Entre o boleiro e a bolada. Quem são os empresários que marcaram o futebol brasileiro, de onde surgiu seu poder e como a Fifa pode atrapalhar seus negócios
Por Antonio Mammì para a revista PODER de Junho
EDUARDO URAM: O rei da série A
Ele agencia cerca de 150 atletas e é o empresário com mais atletas na série A. Tem boas relações com clubes como Botafogo, Palmeiras, Santos e São Paulo. Em 2010, chegou a representar 20 jogadores do Figueirense, então na elite do futebol brasileiro.
Gol de placa: A transferência de Daniel Alves, do Bahia para o Sevilla, da Espanha, em 2002.
Portfólio: Jean, Vitor Hugo, Egídio, Willian Bigode (os quatro do Palmeiras), Cícero e Wellington Nem (ambos do São Paulo)
JUAN FIGER: O pai de todos
Aos 80 anos, o uruguaio Figer já não exerce a mesma influência. No entanto, foi pioneiro da classe no Brasil, já intermediou mais de mil transferências e chegou a representar estrelas internacionais.
Gol de placa: A venda de Denílson, do São Paulo para o espanhol Betis, por R$ 115 milhões em 1998.
Portfólio: Diego Maradona, Jürgen Klinsmann, Ruud Gullit, Sócrates e Zé Roberto
WAGNER RIBEIRO: Tropa de elite
Passaram por suas mãos quase todas as estrelas que se projetaram no país durante os anos 2000. Recentemente, foi condenado a cinco anos e quatro meses de prisão.
Gol de placa: Embora tenha participado de transações mais graúdas, Ribeiro embolsou mais dinheiro quando articulou as duas primeiras transferências de Robinho – do Santos para o Real Madrid, em 2005, por R$ 71 milhões; e dali para o Manchester City, da Inglaterra, por R$ 110 milhões.
Portfólio: Neymar, Lucas Moura, Gabigol.
Giuliano Bertolucci: O recluso
Segundo a revista inglesa FourFourTwo, é o sexto agente mais poderoso do futebol mundial. Avesso a entrevistas e fotos, Bertolucci tem trânsito fácil em clubes europeus (em especial na Inglaterra, onde trabalha em parceria com Kia Joorabchian e Pini Zahavi), costurou, no começo do ano, a transferência de David Neres, do São Paulo para o Ajax, da Holanda, por R$ 50 milhões.
Gol de placa: A venda de Oscar do Chelsea, da Inglaterra, para o Shanghai SIPG, da China, por R$ 208,2 milhões em 2017.
Portfólio: Marquinhos (PSG-FRA), David Luiz, Oscar e Willian (os três do Chelsea-ING)
Em tempos de Lava Jato, a máxima “é tudo ladrão” virou mantra na boca do povo para se referir aos políticos. No futebol, a necessidade de responsabilizar alguém num período de crise vem de antes. Mais precisamente, da década de 1990, quando elegeu-se uma figura até então relegada ao segundo plano dos noticiários esportivos: o empresário. “Os cartolas querem o dinheiro das nossas comissões, a torcida não quer perder seus ídolos e os jornalistas querem o furo”, diz Wagner Ribeiro, que, no fim do mês passado, acertou a venda do atacante Vinícius Jr. do Flamengo para o Real Madrid, da Espanha, por R$ 164 milhões. Ribeiro, talvez o mais notório representante da categoria, não revelou quanto levou na transferência do atleta, que havia jogado apenas uma partida como profissional – mas sabe-se que a comissão de empresários varia de 1% a 10% do valor do negócio. Ribeiro, aliás, foi condenado no fim do mês passado a cinco anos e quatro meses de prisão pela Justiça Federal, por sonegação no caso Neymar.
Não que esses empresários fossem novidade. Já nos anos 1970, o uruguaio Juan Figer, na ativa até hoje, ganhava influência nos clubes brasileiros ao viabilizar a contratação de grandes nomes do futebol sul-americano, como Pedro Rocha, Pablo Forlán e Elias Figueroa. Foi em 1998, no entanto, com a promulgação da Lei Pelé, que os empresários se tornaram protagonistas no mercado da bola. A lei extinguiu o passe, o valor devido pelo jogador que, em fim de contrato, desejasse jogar em outro clube. Embora seja comum ouvir lamentos da cartolagem sobre o fim daquilo que consideravam uma premiação pela formação do atleta (Eurico Miranda, com a sutileza que lhe é habitual, declarou à época que a lei fora feita por idiotas), os jogadores se livraram de uma regra que os tornava propriedade compulsória dos clubes mesmo quando seus contratos tivessem expirado.
