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Janaina Paschoal || Créditos: Paulo Freitas

TOGA

Janaina Paschoal

Por Paulo Vieira para Revista PODER de novembro || Fotos: Paulo Freitas

Autora do pedido que levou ao impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e voz mais estridente daquele processo, a advogada paulistana e professora de Direito penal da Faculdade de Direito da USP Janaina Paschoal não está satisfeita com o que vê acontecer em Brasília. Para ela, há um movimento claro no sentido de parar a Operação Lava Jato e, com isso, o processo que chama de “depuração do país”. Acha que Michel Temer deve ser afastado da Presidência e considera “a maior vergonha da Justiça brasileira” o julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE, cujo desfecho teve o condão de manter no cargo o vice tornado presidente. Diz não se engajar pela queda de Temer com a energia que dispensou à de Dilma por já haver um pedido nesse sentido assinado pela OAB, algo que não ocorreu em 2016. “Não consigo ver o Temer como alguém anti-Lula, e, com tudo o que veio à tona em relação ao Aécio, também não o vejo [nesse papel]. Acho que o povo brasileiro tem de tomar a frente do processo. Se fez coisa errada, tem de ter reação”, disse Janaina a PODER numa ampla mesa-redonda do restaurante A Figueira Rubaiyat, nos Jardins, em São Paulo.

As batalhas que Janaina – assim ela pediu para ser tratada, dispensando seus títulos – vem travando são agora mais plurais, e sua principal ferramenta parece ser a rede social, mormente o Twitter, em que tem mais de 80 mil seguidores e onde dribla a limitação espacial dos 140 caracteres do microblog com posts em sequência sobre assuntos diversos. Para ficar em exemplos recentes, manifestou-se (com preocupação) sobre a “farinata”, a farinha feita a partir de alimentos na iminência de perderem a validade anunciada pelo prefeito de São Paulo, João Doria, como nova estrela do cardápio da rede municipal de ensino; achou correta a decisão da Justiça de Goiânia, que determinou a internação do menino que atirou e matou dois colegas do Colégio Goyases; e informou que, antes de 2009, quando foi editada lei que criminalizou qualquer ato sexual com menores de 14 anos, esse tipo de relação já era considerada criminosa – “presumia-se a violência”, justificou, sem revelar, contudo, o pano de fundo que levou o país a mergulhar na candente discussão.

Muitas novas bandeiras, portanto, para carregar, mas talvez menos pesadas que aquela que lhe deu fama, a do impeachment de Dilma que, segundo disse neste Almoço de PODER, trouxe-lhe ônus financeiros, acadêmicos e também na vida pessoal. “Tive de recusar muitos casos porque gerariam incompatibilidades.” E exemplificou: “Havia um interessante para o escritório, o de uma família que brigava com o pessoal do PT, e que, se viesse a público, poderia suscitar a avaliação de que eu lutava contra o partido para beneficiar o cliente”.

Tendo suas duas irmãs mais novas como sócias, ela diz que chegou a discutir com as manas uma possível saída da sociedade, caso elas se sentissem prejudicadas por sua atuação política. Já seu pai, ao saber que ela havia recusado determinado trabalho, ralhou. “Ele ficou indignado e me perguntou se eu queria fechar o escritório. Ele sempre agiu com muita ética e me viu trilhando um caminho ainda mais radical. Mas desde criança sempre fui alucinada pelo Brasil.”

À maneira de Lula, Janaina vê um Brasil polarizado, também dividido entre “eles e nós”. “Eles” são os poderosos; “nós”, o povo, vitimado pelos ardis “deles”. “Talvez as pessoas tenham medo de ao atacar o Temer fortalecer o Lula, mas acho esse medo errado. No fundo estão todos juntos contra nós”, diz. Na escalação “deles” não estão apenas os políticos dos grandes partidos que supostamente têm programas divergentes – PT, PMDB e PSDB –, mas também integrantes do Supremo Tribunal Federal. “Querem matar a Lava Jato. Vejo o ministro Gilmar [Mendes, do STF] como líder desse movimento, até pela personalidade dele. Ele fala muito bem em público.” Por falar em STF, considerou “triste” o voto da ministra Cármen Lúcia, presidente do tribunal, que por fim decidiu que a última palavra na hora de afastar parlamentares deveria ser mesmo do Parlamento. “Ela teria de mostrar mais força, maior comprometimento com o processo de depuração do país.”

Para Janaina não há que se mexer no nosso sistema representativo, como pedem tantos que discutem o poder, não pelo menos enquanto uma outra questão que considera prioritária não for atacada. “Mudança no sistema político sem prisões não resolve. Pega os modelos da Suécia, da Suíça, da Inglaterra, pega qualquer um e transfere pra cá. Enquanto essa gente não aprender que, se não andar na linha, vai ser presa, não vai dar certo. Se existem 300, 400, mil pessoas que desviam dinheiro público, elas têm de ser presas.”

