Muito antes de seu trabalho ganhar visibilidade com o sucesso do filho, o músico Criolo, a filósofa e poeta cearense Maria Vilani já promovia arte, educação e empatia para crianças e adolescentes do Grajaú, periferia paulistana onde mora há 40 anos. Autodidata, aprendeu a ler sozinha e hoje tem seis livros publicados.
Por Carol Sganzerla / Revista J.P
Em meados dos anos 1970, época que Maria Vilani saiu de Fortaleza para tentar a vida em São Paulo, o Grajaú era um bairro de ruas de terra na zona sul da cidade, com poucos orelhões. “Tinha muita dificuldade, mas existia acolhimento, um ajudava o outro”, relembra. “Quem ouvisse o telefone tocar, ia bater no vizinho. As pessoas eram mais próximas, hoje estão mais reservadas. Acho que a vida moderna chamou o homem para o individualismo. Sabe, farinha pouca, meu pirão primeiro?”, solta.
A conversa com essa cearense de 70 anos corre pontuada por ditados e pela sabedoria de quem a vida cobrou muito cedo. De origem humilde, perdeu o pai aos 8 e ficou aos cuidados de um casal de tios. “Por ser menina, eles entenderam que eu não precisava ir à escola. Tinha que aprender a lida doméstica porque ia casar um dia. Para mim, era natural retribuir com trabalho, não achava que estava sendo explorada, mas acolhida”, conta.
Embora nunca tivesse frequentado a escola, a sede por conhecimento foi uma herança deixada por seu pai. “Ele era um homem que estava à frente de seu tempo. Não tinha diplomas, mas era muito culto, era artesão, lia todas as noites para nós. Essa é a lembrança mais sublime da minha infância”, conta. Outra herança que deixou foi ensiná-la a identificar as letras de seu nome, o que fez com que, com o tempo, aprendesse a ler sozinha. Até hoje, não esquece do primeiro poema que conseguiu ler na íntegra. “Foi uma emoção muito grande. Era Barcos de Papel, de Guilherme de Almeida.” O gosto pela leitura se intensificou e, aos 18 anos, ainda em Fortaleza, começou a escrever contos. “Quando acontecia algo que me chocava, escrevia. Mas como nunca imaginei que um dia publicaria, jogava fora.”
A poesia transbordou quando já estava em São Paulo, uma forma de “colocar para fora a revolta de tanta coisa que via e não concordava”. No Grajaú, onde criou seus cinco filhos, participava ativamente da rotina escolar das crianças até que um professor leu seus escritos e notou o potencial. Quando viu, estava dando aulas informais de literatura antes mesmo de cursar o magistério – sua segunda graduação; a primeira foi filosofia, aos 42 anos. Sempre com a casa cheia de crianças e prezando pelo coletivo, do convívio com as mães veio a ideia de promover uma feira de artesanato, onde elas puderam expor suas criações, e esse evento deu origem ao Caps, o Centro de Arte e Promoção Social, em 1990. Promover encontros de poetas anônimos era uma das atividades. “Também montei um grupo de circo e comecei a fazer teatro na rua. Acho que a rua é a extensão da casa da gente. Meus filhos participavam, o Criolo era o apresentador, minhas filhas, contorcionista e trapezista”, relembra. “Sou sempre a favor de aprender pelo afeto, pelo amor, sou contra aprender pela dor. Temos que oferecer poesia às pessoas para recuperar a empatia”, diz.
Com seis livros publicados, entre eles Varal (2012), acaba de finalizar o próximo, ainda sem título definido. Professora do ensino médio por mais de duas décadas, há 30 anos trabalha para mudar a cena cultural da periferia. Quando Criolo estourou com o disco ‘Nó na Orelha’, em 2011, Maria ganhou visibilidade. “Ele fala muito sobre mim, e, sem querer, fiquei conhecida. O que faço hoje, minha filha, sempre fiz e estão me vendo agora. Minha vida segue igual, continuo militante cultural. Publicava um trabalho e as pessoas não viam; depois dele, o povo quer saber o que quero dizer. Então, junta a fome com a vontade de comer.”
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