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Por Paulo Sampaio para revista Joyce Pascowitch de abril

 

A trilha estilo “música de todos os tempos” que Regina Marcondes Ferraz escolheu para embalar a conversa com J.P não poderia combinar mais com o momento. Lá pelas tantas, enquanto ela dá um daqueles sorrisos em que mostra todos os dentes e que a consagraram como uma das socialites mais emblemáticas do Rio de Janeiro nos anos 1970 e 1980, a caixa de som emite os primeiros acordes de “For Once in My Life”. “Adoro Stevie Wonder”, diz, meneando ligeiramente a cabeça, de tal forma que expõe um par de brincos grandes de ouro abaixo de seus cabelos longos, negros e brilhantes. No pescoço, cintila outra peça-design, composta por várias voltas finas que vão aumentando de diâmetro à medida que chegam perto do colo. Pergunto se algum dos dois é bijuteria, apenas para checar se a resposta virá à altura da colunável. Sim: “Eu só posso usar ouro, sorry. Já fui até parar no hospital por causa disso. Tive de tomar cortisona”.

Pele muito branca, olhos escuros reforçados pela maquiagem, lábios cor de uva, Regina, ao vivo, mantém o mesmo colorido de quando saía uma média de duas vezes por semana em fotos na coluna de Zózimo Barrozo do Amaral, no Jornal do Brasil, a mais lida do país na época. Muito prestigiado, ele ditava o who is who da sociedade brasileira num tempo em que São Paulo, apesar de já ser muito mais rica, ainda não bombava no mundo. Tanto que Regina, paulistana nascida no Jardim Europa, ex-aluna do colégio Sion e frequentadora da coluna de Tavares de Miranda, na Folha de S.Paulo, só veio ‘acontecer’ no Rio. Tornou-se tão famosa pelas fotos de festas que até hoje dá autógrafos na rua. “Nunca sequer tive vontade de me mudar para o Rio, mas aí me apaixonei por um carioca, me separei do meu primeiro marido e, em três meses, estava morando aqui. Desde então, não me imagino vivendo em outro lugar”, diz, olhando para o janelão com vista para o mar do apartamento de 400 m2 em que mora há mais de 30 anos. “Você acha que eu vou deixar esse privilégio?”

 

Quem sabe, sabe

O primeiro marido, com quem ela se casou na Igreja São José com festão, foi Baby Guinle, sobrinho do playboy Jorge Guinle. “Eu era muito garota, tinha 20 anos.” Ficou cinco anos com Guinle até que, num fim de semana no Rio, foi a uma festa na boate Le Bateau, em Copacabana, e se apaixonou. O rapaz, dez anos mais velho, atendia pelo nome de Paulo Fernando Marcondes Ferraz. Era um desses personagens que, no Rio, dispensava apresentações tipo “empresário”, “advogado” ou “colecionador”. Ao contrário: entre os grã-finos cariocas, costumava-se omitir até o artigo. Ninguém falava: “A Silvia e o Helinho Fraga chamaram a gente para beber no Country”. Dizia-se: “Silvia e Helinho Fraga vão reunir um grupo para drinques no Country”. Exemplo de legenda de foto no Zózimo: “Regina e Paulo Fernando Marcondes Ferraz recebem hoje para jantarzinho em torno de Zefirelli. Quem pilota as caçarolas é José Hugo Celidônio”. Dizer as profissões dos anfitriões seria cortar a intimidade sugerida pelo “jantarzinho”. Quem sabia, sabia: “Ça va sans dire”, repetiam os colunáveis, num tempo em que ainda se usava o estrangeirismo como recurso de refinamento. Passados tantos anos, isso soa caricato, meio porta dos fundos.

Não que Regina tivesse uma profissão. “Não era algo que se exigia na época”, acredita ela, cruzando as pernas em uma poltrona do living atapetado, cheio de espelhos, sofás fofos e porta-retratos. Digamos que receber para festas com aquela frequência já era uma ocupação. “No início, Paulo Fernando dizia: ‘Hoje à noite são 30 para jantar’. Eu respondia: ‘Trinta??’. Mas logo entendi que, no Rio, quem faz a festa são as pessoas. Não precisa ter o bufê x, o DJ y, nem estipular traje. Aqui, quem dá o tom é o anfitrião. Se você aparece careta, de terno, e fala baixo, a festa vai ‘falar baixo’, entende? Eu tenho telão desde que o Luli nasceu.” Luli, ou Luiz Eduardo, 35 anos, é filho dela com Paulo Fernando. O casal ficou junto 14 anos. Por sua vez, Paulo Fernando vinha de um casamento com Sylvia Amélia de Waldner, a quem as colunas se referiam como baronesa – nesse caso, tudo bem usar um título. Com Sylvia Amélia, Paulo Fernando teve dois filhos, Maria Pia e Mariano, ambos devidamente colunáveis desde criancinhas. No ano passado, Paulo Fernando casou-se com a italiana Callíope Arrigone.

