Sinônimo de festa, glamour e ousadia, Régine Choukroun imperou nas décadas de 1970 e 1980 com seus clubes noturnos Régine’s ao redor do mundo. Animou muito as noites do Rio, Salvador e São Paulo, multiplicando romances e até negócios.
Por Renato Fernandes para a Revista J.P de outubro de 2016
Em fevereiro de 1974, a majestade da noite de Paris Régine Choukroun aterrissa no Copacabana Palace para passar o Carnaval no Rio. Muitos bailes e samba na avenida (na época, ainda na Rio Branco). Embora não fosse a primeira, sua passagem pela cidade lhe rendeu poses para fotógrafos na Pérgula, muito bafafá, e o que poucos imaginavam: aqui, ela fez seus planos para investir no mercado brasileiro.
O poderoso editor Adolpho Bloch viria a ser seu principal padrinho. Também da colônia judaica, era ele quem comandava as grandes revistas de então, como Fatos e Fotos, Amiga e Manchete, publicação que acabou dedicando quatro páginas a Régine em março do ano de sua visita carnavalesca. Na entrevista a Manchete, a empresária – que comandava dois restaurantes em Paris, o New Jimmy’s e o Reginskaia, e o famigerado clube Régine’s – revelou detalhes de seu público, que não era fraco: “[Aristóteles] Onassis só bebe Coca-Cola e adora olhar os pés das pessoas, Marlon Brando é sofisticado, mas fingido. Brigitte Bardot não quer que o público a veja envelhecer. Sophia Loren está sempre representando um papel e faz isso muito bem”. No entanto, por de trás do glamour, ela nunca escondeu: ralava como poucas. Gostava de trabalhar na noite, se considerava notívaga, e nunca viajava de férias, apenas a trabalho. “Criar um clube é como criar um verdadeiro bebê. É preciso conceber, alimentar, vigiar e manter em boa temperatura”, disse ela em sua biografia Régine, Me Chame pelo Meu Nome.
Uma coisa é certa: em 1976, lança seus primeiros bebês internacionais: os Régine’s do Rio e de Salvador, ambos em sociedade com a rede hoteleira Le Meridien. No contrato, em que ela entrava com o nome, know-how, decoração e marketing, constava até quantas noites por ano ela deveria estar presente nas casas. Os sócios entravam com o capital. A especialista acompanhava tudo com rédeas curtas, cuidava pessoalmente da lista dos convidados e até dos serviços de cada garçom – ela inventou o cinzeiro no centro da mesa, com água por baixo, para que eles pudessem trabalhar mais, não tendo que trocar cinzeiros a cada instante. Até patenteou a ideia e se deu bem. Tinha entre seus amigos astros e estrelas. Sinônimo de noitada inesquecível era quando as pessoas recebiam convite com sua assinatura feita à mão, seguida por um “até breve”, como se despedia.
Do Limão à Caipirinha
Nascida em Bruxelas, filha de judeus poloneses, refugiada de guerra, conheceu pouco a mãe, que foi morar na Argentina. Seu pai, Joseph, narigudo, grandalhão e galanteador, foi quem ficou com Régine e seu irmão, Maurice. O vício em carteado acabou não permitindo que Joseph cuidasse dos filhos, que acabaram passando parte da infância em pensionatos.
Sonhava em ser princesa e estrela e conseguiu mais. Foi rainha da noite e também brilhou no palco, cantando. Vendeu milhões de discos e ganhou o importante prêmio francês Grand Prix du Disque. Perfeccionista e com fama de exigente, pegava pesado no batente, em torno de 16 a 18 horas por dia, tudo para não passar as agruras do passado novamente: “Faço parte da raça das pessoas fortes, porque me fabriquei assim. Sofri muito quando criança, sofri com a guerra e decidi ser forte”, disse ela na entrevista da Manchete. “Paguei adiantado o meu preço de tristezas”, concluiu.
Aos 13 anos, perdeu a virgindade. Sempre pareceu ser mais velha do que era e fazia questão desse visual. Quando usava um penteado, levantava o cabelo alguns centímetros para isso. Sempre gostou de roupas esfuziantes, mesmo quando só podia tê-las na imaginação. Strass e boás era com ela mesmo. Aos 16, fez um pacto com a felicidade e a liberdade. Maridos, dois, filho, apenas um, Lionel. Do segundo marido, Roger, ganhou o sobrenome com o qual ficou famosa: Choukroun. Muitos a conhecem pelo sobrenome do pai: Régine Zylberberg.
