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O médico José Carlos Martins, especialista da Transgender Center Brazil, em Blumenau (SC), referência em atendimento a transgêneros no Brasil, alerta que esta luta é de toda a sociedade, mas precisa principalmente de visibilidade e informação midiática. “A mídia precisa abordar mais o tema e expor informação pertinente, não apenas explorando casos de violência contra os trans, mas debatendo formas de ensinar as pessoas sobre as diferenças entre os gêneros. Ouvir especialistas é um passo importante, porque assim esclarecemos o que é disforia de gênero, pronomes corretos, transexualidade, redesignação sexual, e outros assuntos”, explica ele.

Seu sócio, Claudio Eduardo de Souza, diz que a “visibilidade” também precisa ser convertida em oportunidade. “A vida artística, como a de Linn da Qebrada, não é a realidade de todos”, lembra Claudio, ressaltando que a oportunidade deveria começar cedo, nas escolas, ensinando sobre o tema para que aos poucos tenhamos uma sociedade mais esclarecida. “A informação é peça chave para acabar com o preconceito”, finaliza.

A todos nós, como sociedade, cabe também o papel de aliados dessa luta. É de extrema importância se posicionar contra a transfobia enraizada em nós. Ao ouvir um comentário transfóbico, corrija a pessoa; ao ver um caso de transfobia, denuncie e se pronuncie publicamente contra. Consuma e divulgue criadores de conteúdo trans. E lembre-se sempre que a informação é a melhor arma contra o preconceito.

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