Filho de uma das maiores escritoras da Rússia, o performer Fyodor Pavlov-Andreevich, que mora no Rio, foi de penetra ao famoso baile do Metropolitan, em NY, com o figurino da noite: nu e encaixotado.
Por Chico Felitti para a Revista J.P de Junho
Rihanna pisou no tapete vermelho do Met Gala com sua sandália gladiadora certa de que sua roupa seria a mais comentada da noite. A cantora honrou o tema da exposição que a toda-poderosa Anna Wintour monta a cada primavera com o museu nova-iorquino: despontou com um vestido-instalação da Comme des Garçons, composto por milhares de pétalas de tecidos de coleções passadas da estilista japonesa Rei Kawakubo, nome que comanda a Comme e a homenageada da vez. Mas Riri não contava com a competição desleal de um colega artista. A roupa mais comentada por quem estava dentro do Met Gala foi a de Fyodor Pavlov-Andreevich. O performer de 41 anos apareceu no mesmo tapete que Kim Kardashian e Gisele Bündchen sem roupa. Nu e encaixotado em posição fetal num retângulo de acrílico com bordas metálicas.
A passagem do russo pelos flashes do baile durou um minuto, se muito. Seguranças logo vestiram a caixa com um lençol branco (talvez uma toalha de mesa, de grife desconhecida) e o arrastaram de lá. Assessores de imprensa formaram uma parede humana para evitar que os convidados (o convite individual mais barato saía por US$ 30 mil) vissem a cena. Foi em vão. “De repente começaram a dizer: ‘Tem uma pessoa pelada lá fora’”, conta uma modelo brasileira que prefere não revelar seu nome – Anna Wintour é conhecida por riscar da lista de convidados qualquer um que falar algo que não seja elogios à festa.
Na Quinta Avenida, dezenas de policiais e bombeiros receberam o homem da caixa. Ele foi preso. Passou 25 horas na delegacia. “Ainda bem que era a quinta e última parte da minha performance”, diz Fyodor (ele pronuncia Fiódorrr, com o erre rasgado dos cariocas). Porque o caixão transparente ficou apreendido nos EUA, como prova dos crimes de que o Estado o acusa. Ele não pode, por lei, comentar o ocorrido da noite de 1º de maio – responde processos por: atentado público ao pudor, obstrução do trabalho da polícia e dos bombeiros, invasão de festa e conduta desordeira. Mas brasileiros do seu círculo narraram para J.P a aventura. “A gente chamou um Uber SUV e o motorista ficou feliz porque pensou que ia aparecer na TV”, conta um amigo. A perua que os levava ficou presa no congestionamento de limusines. Seguranças controlavam quem podia descer do carro. Nesse momento, o grupo pensou que não conseguiria burlar o esquema de entrada. Entretanto, alguém famoso, cujo nome Fyodor e sua trupe mantêm em sigilo absoluto, liberou a entrada deles até o meio do tapete vermelho.
Mas sobre as demais performances da série Foundling (termo em inglês que é usado para quando uma mãe abandona o filho bebê em frente a um hospital e foge), ele fala a J.P com uma voz calma e aveludada. O que o motiva não é uma revolta contra o mundo dos mecenas e jantares de fundraising – só a festa do Met angariou cerca de US$ 13 milhões para o museu. “A arte precisa muito desse tipo de evento para ser financiada. E eu não tenho problema com isso. Não estou lutando contra a diferença social, e sim questionando a performance a serviço da riqueza. Porque a performance precisa causar incômodo”, diz ele. “É sempre importante entrar num núcleo oposto, que não tem nada a ver, é só de sorrisos sociais. Eu sempre falo que a minha responsabilidade é 20%”, conta o artista, que, no dia que conversou com a revista, tinha acabado de chegar a Moscou, onde foi recebido por primaveris 10 graus. “Essa performance tem de ser rejeitada. Se não acontecer isso, eu perco o jogo. Mas sempre me jogam fora ou não me deixam entrar.”