Se os atletas ganharam em termos de liberdade, os empresários aumentaram astronomicamente seus ganhos. Além das comissões que já embolsavam sobre o valor das transferências ou dos contratos assinados por seus representados, surgiu uma nova oportunidade de fazer dinheiro: o que se convencionou chamar de direitos econômicos. Em outras palavras, os empresários passaram a poder ter participação numa venda futura. Um exemplo que ficou famoso envolveu a transferência do zagueiro Breno do São Paulo para o Bayern de Munique, da Alemanha, em 2007. Poucos meses antes da operação, o empresário Delcir Sonda se tornou agente do atleta e o assessorou na renovação de seu contrato. Negociou para si 30% dos direitos econômicos junto ao clube e, quando a venda foi feita, faturouUS$ 6 milhões (no câmbio da época, algo em torno de R$ 10,7 milhões).
Capitalizados com o dinheiro proporcionado por participações em vendas futuras, alguns empresários se tornaram investidores, injetando dinheiro próprio em clubes para receber em troca parte dos direitos econômicos de seus jogadores. É o caso de Sonda: o valor ganho com a transferência de Breno alavancou seu fundo de investimentos,
o DIS, que fez essa operação no Santos e lucrou R$ 22,6 milhões com a venda de Neymar para o Barcelona, da Espanha, em 2013.
O grosso do dinheiro gerado pelo modelo de negócio dos empresários não vinha mais de seus serviços de corretagem: eles se tornaram homens-chave de operações milionárias, com um grande poder de decisão sobre o futuro dos jogadores. Muitos, é claro, passaram a priorizar seus interesses financeiros em detrimento da melhor opção para a carreira do atleta, muitas vezes transferidos para mercados improváveis mesmo que isso pudesse representar o seu esquecimento.
A torneira, no entanto, tem data para fechar. Atenta ao crescente enfraquecimento dos clubes (em especial dos sul-americanos, que dependem mais de receitas associadas a vendas de atletas do que os europeus), em 2015 a Fifa resolveu banir a participação de empresários e investidores nos resultados financeiros da venda de atletas, proibindo o fatiamento dos direitos econômicos de jogadores. Assim, considerando que os contratos vigentes à época foram mantidos, espera-se que, em 2020, os clubes passarão a receber o valor total das transferências.
É difícil dizer se a proibição vai esvaziar o poder dos empresários no mercado do futebol. Isso porque, no Brasil e no mundo, não faltam clubes controlados por eles, e que, na prática, podem ser detentores de direitos econômicos. É o caso do Coimbra, ligado ao empresário Giuliano Bertolucci; do Rentistas, do Uruguai, ligado a Figer; da Tombense, na qual Eduardo Uram tem participação. E não se tratam de times fantasmas, que contam apenas com CNPJ e uma sala. A grande maioria cumpre as obrigações legais: jogam competições, têm centros de treinamento, pagam seus atletas. “Se o foco for o resultado esportivo, não é um mal para o mundo do futebol que um empresário opere um clube. Eles costumam ser mais bem geridos que muitas associações administradas por amadores, são mais transparentes, pagam impostos em dia, não atrasam salários”, afirma Marcel Belfiore, sócio do Ambiel, Manssur e Belfiore Advogados, escritório especializado em direito desportivo.
Nilton Santos sempre lamentou o fato de Garrincha ter assinado contratos tão desvantajosos ao longo de sua carreira. Mané não tinha noção do quanto valia, não sabia quanto se pagava para os outros jogadores e, a bem da verdade, não estava nem aí. Um empresário sério, que cuidasse de suas questões financeiras e fizesse com que se ocupasse só de jogar bola, certamente o ajudaria. Hoje em dia é ainda mais natural pensar nisso: o dinheiro movimentado no mercado torna impossível pensar num futebol sem agentes. O problema é quando se passa do ponto e o intermediário começa a ditar, sozinho, as regras do jogo.
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