FORO

Se brada pela utilização da força da lei, Janaina é contida em relação ao fim do foro privilegiado para políticos de escalões distintos, outra causa muito popular hoje no Brasil e que, para muitos, dificulta e até impossibilita a aplicação de castigos a senadores, deputados et cetera. Para ela, o julgamento no STF, que é “muito visível”, funciona como “pressão para que a justiça seja feita”. “Se baixar pra primeira instância, a pressão em cima de um juiz singular vai ser muito maior.” Ela defende uma agilização dos processos no próprio Supremo com base em legislação já vigente. “A lei já permite que os ministros do STF deleguem atribuições. Se eles quisessem de verdade que os processos andassem, andariam.” Ela diz que uma simples alteração legislativa já economizaria tempo, evitando “julgamentos gigantes” apenas para avaliar o recebimento de denúncias.

Sobre o cenário eleitoral de 2018 ela não fala, mas deixa claro ser contra a cláusula de barreira, que sufoca financeiramente os partidos menores e que julga, aliás, inconstitucional. “Você tem de entrar numa estrutura corrompida, pesada, caciquizada para poder fazer qualquer coisa.” A advogada vai mais longe – é manifestamente favorável às candidaturas avulsas, fora do que chama “dominação dos partidos”. “Eles se alinham da maneira deles lá, e a gente nunca sabe o que está acontecendo de verdade, eles vão se alternando no poder.” Com isso é possível inferir que, para ela, esse ente abstrato, o poder, não tem o condão de corromper todos os que dele participam ou de apenas atrair pessoas que esperam tirar dividendos dessa relação. “Não tenho essa visão tão negativa que as pessoas têm, muitas vezes quem procura cargo público está disposto a doar.”

COBRA

Janaina Paschoal || Créditos: Paulo Freitas

Neste Almoço de PODER, Janaina foi até o fim com seu generoso prato de arroz de polvo, mas ficou chateada por não haver no cardápio sua sobremesa de eleição: crème brûlée. Disse mesmo que adora comer e que “sempre foi gorda”. É difícil acreditar que se trata de alguém em permanente briga com a balança, mas revelou que se exercita uma hora diariamente, de “domingo a domingo”, não só para se manter em forma como para ter disposição para enfrentar o dia. Pedala constantemente, e quando não está numa bicicleta fixa na academia de seu prédio, passeia com uma tradicional, pelo Ibirapuera. Foi lá, em janeiro, ao ver as más condições de higiene de um dos banheiros do parque, que ela decidiu dizer que passaria a inspecioná-los, algo que se tornou mais um de seus trending topics no Twitter. “Banheiro” hoje é também uma palavra comumente associada a seu nome em pesquisas do Google, talvez pelo fato de ela ter aproveitado o tema para espicaçar Fernando Henrique Cardoso. “Fernando Henrique deveria frequentar os banheiros do Ibirapuera!”, publicou, para depois dizer em novo tuíte: “Não, não estou defendendo Doria, mas o fato de FHC alfinetá-lo, quando não criticava Haddad, mostra sua alma petista”.

Surpreende saber que um cardeal do PSDB, mormente alguém que quando presidente da República foi vítima de uma campanha urdida pelo próprio PT para impichá-lo, tenha alma petista. Mas não é improvável que Janaina veja em muitos repórteres que a entrevistam simpatias por esse partido e por outras agremiações de esquerda. O repórter da PODER foi em dado momento chamado de petista – além de preconceituoso, machista e grosseiro – por perguntar se ela não achava que infringia algum decoro ao fazer o seu famoso “discurso da cobra” em abril de 2016, no Largo São Francisco, quando vociferou contra Lula. Um mês antes, o líder do PT havia se comparado a uma jararaca, daí a cobra, “a que não bateram na cabeça” após ser levado em condução coercitiva por agentes da Polícia Federal para depor em um dos processos de que era objeto. “Queria saber se em alguma matéria sua você já chamou o Lula de louco ou indecoroso”, disse.

O climão se instalou, mas o almoço acabaria em bom termo. Janaina disse que foi uma “honra” participar e explicou: “Sou muito transparente. Nunca vai acontecer de eu falar mal de você por trás, o que eu tiver de falar vou falar na sua cara, aprendi com minha vó pernambucana”.

BOX: BATALHAS

Janaina Paschoal tem temas de eleição no Twitter. A ditadura venezuelana é um, e, em agosto, chegou a endereçar tuítes em inglês a Donald Trump pedindo que os Estados Unidos deixassem de comprar petróleo e derivados do país sul-americano – não recebeu resposta da Casa Branca. Também apresentou suas razões na reprovação do concurso que prestou para se tornar professora titular da USP, topo da carreira acadêmica. Na conversa com PODER, disse que houve “retaliação ideológica” por parte dos avaliadores. Explicou que os pareceres que justificaram as notas baixas são falsos, tendo os avaliadores ignorado os livros que escreveu e os serviços comunitários que prestou. Na discussão, vem cobrando coerência de seu chefe, Sérgio Shecaira, mas por outros motivos. “Eu me surpreendi que  ele tenha negado para o Estadão que é defensor aguerrido da legalização do tráfico de drogas. A teoria de que a legalização diminuiria o crime organizado é bem aceita dentro da USP. E eu, que trabalhei na Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad) durante o governo Lula, tenho convicção de que legalizar não resolveria nossos problemas.”

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