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Com toda certeza, você está me lendo através de uma tela, o que torna meu texto paradoxal por problematizar o que o faz chegar até você. As telas se tornaram nossa extensão, nossa memória; onipresentes, se tornaram nossa pretensa conexão constante com o mundo. Agimos como se dependêssemos delas ― em alguns casos, uma dependência com as mesmas características de uma dependência química: a necessidade de mais, a abstinência, a circunscrição do repertório existencial a elementos que se liguem ao objeto de fissura, neste caso, o celular; o desconforto quando o perdemos de vista.

É inegável que a internet e os dispositivos que nos permitem acessá-la facilitaram nossa vida em muitos aspectos. Podemos nos localizar, podemos fazer compras, podemos pesquisar o significado de palavras que não conhecemos ou descobrir quem é uma pessoa de quem não tínhamos ouvido falar ― e às vezes é mais rápido e certeiro procurar no Google que em nossa memória um nome do qual tínhamos nos esquecido. No entanto, antes da disseminação dessa rede de alcance mundial, vivia-se muito bem, obrigada, embora isso seja até difícil de imaginar. Sim: sabíamos telefones de cor, percorríamos caminhos sem o auxílio do ponteiro do Waze, procurávamos de loja em loja por algo que queríamos ― e o tempo que empregávamos nisso não nos parecia gasto; parecia, talvez, simplesmente vivido. Para nos comunicarmos ― pasmem ― telefonávamos, o que hoje pode parecer altamente invasivo; escrevíamos cartas que demoravam dias, até semanas, para chegarem a seus destinos.

Parece um enorme avanço a possibilidade de acessar qualquer pessoa a qualquer momento; e sob certo aspecto, é mesmo. Mas também perdemos, e perdemos tanto que nos falta até a capacidade de entender que perdemos. A internet acelerou a vida de uma tal forma que acreditamos ter superado a perda de tempo, quando o tempo foi justamente o que perdemos: deturpamos nossa relação com o transcorrer dos instantes e então, deturpamos nossa relação com nós mesmos.

É por isso que nos angustiamos quando alguém demora a nos responder uma mensagem. Demora? Perdemos até o discernimento quanto a isso em troca de uma apreensão constante que se traduz na necessidade de estar disponível o tempo todo para o mundo e desarraigados de nosso entorno. “Desculpe a demora para responder”, já me vi justificando duas horas depois de receber uma mensagem. As cartas, ao demorarem para chegar, permitiam uma outra qualidade de comunicação, permitiam elaborar a escrita, permitiam a pausa; não é à toa que há volumes belíssimos de correspondência entre escritores e provavelmente nunca haverá nenhum livro de suas conversas por Whatsapp.

O mesmo tipo de transformação aconteceu com as fotos: se hoje fotografamos a qualquer momento e acessamos imediatamente o resultado, antes tínhamos que revelá-las. Sim, ganhamos muito com os avanços tecnológicos; mas perdemos, por exemplo, a sensação de viver novamente uma viagem ao buscar as fotos que ansiávamos por ter diante de nós. Já nem sequer olhamos fotografias antigas, nem organizamos álbuns de família: eles se tornaram públicos e sujeitos não ao amarelamento da passagem dos anos, mas às curtidas de pessoas que mal conhecemos.

Dentre as perdas que nos parecem ganhos, uma das mais significativas é o vazio. A internet e suas múltiplas, infinitas manifestações nos ocupa de tal forma que preenche continuamente não só quase todos os nossos tempos em branco ― quem não tem o ímpeto de dar uma olhadinha no celular ao parar no farol, esperar o ônibus, na fila, no elevador? ―, mas pretende também preencher nosso vazio. O vazio que não apenas temos, mas somos. Que nos constitui. Que não é e nem será preenchível, mas cuja pretensão de preencher nos avisa de nossa incapacidade de lidar com ele. O vazio ― nosso tédio, nossa insuficiência, nosso nada ― que nos é necessário por ser nossa ligação com o tempo. Com a duração. Com o fim.

Não precisamos da mediação de tela alguma para olhar em volta, e muito menos para olharmos para nós. A internet satisfaz muitas de nossas necessidades, mas cria outras tantas; talvez mais crie que satisfaça, ouso dizer. Uma das maiores necessidades criadas pela internet talvez seja a de nos proporcionarmos, pelo menos um pouco por dia, estarmos livres dela.

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