Edifício Chopin

Apesar de ter passado outros 14 anos com o terceiro marido, o empresário Paulo Gama Filho, dono de universidade no Rio, Regina Marcondes Ferraz nunca mais trocou o sobrenome nem o endereço. “A época mais divertida da minha vida foi com Paulo Fernando.” O apartamento que proporciona a tal vista que ela não abandona por nada neste mundo fica no Edifício Chopin, vizinho ao Copacabana Palace. O Chopin é considerado pelo jet set carioca um distintivo clássico de sofisticação. Narcisa Tamborindeguy mora lá; Bruno Chateaubriand e André Ramos já moraram; Maitê Proença tem dois apartamentos ali; Paulo Marinho, ex-da atriz, morou no Chopin também, primeiro com Odile Rodin, ex-Rubirosa, depois com Maitê; Josefina Jordan idem.

Josefina, ícone do society carioca, chegou a ser parodiada por Regina Casé em uma edição histórica do programa TV Pirata. No episódio, Josefina-Regina foi vítima de um incêndio em sua cobertura de 4.800 m2. Louise Cardoso interpretou a filha dela, Dalal Achcar: “Dalal, minha filha, não minta para mim: o meu closet foi atingido?”. E Dalal-Louise: “Sim, mamãe: os Givenchy, os Bailman, os Balenciaga… Olha só como ficou o Saint Laurent, mamãe!”. “Nããão! Meu Saint Laurent não!!” Regina (Marcondes Ferraz) pula na cadeira com a lembrança do programa: “Eu vi! Eu vi! Eu tava zapeando, liguei na mesma hora para a Josefina, um desespero para achar o número do telefone, mas consegui. Ela ainda pegou o finalzinho (risos). A Josefina era espetacular, inteligente, perspicaz, uma mulher de sociedade mesmo”.

Será que a própria Regina já se sentiu alvo de deboche por levar uma vida supostamente fútil? “Não…”, ela diz lentamente, puxando pela memória. E espanta a possibilidade: “Eu saía com os mais velhos, mantinha uma certa distância e era muito respeitada”. Embora dessem espaço nas colunas sociais para atrizes, modelos e promoters, os “mais velhos” a que Regina se refere eram os que pairavam acima de todos. Os chamados do “primeiro time”. “Paulo Fernando era amigo das Carmens, das Terezas, das Lourdes, de todas”, ela explica, ao contar que não sofreu problema de entrosamento na sociedade carioca. Regina se levanta, vai até uma mesa de canto e pega uma bandeja redonda de prata trabalhada, cheia de fotos dos áureos tempos. “Você vai adorar isso”, anima-se, mostrando. “Olha aqui…Tony (Mayrink Veiga), Carmem e eu… Cinira Arruda, Gisella Amaral, eu e Danuza… Outra: Eu, Sérgio Mendes e Zefirelli. Eu e o Pedro Collor, pode?” Ela ri porque alguns daqueles personagens, como Collor, ela nem conhecia assim tão bem. “Vai dizer que não é divertido guardar fotos antigas numa bandeja dessas?” Ela diz que ganhou a peça em 1970: “Muito melhor que álbum. Álbum é muito chato!”.

 

Arroz, feijão e pastel

Quando não está em um salão, tomando champanhe, Regina sabe ser muito popular. “Saio na rua e converso com todo mundo, adoro gente.” Seu prato predileto é arroz, feijão e pastel. “Sou mulher de comer 20 pastéis. Às vezes, quando estou no shopping da Gávea, sento numa loja que tem lá, peço pastel e Guaraná e como até enjoar.” Com 1,72 metro, esguia, ela diz que durante o casamento com Paulo Gama engordou 12 quilos. Já perdeu tudo. Mas ficou com “trauma de restaurante”. “Não é um programa que me agrade mais.” Seu dia começa cedo, por volta das 8h. Ela conta que, ao contrário de muitas de suas amigas, dorme de sete a oito horas de sono tranquilo, sem recorrer a remédio. “Eu só vejo as pessoas falando de Rivotril, Dormonid, Stilnox. Graças a Deus, eu tenho um sono fantástico!” E acorda muito bem-humorada. Muitas vezes, toma café da manhã em uma mesa de frente para o mar, e fotografa o amanhecer, sempre com música no iPad. “Até hoje, depois de quase 40 anos vivendo aqui, ainda me espanto com o deslumbramento dessa vista.”

