Protagonista da série global Sob Pressão, Julio Andrade é o típico gente boa. Fisgado pelo cinema e pela TV, não se deslumbra com a fama. Ama falar do filho, de jardinagem e de marcenaria e diz que adoraria fazer teatro outra vez
Por Fábio Dutra para Revista Poder de Setembro || Fotos: Maurício Nahas
Se é certo que simplicidade não se confunde com superficialidade, pode-se dizer que Julio Andrade é um homem simples. Consagrado no cinema como um dos atores de destaque da profícua produção nacional do início do século 21, ele foi alçado recentemente ao primeiro time da Rede Globo – a ponto de o todo-poderoso diretor Andrucha Waddington esperar que ele voltasse de um período de descanso com a família na Argentina para começar a rodar Sob Pressão, longa-metragem que se transformou em série televisiva e está na boca do povo. No papel principal de um médico da emergência de um hospital público do Rio de Janeiro, Andrade já é incensado como possível premiado como melhor do ano da emissora e tem sido tietado como nunca até nas ruas de Portugal, de onde acaba de voltar de férias. Mesmo assim, seus assuntos prediletos são o filho, jardinagem e marcenaria. Ele dá de ombros quando o assunto é vaidade, sua e dos colegas, mas fica vários minutos a contar que recentemente foi a Porto Alegre, sua terra natal, e garimpou algumas ferramentas antigas na marcenaria do avô. Elegante no belíssimo terno preto, que está na abertura deste ensaio, ou mesmo usando um trench-coat da inglesa Burberry, ele admite que acha o figurino bonito e gosta de se ver assim, mas que não usa nada tão formal salvo por trabalho, claro. Mas um paninho todo mundo gosta: será que ele não compra nada? “Cara, estou num movimento contrário na verdade: eu quero é me desfazer das coisas, tanta coisa que a gente não usa… Eu, minha mulher (a fotógrafa Ellen Cunha) e meu filho (Joaquim, de 4 anos) fizemos uma limpa em casa, doamos várias coisas”, diz, sem afetação.
Julio Andrade entrou no circuito cultural pela música, roqueiro adolescente que foi, desses cabeludos com banda e tudo mais. Foi uma vizinha de seus pais que notou a dramaticidade nos trejeitos do garoto e o chamou para integrar uma peça que estava montando. A partir daí foi uma bola de neve com breve pausa para o serviço militar obrigatório – sim, quase desperdiçou-se um talento em troca de um anônimo coronel Andrade. Ao contrário do que se poderia pensar, a experiência não foi traumática: “Eu era músico, todo mundo gostava de mim, dos soldados aos oficiais; fazíamos churrascos nas folgas na casa de um e de outro, quase que eu sigo carreira”, lembra.
Aos 40 anos, miúdo e bastante informal, o ator ainda guarda uma aura adolescente. Muito doce, abraça a todos e trata de uma forma quase íntima a equipe da produção, cacoete dos atores de teatro, mais afeitos ao toque e à conexão com o outro. Mas o teatro já não faz parte de sua vida há mais de dez anos. “Não faço há muito tempo, uma pena, eu adoro. É que o cinema me fisgou e foi um filme atrás do outro, agora a televisão. Mas quero voltar a fazer, mas fazer mesmo, uma hora vou parar e me dedicar por um tempo a uma peça”, promete. Pergunto se tem algum personagem que sonhe em interpretar: “Tem: só não sei ainda qual!”, ri, para soltar o clichê de que os personagens é que o escolhem. No caso de Andrade, porém, não soa artificial. Ele lembra do Gonzaguinha que fez – uma impressionante reencarnação, aliás –, porque soube que fariam o filme e ele queria mostrar o “seu Gonzaguinha”, tão marcante a obra do artista foi para sua formação e para a relação com seu pai, fã do músico.
Os estudos para os personagens não são exatamente seu forte. “Tem gente que estuda muito, o que eu admiro, mas para mim o processo é mais instintivo, vou entrando no papel”, conta. Ele lembra que para fazer Ciro, protagonista de Cão Sem Dono, de Beto Brant – o diretor que Andrade mais admira –, foi para um apartamento em São Paulo e ficou duas semanas trancado bebendo uísque e lendo os russos, a ponto de seu pai ligar preocupado para Brant por conta do sumiço do filho. O ator gosta quando fica sabendo que o dramaturgo José Celso Martinez Corrêa falou a esta PODER (ed. 84, junho de 2015) que seu Teatro Oficina havia superado Stanislavski para chegar ao método xamânico, ao teatro de entidades. “É por aí mesmo, o personagem tem que baixar em mim. Quem sofre é minha mulher que está casada cada dia com um homem diferente, e alguns não são legais”, ri, e aproveita para ilustrar a intensidade da coisa: “No último episódio de Sob Pressão a entrega foi tão grande, eu estava tão envolvido naquele ambiente de sofrimento humano que simulávamos, que eu mesmo disse ‘corta!’ ao fim da derradeira cena, exausto”. Sorte do talentoso Maurício Nahas, fotógrafo deste ensaio, que elogia: “É muito bom quando o ator se entrega e sabe se expressar com o corpo”, em referência às mil caras e bocas e posições dignas das aulas de expressão corporal de Ivaldo Bertazzo que Julio Andrade passa a performar perante suas lentes. É melhor deixar os meninos se divertirem.
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