Ou deixam entrar por engano. A primeira apresentação do pelado na caixa ocorreu em 2015, no Palazzo Cini, em uma festa da Fondation Pinault, uma coleção de arte das mais robustas. Pavlov chegou carregado por amigos, de terno, com uma marchande liderando o grupo num vestido de alta-costura com uma fenda fatal. Sua amiga disse à brigada da porta: “Everybody step back, the artist is arriving” – algo como “Abram alas que o artista está chegando”. E não é que os seguranças abriram, e a caixa com recheio humano pôde repousar perto dos pés de Leonardo DiCaprio, Salma Hayek e Larry Gagosian, o galerista mais poderoso do mundo. Na hora de explicar como ele escolhe as festas em que será o penetra pelado, ele usa uma comparação pouco ortodoxa. “Penso igual ao terrorista, o pessoal que quer explodir e matar o maior número de pessoas o possível.”
Um ano depois, em 2016, ele tentaria repetir a sorte no jantar de abertura da Bienal de São Paulo. Chegou ao estacionamento do Parque do Ibirapuera carregado por amigos locais, como o arquiteto Marko Brajovic e o performer Rafael Menôva. Não conseguiu passar da entrada, mas foi visto pelo primeiro-ministro português, António Costa, e pela elite brasileira em peso, que não deu muita trela para seu corpo. “Foi o único lugar do mundo em que as pessoas não estavam tirando selfie. Estavam passando por cima. Daí eu percebi: é porque eu estou pelado e no chão. Como um mendigo. O pessoal no Brasil está acostumado a não notar o que está no chão.”
Dias antes de se desnudar em Nova York do Met Gala deste ano, ele estava em São Paulo, transformando uma fobia em arte. Para a performance Monumentos Temporários, apresentada em abril, ele se dependurou de um guindaste sobre o Museu de Arte Contemporânea, também no Ibirapuera, e ficou lá, a 45 metros de altura, por sete horas.
A estranheza é a regra das performances, arte a que ele se dedica há nove anos, depois de ter sido modelo em Paris e cantor de hip-hop na Rússia. Para outra obra da mesma série, Monumentos Temporários, ele se prendeu, nu de novo, a uma placa de rua no Rio com uma corrente no pescoço, e ficou sentado na esquina como veio ao mundo. Em outra, mais recente, trepou num coqueiro (pelado) e subiu, pelado numa árvore de 10 metros de altura. “A arte, para mim, tem de ser tragédia ou circo.”
Mas a vida dele não costuma ser tragédia nem circo. Quando não está criando, o loiro de 1,90 metro e uma tatuagem estratégia sob o umbigo, pode ser visto no Rio de Janeiro fazendo hatha yoga com uma flexibilidade (e um abdome) de dar inveja a Madonna. Meses atrás, foi visto na praia do Posto 10 suspendendo o corpo todo por uma mão só, apoiada na areia, enquanto suas pernas davam um nó no torso. Nove anos atrás, ele chegou por aqui, sem as malas, perdidas pela companhia aérea, e pensando que o espanhol fosse a língua oficial do país. Assim que saiu às ruas, sentiu um ar do tipo “estou em casa”. Em poucos meses, trocou a casa em Moscou por uma em Ipanema, onde passa quase metade do ano. Na outra, se divide entre Londres, Nova York e a terra natal, onde está sua família, que hoje é parte da realeza cultural russa.
Fyodor é filho de Ludmilla Petrushevskaya, uma escritora quase octogenária que só veste preto e está na lista de cogitados para o Prêmio Nobel há anos por conta de seus contos de fadas transportados para a realidade soviética. Mas nem sempre foi assim: “A obra da minha mãe era proibida. O primeiro livro saiu quando ela tinha 50 anos, e eu, 12. Até então, morávamos oito pessoas num apartamento de dois quartos. Total favela”. Ele se lembra de um Réveillon em que só havia na geladeira da família duas batatas. Por conta disso, diz que nunca vai pensar como um rico.
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