Por Fábio Dutra / Fotos Pedro Dimitrow/ Styling Cuca Ellias (odmgt)
Poucas pessoas fazem tanto jus ao clichê “de algum lugar pequeno para o mundo” quanto Milton Neves. O Mirtim, como era conhecido no interior de Minas Gerais, onde numa quermesse teve sua voz notada pela primeira vez, foi para São Paulo tentar a vida no rádio aos 17 anos e nunca mais voltou. Dominada a plataforma, foi a vez de conquistar o eldorado da televisão. Inovou e virou um dos maiores nomes da comunicação esportiva nacional, tanto por ser o único a prezar pela memória do esporte quanto por recusar por completo a pasteurização das opiniões, praxe no ramo, e apostar nas provocações às torcidas dos maiores times do país, excetuando-se os seus, claro: Santos e Atlético Mineiro. Além disso, Mirtim abraçou a propaganda, rasgando outro dogma da ortodoxia jornalística, o que levou os detratores (como eram chamados os haters quando ainda falávamos português por aqui) a apelidá-lo de Merchaneves. Assim, atingiu um patamar de remuneração raro no meio e acumulou um patrimônio relevante, entre fazendas, empresas e imóveis no Brasil e no exterior. Na mesma semana deste ensaio fotográfico ele embarcaria de férias para Nova York, onde tem dois apartamentos – “os dois com mais de 200 metros quadrados, verdadeiro latifúndio por lá!” –, mas disse que não levaria seu fiel escudeiro na televisão, o ex-jogador Denílson, consigo: “A alfândega dos EUA é rigorosa, ele não conseguiria passar”, diverte-se. Tudo isso sem esquecer as origens, já que nunca deixa de citar a cidade natal quando está no ar e sempre que posta fotos na Big Apple faz alguma menção ao interior mineiro. De Muzambinho para o mundo, portanto, não parece tão forçado assim quando o assunto é Milton Neves.
Agitadíssimo desde o começo da conversa, logo percebeu-se que não é fácil trabalhar com ele. Não destrata ninguém, mas deixa transparecer certa irritação quando a equipe não está sincronizada a sua velocidade. A equipe do Terceiro Tempo, que se reveza para cuidar da agenda do apresentador, gerir sites e redes sociais e produzir os programas Terceiro Tempo, Gol, O Grande Momento e Que Fim Levou? – os dois últimos destinados a resgatar grandes momentos e personagens da história do esporte nacional – admite que o ritmo é sempre esse. À exceção das férias, Milton Neves é focado sete dias por semana e chega até a dormir no escritório em dias de jogos para não voltar à distante Alphaville, onde mora, de madrugada, já que as transmissões vão até tarde. Mesmo muito rico, a paixão pelo esporte e pela comunicação não arrefeceu: “Claro que sou multimilionário se eu pensar na minha origem ou se eu comparar meu patrimônio com a média dos profissionais do setor, mas o que me move mesmo são momentos como aquele em que um ex-jogador do Palmeiras dos anos 1960 me contou no ar que era a primeira vez que aparecia na TV e também que eu ajudava os ex-jogadores a seguirem vivos”, se emociona. Aliás, a trajetória da própria família ou a de ex-jogadores que o agradecem pelo seu trabalho são os únicos assuntos que fazem Milton Neves, chorão assumido, descer do personagem.
Milton Neves não é só amor: tem muita gente que não quer vê-lo pela frente e só compraria um sapato Rafarillo se fosse para arremessá-lo em sua cabeça. Entre algumas ruidosas desavenças com colegas de profissão, como Jorge Kajuru e Roberto Avallone, a briga com o folclórico narrador Silvio Luiz merece destaque. Durante a gravação do Programa Raul Gil, Luiz foi perguntado se tiraria o chapéu para Milton Neves, mas disse que nem o conhecia. Neves estava nos estúdios da Record, assistiu à cena ao vivo e esperou o fim da gravação para desferir um pontapé nas nádegas de Silvio Luiz, papelão do qual se arrepende: “Nesses quadros é o entrevistado que escolhe de quem quer falar e ele me indicou para depois menosprezar-me ao vivo. É chato porque o Johnny Saad o manteve na Band a meu pedido, ele não reconhece isso. Ele é um cara que não sabe conviver com o sucesso das novas gerações, fica amargurado com a perda de espaço”, desabafa, mas nega que ainda sejam desafetos. Algumas torcidas também nutrem verdadeira ojeriza por ele, como as do Corinthians e do Cruzeiro. Aquela credita a Neves o famoso jargão “apito amigo”, sempre lembrado pelos inúmeros casos de favorecimento ao Timão, enquanto os mineiros o detestam por endossar as piadas dos atleticanos – “o Galo mais lindo do mundo”, como diz – e falar que “quando o Cruzeiro joga, o Mineirão não treme, rebola” .
Mas a grande polêmica é quanto à publicidade: e aí, jornalista pode ou não pode? Para ele, isso é uma hipocrisia e agora, em sua opinião, o mercado já admite isso, com jornais e revistas fazendo conteúdos publicitários ou mesmo jornalistas globais mudando o contrato para poder atuar como garotos-propaganda: “Vai me dizer que o Tiago Leifert deixou de ser um grande jornalista, referência, só porque mudou o tipo de acordo dele para ‘entretenimento’?”. Ele garante que fazer propaganda não afeta os jornalistas sérios e que é preciso permitir que os profissionais ganhem dinheiro e ofereçam bons serviços para os parceiros – como a já citada sapataria Rafarillo.
“Quando eles começaram comigo faziam 300 sapatos por semana, hoje são 7 mil por dia. Dou resultado a um preço muito mais módico do que novela da Globo.” Não gos-taria então de trabalhar na Globo? “Claro! É a maior emissora de televisão do planeta, excelente em tudo”, levanta, para em seguida cortar: “Mas o modelo de remuneração deles, 90% em fama e 10% em dinheiro, não me apetece muito…”. Sabedoria do interior de Minas. Viva Muzambinho!
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