A exposição apresenta ao público brasileiro trabalhos de alguns dos artistas contemporâneos mais representativos da Arábia Saudita, de modo a impulsionar um entendimento mais global sobre a evolução do panorama artístico no Reino Saudita. Após sua estreia no Brasil, a mostra fará uma turnê mundial, que começa em 2025, no Museu Nacional da China, em Pequim.
“É possível nos aproximarmos de uma cultura específica através de uma exposição de arte contemporânea? De que maneira as artes visuais contribuem para a reconfiguração das narrativas que construímos a respeito da sociedade, da memória, do passado e do presente?” É na convergência dessas duas questões que se encontra a raiz da exposição, explica a curadora da mostra Iluminações Poéticas, Diana Wechsler.
Por meio de uma seleção de artistas e obras, a mostra procura aprofundar-se nestes aspectos, presumindo que a matéria da arte – em termos conceituais – é a iluminação poética, aqui entendida como sua capacidade de iluminar, simbolicamente, aspectos do mundo e das realidades que habitamos, incluindo aqueles que fazem parte de nosso passado e também de nossos sonhos, anseios e fantasias – destaca a curadora.
Simbolismo, História, Memória e Tradição Cultural
As 25 obras de 17 artistas sauditas, reunidas no Paço Imperial, têm profundas raízes na história, na simbologia, na memória e na tradição cultural do país – além de questões que envolvem consciência ambiental, origens e identidade. A diversidade de estratégias visuais e materiais, somadas à visão particular de cada artista, moldam uma cultura visual contemporânea e complexa, que reflete uma matriz cultural comum.
Deste rico conjunto emergem dois vetores principais: o primeiro é o deserto, como definição de espaço, infinito e vida; o segundo é a singularidade da tradição cultural, assim como o desenvolvimento de uma cultura visual própria, que envolve passados e presentes distintos.
Neste rico emaranhado de inquietudes, a cultura da Arábia Saudita é tecida em termos artísticos e se enriquece a partir das perguntas do presente”, reafirma a curadora Diana Wechsler. “Além de explorar os dois núcleos temáticos, é importante atentar para as interseções que surgem entre eles. Boa parte do interesse e dos atrativos da exposição residem, justamente, em perceber e captar esses diálogos”, garante.
O Poder da Arte
Para Mona Khazindar, conselheira do Ministério da Cultura da Arábia Saudita, a arte tem o poder de unir pessoas e culturas. “A mostra é um exemplo dessa missão, uma vez que se coloca não apenas como testemunho do incrível talento dos artistas contemporâneos sauditas”, destaca. “Ao inaugurar a turnê da mostra itinerante no Rio de Janeiro, nosso objetivo é impulsionar o diálogo entre culturas e o entendimento por meio da arte”, afirma. “Além disso, a mostra lança uma plataforma por meio da qual os artistas podem compartilhar suas histórias e perspectivas com o mundo inteiro”, frisa.
À medida que o Reino avança numa jornada de transformação cultural sem precedentes, a mostra Arte do Reino | Iluminações Poéticas oferece uma oportunidade rara para que o público explore os caminhos pelos quais a arte contemporânea saudita contribui para dar forma a novas narrativas culturais.
Por dentro da mostra: Algumas obras
O percurso expositivo tem início logo na entrada do Paço Imperial, com a obra de Muhannad Shono, O Chão Irrompe (The Ground Day Breaks) (2024), uma grande instalação de areia que ocupa o pátio interno da instituição.
“Tudo deriva do grão e acaba voltando para ele”, diz Muhannad Shono, que frequentemente escolhe a areia como material para suas obras. Nesse caso, é areia de fundição, do tipo usado para moldar objetos. Seu uso expira com o tempo. O círculo como forma infinita, no sentido de que não tem começo nem fim, encontra o seu limite em seu projeto criativo: se abre e se expande; a areia com que trabalha envelhece; e, apesar da operação de recuperação, tende a desbotar. Como metáfora do desenvolvimento das sociedades ao longo do tempo e do planeta, em termos ambientais, Shono situa esta poderosa, mas frágil, instalação no espaço do Paço Imperial, submetendo-a à observação de quem a rodeia e a explora com suas próprias questões existenciais.
