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Por Chico Felitti para a Revista J.P de Novembro || Ilustrações: Bruna Bertolacini

Um salão de beleza no número 5 da rua 57 EasT, em Manhattan, é testemunha do maior conto de fada comercial brasileiro nas últimas décadas. Era nesse endereço, vizinho da Trump Tower predileta do presidente americano e a poucos passos da Tiffany & Co. da Quinta Avenida, que ficava o J. Sisters, local de trabalho das sete brasileiras que cunharam o nome “brazilian wax” e foram embaixadoras da técnica de depilação que ganhou o mundo.

Foram. O salão das baianas Janea, Judseia, Jussara, Juracy, Jocely, Joyce e Jonice Padilha está fechado. As criadoras do maior produto exportação nacional quebraram, e deixaram para trás uma clientela que incluía Naomi Campbell, Eva Longoria, Cameron Diaz, Bette Midler, Cindy Crawford e Kate Winslet.

Mas vamos começar pelo começo. Afinal, o que é a brazilian wax? Enquanto a maioria das revistas de beleza (e um dicionário) defendem que é a depilação que só deixa uma trilha de pelos no centro da região pélvica, Janea Padilha, a mulher que inventou essa modalidade, explica de um jeito mais cru: “É deixar lisos a bunda e os grandes lábios”.

Foi Janea que, há exatos 30 anos, abriu o primeiro salão nova-iorquino da família, depois de elas terem emigrado, uma a uma, para fazer unhas nos Estados Unidos. Mas foi só em 1990 que elas começaram a oferecer às gringas a brazilian wax, que já praticavam para ir às praias do Nordeste.

David Friend, editor da revista Vanity Fair, acaba de lançar o livro The Naughty Nighties, em que faz um perfil da sexualidade americana nos anos 1990, época que chama de “triunfo da libido americana”. Mas um dos capítulos é sobre um furacão que veio do sul, do Brasil, para ser mais preciso: a brazilian wax.

O livro narra o primórdio do sucesso. Tudo começou com a secretária Sari Markowitz, então com 28 anos, que foi a primeira cliente a depilar no então salão de manicure – o procedimento teve de ser feito em cima da mesa do escritório, com um pé sobre o aparelho de fax e o outro chutando grampeadores. Ela gostou tanto do resultado que convenceu uma amiga, então editora da Elle, a experimentar. A revista fez, já na edição seguinte, uma matéria sobre o tema.

E o resto é história. A técnica apareceu em centenas de reportagens. Ganhou um episódio inteiro de Sex and the City, em que Carrie Bradshaw fica lisinha por causa de um problema de comunicação com sua depiladora. Pronto: o mundo era apresentado ao nome brazilian wax.

No auge do movimento, as J. Sisters receberam uma ligação do dicionário Oxford, dizendo que a expressão “brazilian wax” estava para ser agregada ao glossário mais famoso do mundo. Janea não levou muito a sério. Um ano depois, lá estava uma segunda definição no dicionário. “Um estilo de depilação em que os pelos púbicos femininos são quase todos removidos, restando apenas uma faixa central no meio.”

Nessa época, uma sessão em que cera de pinho tépida (em torno de 32 graus) era aplicada em toda a região do baixo ventre, e arrancada com tiras de tecido em dez minutos ou menos, custava US$ 75. E elas atendiam centenas de clientes por dia.

A consultora de marketing e socialite Anna Maria Tornaghi conta, no livro, a que atribuiu o sucesso: “É o que a gente chama de simpatias, em português, conselhos que as avós dão de como conquistar um namorado ou manter um”.

Em 2012, Janea lançou um livro de autoajuda Brazilian Sexy: Secrets to Living a Gorgeous and Confident Life (Brasileiras Sexy: Segredos para uma Vida Bela e Confiante), em que contava os mesmos segredos que sussurrava para as clientes.