Do jeito que Regina fala de sua vida, a impressão é a de que, sem que jamais tivesse planejado nada, ela sempre se viu nas situações mais exclusivas. “Um dia, o Paul Anka mandou nos buscar de jatinho, em Miami, para assistir ao show dele em Los Angeles. Paulo Fernando conhecia o empresário dele.” Viajar não é algo que a atraia, até porque não se sente tranquila voando, mas diz que, de novo, sem querer, foi o que mais fez na vida. “Não sou do tipo que gosta de explorar destinos diferentes. Uma vez, Paulo Fernando foi jogar golfe na Índia, eu fiquei. Não conhecia, mas não quis ir. Eu? Prefiro ficar no circuito Elizabeth Arden”, afirma.

 

Claquete

A TV também bateu na porta de Regina, sem que ela nunca tivesse planejado ser atriz – nem sequer feito um cursinho básico de interpretação. Em 1993, foi convidada para participar da minissérie Agosto, com José Mayer e Vera Fischer, que contava a história do suicídio de Getúlio Vargas. Sem nenhum traço de arrependimento, ela lembra: “Meu ego foi nas alturas, mas não era a minha praia”. Tempos depois, apresentou um programa de entrevistas com o atual secretário estadual de Transportes do Rio, Julio Lopes, ex de Adriane Galisteu. Tem partido político? “Partido?”, pergunta, enquanto pega mais uma foto da bandeja, em que aparece na companhia do ex-presidente republicano dos EUA Gerald Ford, em um dos jantares em casa. “Meu partido sou eu mesma”, diz, sem pensar muito.

Filha de um obstetra renomado em São Paulo (“Metade da cidade nasceu nas mãos de papai”) e de uma dona de casa “linda e alegre”, Regina tem três irmãos: dois gêmeos e uma irmã “bem diferente” dela. Apesar de afirmar que possui “o espírito carioca” e que se sente completamente aclimatada na cidade, ela não perdeu o sotaque paulistano e diz que não frequenta a praia. “Até hoje, sofro com as brincadeiras dos cariocas por causa da minha formalidade. Você acredita que só vim usar jeans no Rio de Janeiro?”

 

Tapete de zebra

Na hora da foto, Regina mostra um casco de tartaruga gigante pendurado na parede e conta: “Tô olhando pra essa tartaruga, me veio na cabeça o dia em que apareceu num jantar aqui em casa um médico engajado com ecologia. E eu, para o homem não ver a tartaruga, levei-o para outra sala, que tinha um tapete de pele de zebra (risos)”. A voz que sai da caixa de som agora é a de Peppino di Capri: “Champagne, per brindare un incontro…”. Ela oferece café. “Ou Coca? Água?” Aceito Coca Zero. Ela pede o refrigerante pelo telefone, sem se levantar da cadeira. Vavá, a copeira, entra na sala vestindo um uniforme cinza com avental e gola brancos. Eu agradeço, comento o apelido dela. Vavá sorri. Regina suprime o artigo. “Vavá está comigo há 26 anos.”

Ao fim da entrevista, ela me acompanha até o elevador que dá direto no rol do apartamento, onde há um Santo Antônio barroco de cerca de 1 metro de altura: “Esse santo não falha nunca. Duas amigas que vieram aqui em casa me pediram para ter um particular com Ele e engataram relacionamento logo em seguida. As duas! Se um dia precisar, pode vir, te deixo aí sozinho com Ele, você vai ver”. Nova música no iPod:  “My Way”, versão com Elvis Presley. Num gesto vintage, a entrevistada puxa um trago do quarto cigarro que fuma desde o início da conversa, levanta ligeiramente o queixo e solta a fumaça. A essa altura, já é possível saber o segredo da longevidade do personagem Regina Marcondes Ferraz. Seu antídoto contra a ação tóxica do passar de anos é rir o tempo todo, sem se importar com a relevância do assunto. Pode ser festas, santos ou tartarugas. “As pessoas me perguntam por que eu só saio rindo em fotos. Elas querem que eu saia como?”, questiona, absolutamente segura de seu direito de viver em festa. Quando era jovem, ela foi alertada por um cirurgião plástico de que, com tanto riso, as rugas de expressão seriam inevitáveis. Será que ela procurou o cirurgião para retocar o resultado de tanta alegria? “Nunca fiz plástica. A única cicatriz que tenho é a da cesária. Não faço nada no rosto, tenho medo de ficar com a mesma cara de todo mundo. Cara de Pato Donald.” E hahahahahahahahaha.

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