De olho no presente – e no futuro –, Kelly Silva Baptista tomou para si uma meta audaciosa, como ela mesma faz questão de pontuar: levar tecnologia, como ferramenta de inclusão e educação, a 1 milhão de jovens em todo o país. E a curto prazo! Aos 37 anos, ela é a coordenadora geral da fundação 1Bi, instituição social do grupo Movile – conglomerado que tem entre suas empresas iFood e Sympla – criada há dois anos com o objetivo de usar a inovação para impactar e melhorar a vida das pessoas. “Estou à frente da fundação há um ano. Em 2019, a 1Bi havia criado um chatbot (aplicativo de inteligência artificial que consegue simular uma conversa real por meio de texto ou áudio em apps de mobile), que opera no WhatsApp, para levar soft skills para jovens. Veio a pandemia e fomos desafiados a transformar esse chatbot em uma ferramenta de estudo para esses alunos. Criamos o AprendiZAP”, lembra Kelly, que, sendo mulher preta e periférica, sabe muito bem como funciona a comunicação nas comunidades carentes: “As pessoas usam WhatsApp para tudo. Você vai lá, coloca R$ 10 de crédito, e consegue se comunicar durante um mês. Esse nosso chatbot se transformou em um conteúdo de ensino. Hoje são mais de 1.400 aulas, do quinto ao nono ano, e já atendemos mais de 250 mil jovens e professores do Brasil todo”.
Um parêntese: graças aos incansáveis professores de escolas públicas, milhares de crianças e adolescentes dos quatro cantos do Brasil conseguiram manter o aprendizado minimamente em dia durante a pandemia. “Em zonas rurais, sei de casos em que eles imprimem o conteúdo que disponibilizamos e levam nas casas dos alunos. Se não fossem os professores divulgando para as turmas, conversando com as prefeituras e com os pais, não teríamos um alcance tão grande. Alguns têm mais de 1 mil alunos. Hoje atendemos mais de 30 mil professores da rede pública por meio do AprendiZAP”, orgulha-se Kelly, que, apesar de ter nascido em uma família muito pobre, conseguiu se formar na universidade, fazer mestrado e agora inspira outras mulheres negras a não desistirem de seus sonhos.
“Moro em Ferraz de Vasconcelos (SP) desde que nasci. Sou filha de Luis e Cida, que trabalham no Bom Prato. Fiz escola pública e tive a sorte de encontrar pessoas que me apadrinharam. Vim de uma família de extrema pobreza, minha avó era escrava. Mas resolvi que queria fazer faculdade. Fiz nutrição no Centro Paula Souza e acabei entrando na Fatec (Faculdade de Tecnologia). Me formei em logística de transportes. Lá encontrei o diretor e dois professores negros que me seguraram no curso, porque eu não tinha dinheiro nem para comer. E eles sempre me ajudaram e incentivaram a seguir em frente”, lembra ela, que também se formou em gestão pública pela Unifesp e seguiu a carreira no terceiro setor. Antes de ser convidada para coordenar o 1Bi, Kelly atuou durante 11 anos no Instituto Consulado da Mulher, depois foi gerente-geral de qualificação na Gerando Falcões e head de negócios de impacto no Instituto Plano de Menina.
Mãe de dois meninos, um de 6 e outro de 3 anos, a professora e gestora endossa o coro de que “ser mãe preta não é fácil”. “Mãe preta e de meninos… meu maior medo é com a violência. Meus filhos são superprotegidos e me preocupo com isso. Eles estudam em escola particular, o que pode parecer um contrassenso. Luto pela educação pública, mas não quero que eles cheguem no lugar em que cheguei com quase 40 anos como eu. Quero que cheguem antes. Minha meta é que um dia o Brasil tenha ensino gratuito de qualidade.”
Com essa missão pela frente, Kelly sonha alto. “A tecnologia é o futuro. O Brasil ainda é um país atrasado tecnologicamente e educacionalmente. Por isso na fundação desenvolvemos projetos para que ONGs e empresas possam atender a comunidade. Não formamos jovens, mas fazemos o meio de campo para que os projetos se concretizem. Com o AprendiZAP e a parceria com a secretaria de educação do Estado de SP, a estimativa é atendermos 342 mil alunos em pouco tempo”, diz Kelly, e finaliza: “Só saio daqui quando o AprendiZAP virar política pública de tecnologia e metodologia de estudo. Até o ensino voltar ao normal ainda deve levar um bom tempo. A tecnologia vai mudar o planeta e queroter meninos e meninas pretas e periféricas nesse lugar”.
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