Às 15h dessa segunda-feira um burburinho se formava em frente ao Auditório do Ibirapuera, em São Paulo. “O que vai ter aí?”, perguntou um rapaz – que curtia apenas um feriado no parque – para sua colega que tinha por volta de 40 anos. “Apresentação daquela menina ali da foto. Eu quero ver”, respondeu ela, apontando para um cartaz logo na entrada do local, enquanto se infiltrava na fila e pensando que era mais um desses eventos gratuitos que o espaço abriga com frequência. Que nada! A verdade é que todo mundo queria estar ali, para ver e ouvir uma das heroínas do nosso tempo, Malala Yousafzai, que veio pela primeira vez ao país para participar de debate promovido pelo Itaú sobre educação e empoderamento feminino.
Passado o furor do pessoal que curtia o feriado, começou a entrada dos cerca de 800 convidados, entre ativistas, jovens, jornalistas e grandes empresários – mais mulheres do que homens. Logo após dar o nome e apresentar carteira de identidade, as bolsas eram revistadas e tinha que passar pelo detector de metais. Algo rápido que não atrapalhou o andamento do evento. Após um coffee break servido no saguão do auditório, com bebidas não-alcoólicas e snacks como chips de mandioquinha e cocada, todos foram convidados a se sentar. Poucos lugares – apenas alguns das primeiras fileiras – estavam reservados. Os demais não tinham marcação, era por ordem expressa de chegada.
Foi ao som de “Change the World”, de Eric Clapton, apresentado por um grupo de cantoras mulheres que a pessoa mais jovem do mundo a receber um Prêmio Nobel da Paz – aos 17 anos, em 2014 – subiu ao palco para se apresentar para uma plateia emocionada. Isso com certa dificuldade para entender as homenagens iniciais, já que o fone de tradução demorou para ser entregue. Malala vestia calça off-white de alfaiataria com túnica laranja, cor do banco patrocinador, combinada com sandália de salto baixo e quadrado, e um lenço marinho envolto na cabeça, que ela não abre mão. Seu único acessório era um smartwatch de formato retangular. Nada de esmaltes ou maquiagem aparente. Permaneceu de pernas cruzadas e reposicionava seu lenço de tempo em tempo, quando caia sobre os ombros, demonstrando desconforto em mostrar o cabelo. Sua expressão facial é delicada. Quando alguém diz algo honroso a ela, Malala coloca uma das mãos sob o coração e mantém o semblante sério, mas que não deixa de demonstrar o seu carisma. A jovem ativista não estava ali para ser ovacionada, apesar de saber que isso aconteceria, inevitavelmente. Seu maior sorriso veio quando ganhou uma boneca feita de pano, nos momentos finais do encontro.
Em seus discursos, a ativista paquistanesa fez questão de mostrar que essa não é uma visita simbólica e que nos próximos dois dias seria anunciado um projeto de sua ONG no país. “É preciso melhorar o sistema de ensino para oferecer educação de qualidade aos alunos, para que assim, quando concluam os estudos, estejam aptos para seguir seus caminhos e sonhos, ler e escrever”, falou ela. “(…)Nós queremos mudanças no Brasil e minha ideia de mudança não é ser alguém de uma comunidade internacional que sabe de tudo e conserta tudo. Isso nunca soluciona. Quando queremos encontrar soluções para problemas devemos trabalhar em parceria com ONGs locais, ao lado desses maravilhosos jovens que conhecem de fato os problemas. É preciso entender e encontrar a melhor maneira de resolver essas questões sociais.”
Ela encorajou as “Malalas” brasileiras que estavam na plateia a acreditarem em suas próprias vozes, e não se deixarem levar pelo momento duro que passa o país: “Não esperem que alguém lute por vocês”(…)”Vocês estão desapontados, eu sei disso. Há raiva, eu sei, a esperança está ameaçada por causa da situação política do país, mas deixe me dizer que seu ativismo, sua luta, sua voz, é o poder para trazer mudanças. Não esperem alguém lutar por vocês, acreditem em suas vozes”. Ela ainda reforçou que a educação é o melhor investimento e que mudanças para o mundo podem ser feitas em pequenas ações, dentro de casa.
Aplaudida de pé, Malala deixou o palco escoltada por seguranças ao som de apresentação linda de “Imagine”, de John Lennon. Quem estava lá ou acompanhou pela internet, com certeza não vai esquecer a visita ao nosso país de uma jovem de apenas 20 anos que ganhou o mundo graças à leitura e luta pelo acesso de todas as garotas à educação com a arma mais poderosa de todas: a voz. Tarde histórica que marcou mais uma vez o dia 9 de julho, em que é comemorada em São Paulo a Revolução Constitucionalista de 1932. (Por Julia Moura)
*Em tempo: Nesta terça-feira, Malala anunciou que três brasileiras passarão a integrar a Rede Gulmakai, iniciativa do Fundo Malala que patrocina homens e mulheres que incentivam ou promovem a educação de meninas em vários países. São elas: Sylvia Siqueira Campos (Pernambuco), presidente do Movimento Infanto-juvenil de Reivindicação (Mirim), Ana Paula Ferreira de Lima (Bahia), coordenadora da Associação Nacional de Ação Indigenista (Anaí) e Denise Carreira (São Paulo), coordenadora adjunta da ONG Ação Educativa. O anúncio marca a expansão da Rede para a América Latina, começando pelo Brasil. O projeto já atua em seis outros países: Afeganistão, Líbano, Nigéria, Paquistão e Turquia.
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