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Tamara Klink


Tamara Klink cresceu tendo o oceano como referência de vida e liberdade. Filha do navegador brasileiro mais respeitado do mundo, Amyr Klink, ela comprou um veleiro com suas economias e – pronta para embarcar sozinha pela primeira vez, aos 23 anos, conta como chegou até aqui.

“Essa viagem faz parte de uma espécie de onda que começou a crescer dentro de mim quando reconheci meu sonho. Às vezes, achamos que o sonho é uma ideia que aparece ou um projeto que inventamos, mas, para mim, o sonho é a ligação de tudo o que fizemos e tudo que a gente é. A imagem do mar está muito presente nas minhas lembranças de infância, ele era o personagem que nos separava do nosso pai, que provocava reuniões de família e que protagonizava as histórias que ouvia antes de dormir.

Cresci em São Paulo e o mundo real envolvia trânsito, barulho de buzinas, filas, portas, muros, vitrines, esquinas, provas, cursos de inglês, aulas de natação em piscinas fechadas. O mundo real parecia distante do meu sonho de mundo. Meus pais (Amyr e a fotógrafa Marina Klink) tinham esse poder de me teletransportar nas histórias – e não somente. Aos 8 anos, minhas irmãs [Tamara tem uma irmã gêmea, Laura, e a caçula, Marina, de 20] e eu fomos até o porto de partida do barco e quando meus pais soltaram as amarras do cais, vi o porto ficar pequeno, se esconder atrás das montanhas e ir embora. Era hora de entender nosso pai. Encontramos os bichos das nossas pelúcias, enormes, nadantes: baleias, focas, golfinhos. O mundo real tinha muitas versões possíveis, o barco nos levava a lugares mágicos, em família. 

A volta para casa nunca aconteceu, a casa parecia diferente, e nós também. Não queria deixar aquele mundo me escapar. Mantive os hábitos que minha mãe me ensinou no barco, como se fizesse a viagem durar mais tempo. Continuei a escrever diários, a aprender o nome das espécies de animais, a me maravilhar com as coisas banais, a me sentir estrangeira. E se a Antártida e o oceano não faziam parte da paisagem que me cercava nos dias da semana, eu me cercava dessa paisagem lendo livros, vendo filmes, desenhando, imaginando, enquanto andava de moto, que aquele vento era brisa marinha, que o som das rodas no asfalto era o som das ondas batendo no casco, que a aula de projeto na faculdade de arquitetura ia servir para eu construir projetos de navegação. 

Até que foi fácil reconhecer meu sonho, porque senti que ele não cabia no meu contexto. Quando acreditamos muito numa coisa, o universo vai mostrando os caminhos para isso ser possível. Comecei a estudar francês para poder acessar os livros de capas bonitas que tinham na estante de casa. Essa língua me levou para a França, onde eu andaria por ruas com nomes desses autores.

Longe de casa, fui descobrir o quanto do meu mundo era eu, o quanto do meu mundo eram meus pais. Eu teria medo, sentiria saudade e me diria que toda a falta é treinamento para quando eu estiver sozinha no mar. A viagem que estou fazendo hoje faz parte disso: dessas portas que foram se abrindo, quando abracei meus sonhos de criança, de adolescente e de mulher adulta. Quando queremos muito uma coisa, apesar das barreiras, da língua, da distância, da falta de referências, quando o lugar que queremos estar parece não ter muitas pessoas iguais a gente, mulheres e artistas, falantes e sorridentes, essas barreiras parecem menos intransponíveis.

Fui criando oportunidades de embarcar, com pessoas diferentes, em barcos diferentes, acumular milhas, ganhar experiência com tempo
ruim e tempo bom, aprender regras em águas distintas. Parece que a gente precisa estar longe para reconhecer nossas raízes. Para mim, é importante estar longe para poder, de tripulante ir me tornando comandante.”

Hora de partir

Em agosto do ano passado , Tamara Klink comprou seu primeiro veleiro em Oslo, na Noruega, de um médico finlandês, que, por essas coincidências do destino, é fã de Jorge Amado e deu à filha o nome de Gabriela. Ela usou as economias e, desde então, dedica-se a preparar o barco e testá-lo em alto-mar para que possa partir em breve. Em uma viagem pelo Mar do Norte que deve durar mais de 20 dias, Tamara vai retornar à França, seu lar há dois anos. Na cidade de Nantes, onde cursa um master em arquitetura, constrói há mais de um ano um barco que ela mesma projetou. “Estava fazendo coisas repetitivas, vi que a experiência viria navegando sozinha. Era preciso ser dona do barco”, diz ela, que só ligou para contar a Amyr depois de fechar negócio. “Meu pai me proporcionou viver quando deixou claro pra mim que os barcos deles não seriam meus. Ele já tinha me mostrado que era possível”, relembra Tamara, que passou sete verões na Antártida com a família. “A segurança de ter um lugar para voltar me permite ter mais coragem para partir. É muito encorajador e libertador ter pais que acreditam na gente.” 

Detalhes da trajetória que Tamara começa a desenhar, assim como suas rotas e os bastidores da rotina em alto-mar, ela divide nos vídeos bem produzidos que publica em seu canal no YouTube, e que incluem imagens captadas por drone. “Quando criança, achava desanimador não ver mulheres velejando. Com o tempo e com as redes sociais, comecei a ter contato com velejadoras que passam pelas mesmas questões. E isso nos fortalece.”

Matéria originalmente publicada na Revista J.P, do Grupo Glamurama

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