Laerte Coutinho é uma das cartunista mais importante do Brasil. E expressar-se por meio da arte é uma característica que a acompanha desde a infância, quando já tinha intimidade com o lápis e o papel. Depois de tentar outros rumos profissionais, a artista se rendeu ao seu grande amor e hoje é reconhecida por suas tirinhas com críticas políticas, humor afiado e uma dose gritante de realidade. Entre os trabalhos mais lembrados, estão as tiras de “Los Três Amigos”, feita durante 10 anos ao lado dos também cartunistas Angeli e Glauco, morto em 2010, e “Piratas do Tietê”, que inspirou a criação de “A Cidade dos Piratas”, filme que estreia nesta quinta-feira, no Espaço Itaú da Augusta, em São Paulo, às 20h.
O longa, dirigido por Otto Guerra, mistura ficção e realidade: “Confesso que é um pouco perturbador ver os meus personagens no cinema. Quem trabalha com desenho impresso tem outro olhar. Ver tudo aquilo ganhando movimento é empolgante, mas assusta. Para falar a verdade, o maior problema foi manter o mesmo traço, mas isso nós conseguimos”, conta Laerte em papo com o Glamurama.
O filme já foi exibido em diversos festivais e conquistou os prêmios de ‘Melhor Roteiro’ e ‘Melhor Direção’ no Festival de Cinema de Vitória, em 2018: “Se vamos receber alguma indicação para o Oscar? Eu não sei e, sinceramente, não me importo. O que eu sei é que o trabalho do Otto é incrível e saiu tudo perfeitamente bem feito”, revela. Como sempre, é de se esperar uma crítica bem montada na trama, que conta as aventuras de um grupo de piratas que navegam pelo Rio Tietê buscando vítimas para saquear ou simplesmente torturar por mera diversão.
Os “Piratas do Tietê” apareceram nas histórias de Laerte pela primeira vez nos anos 1980, em uma edição da revista “Chiclete com Banana”, da Circo Editorial: “O longa fala sobre a importância da liberdade de expressão, autoritarismo, mas não é simplesmente uma charge política. Não tinha como prevermos, por exemplo, o resultado das eleições de 2018. Só que, claro, a situação foi se desenhando durante os anos e, por isso, se torna atemporal. Os tempos não são fáceis, passamos pelo golpe e aqui estamos”, revela a cartunista.
Dentro de sua própria criação, Laerte não consegue escolher um personagem que gosta mais e contou que até os abandonou: “Não consigo definir um personagem que gosto mais e, pra ser bem sincera, abandonei o uso de personagens. Nunca curti muito isso e agora invisto na construção da história:” Mas, assim como o seu trabalho, que mudou ao longo da carreira, Laerte também está em constante transformação.
Laerte e Hugo
Conhecer a si mesmo é um processo complexo para todos os seres humanos. Somos feitos de nuances e mudamos conforme entendemos quem somos. Laerte se casou três vezes, perdeu um filho – a pior dor de sua vida – e se descobriu mulher trans após anos mantendo esse fato de sua vida escondido: “Inicialmente, a minha preocupação era não deixar mais bloqueados os meus desejos homossexuais. Depois que me aceitei, dei uma relaxada e me senti em paz. A transexualidade veio por si só”, revelou.
Descobrir-se uma mulher trans aconteceu através do trabalho. Mais especificadamente por conta de um personagem chamado Hugo: “Parece que o Hugo foi mostrando essa parte que faltava aceitar em mim. Ele é um personagem que se descobriu trans e passou por todo o processo de descoberta. Um dia percebi que eu também era o Hugo.”
Laerte é um dos que lutam pelos direitos da comunidade LGBT. Para ele, o presidente Jair Bolsonaro é um dos inimigos da atualidade: “O preconceito tem aumentado, assim como a agressividade, a violência. O que acontece é que hoje nós podemos debater e questionar mais sobre isso. O Brasil está passando por um movimento múltiplo. De um lado, a sociedade nos julga ainda mais. Do outro, existe um apoio crescente. E não é só em relação aos LGBTs, mas aos direitos das mulheres, negros, indígenas… Existe o aumento da consciência, mas muitos nem tentam respeitar”, declara. (por Jaquelini Cornachioni)
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