O uso da nudez como forma de expressão e de protesto vem desde tempos imemoriais, ou quase isso. Mas é possível marcar o século 16, na transição das trevas da Idade Média para a Idade Moderna, como o período do surgimento do que mais tarde seria conhecido por pornografia.
Em 1524, o italiano Marcantonio Raimondi foi preso por expor em público uma série de desenhos com conotação explicitamente sexual. Durou pouca a pena. Ele foi tirado da cadeia depois que Pietro Aretino, artista e intelectual conservador influente da época, negociou com sucesso sua liberdade. Em seus escritos e caricaturas, Aretino, hoje em dia considerado um “nicodemita”, como são conhecidos os protestantes que fingiam ser católicos para escapar da fogueira da Inquisição, analisava o comportamento humano e, de quebra, ganhava uns trocados extras chantageando poderosos com a ameaça de “denunciá-los” por meio de sua arte caso não recebesse o que exigia.
O crime? Se envolver em aventuras sexuais que fariam corar até mesmo Eros, o mais fogoso dos filhos alados de Afrodite, deusa do amor e do sexo na mitologia grega (para os romanos, Vênus). A pornografia e a hipocrisia sempre fizeram sombra uma à outra, como se vê.
O que certamente deixaria Aretino e Raimondi tão corados quanto Eros – mas de surpresa, e não de pudor – é a realidade atual daquilo que ambos enxergavam como uma arte, e que se destacava por ser proibida: liberada e consumida em massa, ainda que malvista por muitos pudicos de araques, a pornografia hoje é uma grande indústria – e das que mais crescem.
Uma pesquisa feita pela consultoria Absolute Markets Insights apontou que, apenas em 2019 e somente na internet, o negócio global do pornô movimentou US$ 35,2 bilhões. Para o ano seguinte, o crescimento anteriormente previsto era de pouco mais de 15%, mas essa estimativa foi superada com folga em consequência de um “imprevisto” que forçou quase toda a população mundial a ficar em casa, a pandemia de Covid-19, que teve entre suas várias consequências um impacto jamais visto no meio em que sexo é commodity.
Em resumo, o novo coronavírus mudou drasticamente a forma como conteúdos pornográficos são consumidos e, acima de tudo, produzidos. Mais pessoas em casa gerou um aumento do consumo desses produtos. Pessoas estressadas, isoladas e entediadas em razão de uma doença que as obrigou a mudar de rotina, por sua vez, tendem a gastar mais. E como a demanda atrai dinheiro, o resultado disso foi o surgimento de um Vale do Silício virtual que tem nos prazeres carnais, aliados à tecnologia, sua fonte de receita.
Apenas em 2020, o primeiro ano da Covid, o tráfego de sites proibidos para menores aumentou mais de 20%. E entre esses, um dos maiores destaques foi o britânico OnlyFans, espécie de Tik Tok para adultos em que profissionais e amadores produzem vídeos e imagens em troca da cobrança de valores que podem variar entre US$ 5 e US$ 50 mensais pela assinatura do serviço.
Há casos de produtores de conteúdo do OnlyFans que embolsam dezenas de milhões de dólares por ano, e virou moda entre as celebridades criar suas páginas oficiais na plataforma – como a da cantora Anitta – na qual oferecem uma versão mais quente de si mesmas, porém não exatamente pornográficas.
Fundado em 2016 por Tim Stokely, executivo britânico com vasta experiência no ramo do voyeurismo, o OnlyFans conta atualmente com 2 milhões desses usuários que postam material caliente para mais de 130 milhões de pessoas que os consomem. Em 2021, as receitas da plataforma ultrapassaram US$ 1,2 bi, e seu valor de mercado estimado é de US$ 1 bi.
Stokely pretende lançá-lo na Bolsa de Valores de Londres em um futuro próximo, com seus papéis negociados junto com os de companhias centenárias e tradicionais como os bancos HSBC e Lloyds. Investidores dispostos a comprar suas ações não faltarão. E isso, sem sombra de dúvida, lhe dará um verniz de negócio sério, poucas vezes antes atrelado aos investimentos passados em tudo que fosse ligado ao universo da luxúria, por mais que, como os inúmeros filmes sobre Wall Street já indicaram, experiências sexuais façam parte das rotinas dos players de mercados de capitais.
A reportagem completa está na edição 153 da Revista Poder, já nas bancas.
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