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Flavia Cymbalista aprimorou sua técnica com George Soros, o megainvestidor || Créditos: Karime Xavier

Com um método nada ortodoxo, Flavia Cymbalista ensina empresários, executivos e operadores do mercado financeiro a seguir a intuição na hora de tomar decisões. Exatamente como faz o célebre megainvestidor
George Soros, com quem ela aprimorou sua técnica

por Paulo Vieira para a revista PODER de dezembro

Tudo o que um experimentado operador do mercado financeiro não precisa é de alguém que lhe ensine a dar palpites. Dar palpites, afinal, é a essência de seu trabalho. Mas quando a paulistana Flavia Cymbalista é contratada, é isso o que se espera dela. Especializada em incerteza – em seu site consta exatamente isso –, Flavia desenvolveu um método que ajuda operadores, empresários e executivos na hora H: a da tomada da decisão. Pode ser uma decisão pontual, como quando é o caso de aliviar no hedge e entrar com os quatro pés nos derivativos, por exemplo. Ou uma medida mais extrema: fazer o velho capitalista entender que já passou o tempo de pendurar o paletó e de passar o comando da empresa que fundou para outras mãos.

Formada em ciências econômicas pela Universidade Livre de Berlim e com pós-doutorado em psicologia cognitiva pela Universidade da Califórnia, em Berkeley, Flavia aprimorou seu conhecimento com alguém que sabe como poucos, ou, melhor dizendo, que sabe como ninguém ganhar dinheiro: o investidor norte-americano nascido na Hungria George Soros, ex-garçom que estreou em Wall Street com um pequeno fundo de hedge e que hoje é dono de um patrimônio de US$ 24 bilhões. Soros é famoso por ouvir seu instinto, o  chamado “gut feeling”, na expressão em inglês. E embora tenha desenvolvido um corpo teórico e publicado livros para dar aos mortais um mapa de seu  “how to”, é uma dor nas costas, segundo seu filho Robert Soros, que informa ao bilionário que a decisão que ele está prestes a tomar não é a mais adequada. Flavia conviveu com Soros para escrever o texto acadêmico: How George Soros Knows What He Knows e, desde  então, vem ajudando os próprios clientes a ouvir sua intuição – que se manifesta não necessariamente por uma dor nas costas.  Há um comentário do mestre no site de sua pupila, aliás: “O trabalho de Flavia traz insights interessantes para o papel da intuição na tomada de decisão em momentos de incerteza. Ele ajuda a entender como teoria e instinto trabalham juntos (em tradução livre)”.

O PONTO DE CADA UM

Flavia viveu a última década entre Palo Alto, na Califórnia, Bali, na Indonésia, e Nova York. Conta que atendeu o cliente, presencialmente ou não, em Cingapura, Hong Kong, Londres e Estados Unidos. Mas agora decidiu, pela primeira vez em sua “vida adulta”, como diz, morar no Brasil. “O Brasil e o jeitinho brasileiro têm tudo a ver com a incerteza”, disse em entrevista a PODER em seu apartamento, nos Jardins, em São Paulo, quando ainda não se vislumbrava no horizonte a queda do ex-ministro Geddel Vieira Lima, da Secretaria de Governo, nem o envolvimento do presidente Temer com o affair, só para citar o imbróglio mais quente de Brasília daquela semana.

Mas as incessantes mudanças políticas que tumultuam e contaminam o ambiente econômico brazuca e parecem fatos antiquíssimos já no dia seguinte não têm qualquer relação com o trabalho de Flavia. Teóricos da ciência econômica também não dão as caras quando ela precisa explicar seu método, mesmo a incerteza aparecendo com força na obra do britânico John
Maynard Keynes (1883-1946), um dos santos maiores da economia. O que Flavia propõe é que o interlocutor busque em seu próprio corpo indícios de que aquela decisão que está por ser tomada  “cai” bem ou não. Não precisa ser a dor nas costas de Soros. Basta uma cisma, um desconforto, um je ne sais quoi, uma dissonância, ou, para citar a própria autora, um “UHM”, a onomatopeia que usa para explicar aquilo “que todo mundo sabe”. E aquilo que todo mundo sabe leva, escolhida a melhor decisão ou não, a gente a dizer “eu já sabia” ao fim do processo. Explicado assim, procurar esse UHM pode soar completamente etéreo, lembra o “ache seu ponto”, a primeira lição que o mítico índio Don Juan propõe ao escritor e antropólogo peruano Carlos Castaneda no best-seller A Erva do Diabo. É aquela hora em que Castaneda é convidado a dormir no chão e, para conseguir pegar no sono, terá de encontrar a única posição confortável possível: o tal ponto.