HISTÓRIA CABELUDA

Mas o passar dos anos traz o passar de modas. A mesma Gwyneth que havia escrito: “Vocês mudaram minha vida!”, em uma foto que ficava pendurada na parede do salão, declarou no horário nobre televisivo uma revolução nas suas partes pudendas. “Eu tô numa pegada anos 1970”, contou à apresentadora Ellen DeGeneres em um dos programas mais assistidos dos Estados Unidos. Indício de que a situação começava a ficar cabeluda para as profissionais que vivem da lisura pubiana alheia. Meses depois, Kate Moss ostentou uma mata bastante preservada no entrepernas num editorial para a revista Love.

Janea contemporiza. “Gwyneth não está mais depilando porque ela depilava comigo. A tendência da depilação é que o pelo vai ficando fino. E o marido dela, não sei se você sabe, é roqueiro. Ele é bem natureba.”

Não é só ele que gosta das coisas ao natural. Em uma pesquisa feita pela revista Cosmo americana, em janeiro de 2017, 40% das entrevistadas afirmaram que preferem deixar sua mata íntima intocada. A American Apparel, marca das mais jovens e hipsters dos EUA, implantou pelos artificiais nas coxas e baixo ventre das suas manequins.

Há um ano a situação ficou incontornável. “Elas foram despejadas por não poder pagar o aluguel de US$ 40 mil da elegante rua 57”, crava o livro de Friend. Há funcionários que as acusam de ter dado calote.

Algumas polêmicas não devem ter ajudado nos negócios. A modelo Myrella Ikeda foi para a mídia americana, em 2014, dizer que processava o salão das irmãs em US$ 1,5 milhão, após perder boa parte dos cabelos depois de ter feito um tratamento de beleza ali. As irmãs reconheceram o erro, e disseram que elas mesmas tinham sido vítimas de um pó que serviria para embelezar os cabelos, não para fazê-los cair em tufos.

J.P descobriu que a situação é mais cabeluda do que as irmãs querem propagandear. Há um punhado de processos contra as J. Sisters na Justiça brasileira. Em um deles, de 2000, o juiz José Duque, da Vara da Fazenda Pública do Espírito Santo, condenou a JCM Importação e Exportação Limitada, que tem como sócias duas das irmãs, a pagar R$ 10.907.714,35 de dívidas tributárias e trabalhistas. “Essa empresa é a exportadora do ex-marido de uma das irmãs. Por isso que ela não acertou ainda e não afeta os nossos negócios”, diz Janea.

Janea nega que tenha voltado ao Brasil por causa de uma crise profissional. “Vou ficar aqui até o filme sair.” A inacreditável história do septeto será contada em um longa-metragem que deve ser filmado, em 2018, pela Biônica Filmes, produtora de Os Homens São de Marte… E É pra Lá que Eu Vou.

A matriarca da família diz que, aos 60 anos (“Mas todos me dão 45”), está arquitetando a criação de uma marca de cera com seu sobrenome no Brasil. E descarta ter pontos de venda próprios. “Vai ser tudo terceirizado. A gente não toma partido.”

Mas a dinastia não se apagou de Nova York. Lulu Gomes, filha de Judseia, trabalha na Portofino Sun, uma clínica de bronzeamento artificial na Terceira Avenida, bem mais modesta do que o império da família.

Já Jonice, a caçula, é a única das sisters que continua em território americano. Segue firme e forte nas folhas de depilação. Mudou-se para o salão Trish McEvoy, de uma amiga de longa data, que fica entre a Quinta Avenida e a Madison, com uma vista irrestrita do Central Park. “Estou fechando uma empresa que está no nome das minhas irmãs para depois abrir uma sozinha”, disse ela a J.P em um dos seus raros dias de folga – sua agenda segue cheia, por mais que ela não seja mais dona do seu próprio negócio. “Mas, anyway, eu vou voltar. Pode levar um tempo, mas eu vou voltar.” A perseverança das irmãs, assim como os pelos, é uma coisa que sempre volta.

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