O trabalho Arabi Gharbi (0) (2022), de Nasser Al Salem, recebe os visitantes no primeiro andar, onde a exposição ocupa todas as salas. A obra, em neon, descreve a beleza do gesto caligráfico; e, mesmo para quem não conhece a língua, começa a revelar seu segredo, pois o que é visto varia quando um dos pontos que completam o significado liga e desliga alternadamente. A princípio, lê-se Arabi, sem o ponto; e depois, Gharbi, quando o ponto aparece ligado. Assim, com muita sutileza, Nasser Al-Salem apresenta a distância entre a escrita da palavra árabe (Arabi) e a da palavra que denomina o que não é árabe (Gharbi): uma escrita quase idêntica que remete a significados opostos, em termos de pertencimento ou não para uma cultura.
A obra de Nasser Al Salem estabelece a distância cultural e, ao mesmo tempo, a convergência de recursos visuais e operações simbólicas que serão reveladas, como iluminações poéticas, ao longo do percurso. Por isso, ela também foi escolhida para encerrar o trajeto, com a certeza de que o trânsito pelas salas deixou uma marca, e rever a obra ao final iluminará outros sentidos, possivelmente enriquecidos, no que diz respeito ao primeiro encontro com ela.
O vídeo de Ahaad Alamoudi, Niun (2018), arquiva e estuda o momento de mudança da Arábia Saudita, questiona a existência do presente e chora sua perda. Segundo o artista, “o país vive uma fase de ressurreição, na qual uma nova visão do futuro foi ativada: a Visão 2030. Tudo, desde o setor privado até o público, vem sendo afetado; e o país como um todo está se movimentando em direção a este novo conjunto de metas. Ao questionar o complexo processo de mudança – o que se perdeu e o que se ganhou em função desse movimento – podemos começar a definir a transparência dessas mudanças ideológicas que estão acontecendo dentro do reino. Para quem são essas mudanças? E como a natureza dessas mudanças impostas começa a definir quem somos nós, enquanto nação?”, ressalta.
Dois exemplos desses questionamentos podem ser observados, entre outros, nas obras de Ayman Zedani e Filwa Nazer.
Na instalação têxtil Five Women (2021), de Filwa Nazer, o foco está nas identidades emocionais e psicológicas, em conexão com diversos contextos sociais, com um comprometimento de gênero em sua base. A artista trabalha com têxteis como um material que conecta corpos e espaços. Já Ayman Zedani, no filme experimental The Return of the Old Ones (2020), propõe uma perspectiva poética a partir de uma entidade não-humana. Escrito de forma colaborativa, pelo autor e pela pesquisadora e escritora independente Saira Ansari, o diálogo mistura informações factuais e uma narrativa de ficção científica para explorar a história do petróleo por meio da vida, morte e ressurreição de um antigo fungo gigante, conhecido como Prototaxites, cujos remanescentes preservados têm sido encontrados somente na Arábia Saudita e nos Estados Unidos.
Completam o percurso da mostra as obras de Lina Gazzaz, Ahmed Mater, Shadia Alem, Ahmad Angawi, Moat Alofi, Emy Kat (Mohamed Al Khatib), Manal Aldowayan, Ayman Yossri Daydban, Ahaad Alamoudi, Daniah Alsaleh, Basmah Felembah, Sarah Brahim e Faisal Samra.
Segundo a curadora Diana Weschler, “todos os artistas se encontram no mesmo ponto, em termos de pesquisa e do questionamento de seu ambiente cultural. A partir daí, tentam entender o modo como estão vivendo e como o seu ambiente foi construído, tanto em termos culturais quanto naturais.”
Sobre o Ministério da Cultura e a Comissão Saudita de Museus
A Arábia Saudita possui um vasto histórico de arte e cultura. O Ministério da Cultura está desenvolvendo a economia da cultura da Arábia Saudita, de modo a enriquecer a vida do Reino. Supervisiona 11 comissões de setores específicos e vem liderando uma transformação cultural, de modo a desenvolver os campos artístico, musical, teatral, cinematográfico, literário, entre outros.
A Comissão Saudita de Museus, sob a liderança do Ministério da Cultura, tem contribuído para o cenário global da arte, com exposições itinerantes e colaborações entre o setor público e privado, e também com ações de capacitação profissional que irão solidificar a base do ecossistema cultural do país.
Veja quem passou pela abetura:
Serviço: Exposição: Arte do Reino | Iluminações Poéticas
Onde: Paço Imperial, Praça XV de Novembro, 48 – Centro, Rio de Janeiro
Data: de 16 de outubro a 16 de novembro de 2024
Entrada gratuita.
- Neste artigo:
- ColunistaGLMRM,
- Cultura e entretenimento,
- Liberado Junior,
- RevistaGLMRM,