Essa comparação é totalmente por conta do repórter. Flavia prefere pensar nos insights da iluminação budista, quando uma solução é encontrada após certo período de meditação. Só que Flavia desenvolveu seu método antes de dedicar-se mais profundamente ao estudo do budismo, particularmente o tibetano – os tibetanos, segundo ela, conhecem a mente como ninguém, têm “uma agência especial interna” na própria cabeça. Voltando ao método, ao contrário do que pode parecer, não é preciso fazer um esforço de concentração hercúleo, analisar nos mínimos detalhes cada premissa ou cada passo que leva à decisão escolhida. A análise requer outro tipo de atenção. É preciso um pouco de silêncio para “sentir o corpo por dentro” e concentrar-se na “barriga, no peito e na garganta”. Feito isso, hora de responder uma pergunta-chave: “Eu estou completamente confortável com essa decisão?”. “Se isso não for verdade, algo dentro de você irá reclamar. A sensação pode ser, por exemplo, um nó na garganta ou uma pressão no peito”, disse sobre o método.

Flavia não vê nada de irracional ou de ilógico nesse tipo de entendimento. Trata-se de exercitar outro nível de racionalidade, aquela que está “fora da caixa”. “A integração da inteligência com a intuição é a coisa mais quente que há”, diz ela, baseada em observações recentes de sua passagem pelo Vale do Silício. “Todo mundo já viveu esse UHM no corpo, essa dissonância, mas a socialização nos treina a prestar atenção na regra externa, não nesse algo interno que nos fala o que está certo.  Flavia compara esse saber intuitivo ao nosso próprio aprendizado quando bebês. “Ninguém ensina a criança a engatinhar. Ela é guiada por um UHM, UHM, UHM e assim vai.” Como tantas outras coisas na vida, o método não é infalível e deve ser observado com certa reserva. Não basta, por exemplo, achar que tudo está certo com a decisão só porque você não captou absolutamente nada em seu corpo. “Tem gente que não sente a dissonância porque não presta atenção, está com seu GPS corporal desligado”, afirma.

A incerteza tem valor ontológico na ciência econômica: para Keynes, ela irrompe de tempos em tempos, com efeitos danosos. Pode levar a uma recessão, por exemplo, quando os agentes econômicos, movidos por ela, trocam abruptamente o consumo por uma necessidade quase patológica de poupar; na física quântica, por sua vez, a in certeza define um princípio, o de que  não é possível prever com segurança a posição das partículas subatômicas. Mas a “incerteza cymbalística” bebe muito mais na técnica do “focusing”, criada pelo filósofo norte-americano Eugene Gendlin e que consiste na identificação das tais dissonâncias corporais e, a partir delas, na criação de uma tábua de símbolos ou de ideias que ajudem a encontrar a solução de determinado problema. Assim, ainda que Flavia veja na incerteza a “essência dos processos de mercado” e trabalhe com clientes que são praticamente todos da área financeira, seu método tem aplicações abrangentes. Para ela, “a pessoa fica mais calibrada e confortável para tomar decisões, como se casa ou não; se entrega ou não à polícia”. Recém-chegada ao Brasil, Flavia não está em fase de prospecção de clientes. Se estivesse, ela teria certeza – ops, foi mal –, teria indícios para acreditar que fez bem ao decidir regressar. Especialmente se esse exemplo que usou de se entregar à polícia não for aleatório.

 

 

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