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As mulheres são a figura central em fenômenos que envolvem amor e cárcere: paixões e até casamento com assassinos e o total abandono quando elas estão atrás das grades

Texto e fotos: Victor Santos  / Ilustrações: Jefferson Leal

Preso em 1967, João Acácio, conhecido como o “Bandido da Luz Vermelha”, foi condenado a 351 anos de reclusão. As acusações de 77 assaltos, quatro assassinatos, sete tentativas de homicídio e a suspeita de ter estuprado cerca de 100 mulheres não foram suficientes para intimidar as fãs. Atrás das grades, ele recebia cartas de amor e buquês de flores de admiradoras que não se intimidavam com os crimes. Mais recentemente, outros casos ganharam visibilidade como a história do motoboy Francisco de Assis Pereira, vulgo “Maníaco do Parque”. Condenado por 11 assassinatos e nove estupros com vítimas mulheres, colecionou mais de mil cartas de admiradoras após seu primeiro mês de prisão, em 1998. Em 2002, casou-se com uma delas. Já em 2014, o ex-vigilante Thiago Henrique Gomes da Rocha, apelidado “Maníaco de Goiás”, foi alvo de diversas mensagens de mulheres e até pedidos de visita íntima antes mesmo de seu julgamento, logo após ter confessado o assassinato de 39 pessoas. Esse contraste entre as barras que enquadram a luz do sol e a idealização por um relacionamento amoroso faz parte do cotidiano de quem trabalha com crimes no Brasil. Roselle Soglio, advogada criminalista com quase 20 anos de experiência e especialista em perícia e direito penal, conta que, mesmo sem o contato diário e o relacionamento acontecendo a distância, casamentos quando um dos envolvidos está atrás das grades são frequentes: ela disse já ter visto cerca de 20 durante a carreira. Os encontros começam por cartas, as quais o preso pode ou não autorizar o recebimento, e passam pelo crivo — ou censura — dos agentes penitenciários. Estes checam as informações e decidem sobre um possível confisco. “Existe um grande volume de cartas de admiradoras. Muitas se apaixonam, mas há também quem não é correspondida.”

“Existe um grande volume de cartas de admiradoras. Muitas se apaixonam.” Roselle Soglio, advogada

CIENTIFICAMENTE FALANDO

Nos anos 1950, o psicólogo e sexólogo neozelandês John Money, buscando explicar essa atração, cunhou a expressão hibristofilia, também conhecida pelo apelido de “Síndrome de Bonnie e Clyde”, em referência ao glamouroso casal de criminosos americanos dos anos 1930. Na época, o termo remetia a uma patologia, algo a ser tratado. A hibristofilia, na área psiquiátrica, integra a categoria das parafilias. De acordo com Gabriel Becher, psiquiatra especializado em sexualidade do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, a definição atual de parafilia é “fantasia e/ou comportamento intenso, recorrente e preferencial voltada a um objeto sexual não convencional”. E completa com a definição clássica de objeto sexual: “Não humano adulto vivo”. Mas apesar do prisioneiro ser um humano, um adulto e um vivo, a atração não se dá em sua humanidade. O fascínio é “fruto de uma projeção, uma ilusão própria”. A discussão, por anos, foi guiada pela ideia de “perversão”, termo instituído pelo psicanalista Sigmund Freud, que diz que “aquilo que não está relacionado ao ato genital propriamente dito é considerado perversão”. Atualmente, a parafilia não é entendida como algo a ser tratado e curado. Até a homossexualidade já foi categorizada como tal. Agora, instituiu-se a ideia de transtorno parafílico, quando a parafilia tem consequências. “Se é intenso e recorrente, estamos falando de uma questão parafílica, sem o transtorno. Isso muda se tem sofrimento ou desagrado para os indivíduos ou para a sociedade”, explica Becher. A atração por prisioneiros pode ser comparada a questões de idolatria e admiração e se assemelha à aproximação de uma fã com um ídolo.

O psiquiatra pondera sobre esse fenômeno nos presídios femininos que chamam menos atenção da sociedade e argumenta sobre a valorização social da sexualidade dos homens em detrimento das mulheres. Um fator social visto como uma das causas da parafilia estar muito mais presente no sexo masculino.

“A atração por prisioneiros se assemelha à aproximação de uma fã com um ídolo.” Gabriel Becher, psiquiatra

O QUADRADO NÃO BRILHA PARA TODAS

Engana-se quem vê no caso de Suzane von Richthofen, noiva do irmão de sua companheira de cela desde 2017, como uma evidência que a busca também ocorre com as mulheres. A vasta maioria das presidiárias sofre com a solidão, como é o caso de Red (Kate Mulgrew), da premiada série Orange Is the New Black, da Netflix, onde os filhos evitam visitá-la, assim como tantas outras mulheres no mundo inteiro. O tema é tão importante que preenche um capítulo inteiro do livro Prisioneiras, do médico Drauzio Varella. Sônia Drigo, advogada que atua há 22 anos com mulheres encarceradas, esclarece: “Há muita diferença nos dias de visita. Com as mulheres, o número é muito reduzido e a maioria é de outras mulheres. Na masculina, a fila é enorme, com famílias inteiras e até comércio”, lamenta. Questionada sobre estatísticas, a advogada critica a negligência das autoridades com os dados públicos, mas explica que o abandono promove certo apoio entre as encarceradas. “Existe uma solidariedade, elas se ajudam porque se reconhecem.” Enquanto as mulheres não esquecem seus companheiros – até por risco de vida, quando estão presas, o abandono delas é quase certo. “É a mãe ou a irmã que visita, uma adulta, e poucos homens mais velhos. O noivo em dois meses não volta mais. Já a mulher não abandona e leva sexo, frango e filho. Sem receber nada de volta”, conclui Sônia.

“É a mãe ou a irmã que visita [a presa] e poucos homens mais velhos. O noivo em dois meses não volta mais.” Sônia Drigo

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