Publicidade
Créditos: Marcelo Camargo Agência Brasil
Créditos: Marcelo Camargo Agência Brasil
Créditos: Marcelo Camargo Agência Brasil

 

Quando o assunto é se comunicar, o presidente Michel Temer está mal assessorado e não anda conseguindo transmitir suas ideias com clareza.  Muito do que ele diz— e também do que não diz— acaba sendo distorcido e rende pano para manga na imprensa e nas redes sociais. PODER ouviu especialistas que propõem algumas soluções para evitar tantos mal-entendidos

Por Paulo Sampaio para a Revista PODER de fevereiro

Uma possível falha no extenso currículo do presidente Michel Temer é não ter assistido (atentamente) à Buzina do Chacrinha. No programa de apelo popular, o Velho Guerreiro ensinava: “Quem não se comunica, se trumbica”.  Exibido nos anos 1970, o Buzina era dirigido especialmente ao povão, mas visto também por uma parcela da intelectualidade brasileira que se considerava cult. Pois em oito meses de mandato, Temer não conseguiu sensibilizar nem um grupo nem outro. Na verdade, não convenceu ninguém.  O presidente da República fala quando é pra ficar quieto, faz silêncio quando deveria se manifestar, muda de ideia nas horas mais impróprias e, no fim, quase sempre volta atrás.  Boa parte dessas saias justas são promovidas pelo próprio ministério, constituído por amigos cujo notório envolvimento em episódios de corrupção expõe ainda mais o governo. Como são todos velhos camaradas, ele se sente na obrigação de acudi-los. Nessas ocasiões, usa um linguajar rebuscado, arcaico, e apela para a solenidade ao defender o indefensável. A sociedade não engole. Para piorar, Temer não tem talento para fazer declarações espontâneas, como Lula, nem a oratória de Fernando Henrique Cardoso. Em uma de suas últimas declarações infelizes, chamou o massacre que deixou 56 mortos em uma penitenciária de Manaus, em janeiro, de “acidente pavoroso”. Acidente?

Para analisar o ruído que ameaça a credibilidade do presidente da República e saber se há saída em um caso como dele, PODER ouviu especialistas na área de comunicação. Vera Chaia, professora de política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), acredita que Temer subestimou os obstáculos que enfrentaria. “Ele achou que seria muito fácil. Estava cercado de amigos no ministério, todos articulando para o governo… Só que aí percebeu que não dava para se manter no cargo apenas fazendo política. A comunicação com a sociedade era fundamental. Ele sentiu isso quando os próprios amigos começaram a comprometê-lo. Quantos ministros caíram nesses oito meses, acusados de corrupção? (Seis.)” Para Vera, acima de tudo, “o grupo que o assessora não está conseguindo transmitir ‘boas notícias’”. “Se existe, por exemplo, uma política econômica importante, isso não está sendo passado para a população.” Em primeiro lugar, segundo ela, a equipe não deve se restringir a fazer comunicados à imprensa, mas procurar ter um relacionamento próximo com a mídia e articular com os jornalistas as falas de Temer. Uma iniciativa urgente, para a professora, é evitar que ele faça declarações de improviso. “Se eu fosse conselheira do presidente, não o deixaria dizer nada espontaneamente. No caso dele, tudo precisa ser pensado, racionalizado.” Ela considera inconcebível a reação do presidente em relação à queda do avião que levava o time do Chapecoense, em novembro, na Bolívia. O presidente viveu publicamente um impasse: não sabia se ia ao velório dos jogadores ou não. Enquanto resolvia, deu tempo à imprensa de elucubrar sobre seu ‘medo de ser vaiado’. Uma coisa dessas não pode sair no jornal”, diz Vera.

EM BOCA FECHADA

Não era a primeira vez. Na abertura da Olimpíada do Rio, no Maracanã, veiculou-se amplamente que o presidente estava com receio de ser mal recebido pelo público que lotava o estádio. Na hora, seus assessores cuidaram para que não o anunciassem pelo nome. A divulgação prévia desse temor só fez piorar a situação. No fim, ele acabou dando a ideia da vaia. “O Temer sofre de ‘brochada precoce’, um estágio anterior ao da ‘ejaculação precoce. Ao menor sinal de receio, ele diz: ‘Não vou fazer, vou embora’. A quantidade de recuos é muito grande”, acredita o professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Emmanuel Publio Dias. Para ele, “o governo não entendeu ainda como está funcionando a opinião pública”. Ele se refere também aos ataques incontroláveis nas redes sociais. “Um político de gabinete, como o Temer, que se acostumou a articular com parlamentares, não tem ideia de como funcionam os relacionamentos fluidos nas novas mídias. Ele e sua equipe não se comunicam com essas tribos, não sabem nem como chegar nelas.” Dias acredita que, por outro lado, o presidente “não está nem aí pra isso”: “Ele já abriu mão da proposta popular. Colocou na cabeça que tem de chegar ao fim do governo e ser lembrado pelo que fez”.

A vaidade de estar no poder e de ser lembrado é, ao que parece, um ponto de sustentação importante para quem (mal) se equilibra em uma corda bamba. De acordo com a professora-pesquisadora de ciência da comunicação da Universidade São Paulo (USP) Sidineia Freitas, que no fim dos anos 1980 produziu uma análise do serviço público sob a ótica do poder, o assunto envolve carência afetiva, “inclusive na infância”. “Mesmo que de forma falsa, essas pessoas são amadas, aduladas, respeitadas e não conseguem deixar o cargo por iniciativa própria. É viciante.” Assim como os outros entrevistados, Sidineia acredita que a vontade de ser poderoso não basta para resolver os enormes problemas de comunicação de Michel Temer. “O presidente pode até melhorar, mas bom, bom mesmo, ele não vai ficar não.” Para ela, a questão é tão grave que começa já na expressão facial. “Ele é muito elegante, culto, fala baixo, mas tem aquele olhar de águia. E não consegue disfarçar.” O anacronismo na linguagem de Temer é, segundo ela, um complicador. Para Sidineia, a classe política sofre uma deficiência histórica na área de gestão pública. “É tudo muito burocrático, cansativo, eles acham que ganham o povo na lábia.” Um exemplo de falta de expediente no governo Temer, segundo ela, é a ausência de integração na comunicação dos ministérios: “O que um diz, o outro nega, depois volta atrás, uma confusão”. O resultado do estudo de Sidineia não foi muito alentador. De acordo com o que ela descobriu, o presidente vai insistir em ser amado, apesar de ostentar um índice de reprovação de 51% dos eleitores. A notícia boa (para ele) é que a Buzina do Chacrinha está disponível no YouTube. Nunca é tarde.

VOCÊ TAMBÉM PODE GOSTAR

Instagram

Twitter