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Créditos: David Nefussi
Créditos: David Nefussi

Por Roberto Kalil Filho*

Vivemos a maior emergência de saúde pública dos últimos 100 anos, atingindo mais de 25 milhões de pessoas e resultando em centenas de milhares de óbitos pela Covid-19 – sendo o Brasil o segundo país com maior número de casos e óbitos. Logo no início da pandemia, observou-se que muitos pacientes evoluíam rapidamente com acometimento pulmonar grave, muitos necessitando de suporte ventilatório, e que pacientes com alterações cardiovasculares prévias como hipertensão, doença coronária e insuficiência cardíaca tinham uma pior evolução clínica. Hoje se sabe também que a Covid-19 não é uma doença exclusivamente pulmonar. O acometimento do sistema cardiovascular é frequente, ocorrendo em até metade dos pacientes hospitalizados. São observadas diferentes formas de acometimento cardiovascular, incluindo arritmias cardíacas, tromboses venosas e arteriais, miocardite, insuficiência cardíaca e até casos de infarto do miocárdio. Também existem evidências de estudos de anatomia patológica e de ressonância nuclear magnética que sugerem que o vírus está presente no coração de pacientes com Covid-19, mesmo nos que tiveram evolução favorável e sem complicações ou sintomas cardíacos. As eventuais consequências deletérias a longo prazo dessa presença do coronavírus no coração ainda devem ser melhor avaliadas, com o contínuo acompanhamento desses doentes. Por outro lado, deve-se ressaltar, entretanto, que as doenças cardiovasculares são afecções frequentes e seguem sendo a principal causa de morte em nosso meio. Nesse sentido, chama a atenção que parece ter havido uma redução do número de pacientes com infarto agudo do miocárdio e derrame cerebral nas unidades de emergência. Em nosso meio, dados da prefeitura da cidade de São Paulo revelam que houve um aumento de 30% nas mortes que ocorreram em domicílio, fora de ambiente hospitalar. Isso pode indicar que pacientes com sintomas graves, talvez por medo de se contaminar pelo vírus, ou por dificuldades do sistema de saúde, possam estar evitando ou postergando a procura de atendimento médico adequado – o que pode ter consequências desastrosas à sua saúde a curto e longo prazos. É preocupante, assim, que, em meio à pandemia atual, outros atendimentos cardiovasculares, emergenciais ou não, tão fundamentais à manutenção da saúde dos nossos doentes, possam estar sendo menosprezados pela sociedade, talvez por medo de a população se infectar em unidades de saúde. A saúde cardiovascular durante a pandemia pode ser afetada de muitas formas. O próprio vírus pode comprometer seriamente o coração, levando a complicações significativas. Por outro lado, o tratamento das doenças cardíacas, tanto preventivo quanto curativo, deve seguir sendo prioridade para a sociedade, mesmo durante a pandemia, sob pena de ocorrer aumento significativo de complicações cardiovasculares potencialmente evitáveis. Continua, mais que nunca, muito importante para a população reconhecer os sintomas de alarme que devem levá-la a procurar atenção médica urgente. Na presença de dor no peito, falta de ar, paralisias, dificuldade de fala ou outros sintomas graves, o serviço de saúde deve ser procurado sem demora. Também continua sendo fundamental a população continuar tomando as medidas preventivas, como o controle da pressão arterial, do colesterol, do diabetes e dos demais fatores de risco cardíaco, a fim de possibilitar a manutenção de uma vida saudável, independente e com qualidade.

* Roberto Kalil Filho é cardiologista, professor titular de cardiologia do Departamento de Cardiopneumologia da Faculdade de Medicina da USP, presidente do Conselho Diretor do InCor e diretor-geral do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês.

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