Rio, Panteras e Fofocas
No Rio, em 1976, sua casa já era das mais badaladas. Situada no subsolo do hotel Le Meridien, no Leme, teve em diferentes momentos colaboradores como Danuza Leão, Katia Vitta e Claude Amaral Peixoto. Suas noites eram disputadas. A manequim Jane Bezerra relembra Régine a J.P: “Simpática, ela sempre chegava acompanhada de muitos amigos. Era uma mulher de negócios e suas festas de Carnaval no Rio ou em Salvador eram um escândalo. Fui em muitas”.
A loira de então, Monique Lafond era outra que gostava do Régine’s. Em 1981, bombando na capa da Playboy e na novela Coração Alado, de Janete Clair, era para lá que ela ia se divertir. “Todos iam. Artistas, alta sociedade e jet setters. Me lembro que, certa noite, saindo de lá o Chiquinho Scarpa me pediu uma carona. Ao entrar no meu carro, perguntou se era um Fusca e eu disse que sim. Ele me falou: ‘Não acredito, Monique Lafond tem um Fusca e eu estou andando de Fusca pela primeira vez’”, lembra Monique.
Outra loira que arrasava quarteirões era Vera Gimenez: “Lembro bem das noites da primavera e dos bailes de Carnaval que Régine produzia no clube. O mais interessante é que havia noites em que um lado da boate era o mais bacana, e ou outro não. Tínhamos de descobrir em qual iríamos ficar. A Lauretta [modelo], que trabalhou com ela, que inventou isso”, recorda Vera. A atriz Rose Di Primo emenda: “O Régine’s era tudo de bom. Era sempre lá e no Hippopotamus”. Foi na boate em questão que ela começou seu romance com Pedro Aguinaga, considerado o homem mais bonito do Brasil na época.
Entre outros frequentadores: Antonio Guerreiro com Ionita Salles Pinto e depois, com Sandra Bréa; Marlene Silva e o francês Alain Delon. As panteras do Ibrahim também adoravam o clube. Algumas festas de Carnaval não suportavam o tamanho da casa e Régine transferia a farra para o Canecão, caso da Le Cirque Fantastique, que recebeu gente como Joan Collins, Ursula Andress, Jane Birkin e Omar Sharif.
Régine, sempre profissional, nunca engoliu o prato preferido de alguns do high, os boatos e os mexericos. “A fofoca correu solta quando instalei como diretora do meu clube no Rio uma francesa magnífica… e negra! Ser recebida por uma pessoa negra era muito careta para certos cariocas. Mas ver essa pessoa recusar uma mesa ou mesmo a entrada, surpreendeu muitíssimo”, Régine fala de Lauretta da Martinica, que foi um dos ícones da casa e hoje mora em Paraty.
Guerra de Champanhe
Em janeiro de 1981, a revista Playboy com Denise Dumont na capa trazia a chamada “Ricardo Amaral x Régine, o Duelo dos Reis da Noite”, se referindo aos donos das boates mais importantes da época, Régine’s e Hippopotamus. A guerra borbulhante estava declarada. Em sua biografia Vaudeville: Memórias, Ricardo Amaral cita a concorrente mais de 15 vezes, algumas delas chamando-a de Tia Régine. Existe ainda uma reportagem na qual ele teria comparado a rede da belga, que chegou a ter 18 unidades ao redor do mundo, inclusive em Nova York, ao McDonald’s. A guerra entre os dois era fato e até saiu do território brasileiro, pois Amaral já conquistava Paris em ritmo de batucada com o Le 78, na Champs-Élysées.
Segundo o jornalista Geraldo Mayrink, os Matarazzo, os Scarpa, os Lacerda Soares, os Monteiro de Carvalho, os Gouthier, os Mendes Caldeira sempre estavam em um ou outro. “O Jorginho Guinle era o único que conseguia estar em ambos ao mesmo tempo”, escreveu ele certa vez.
O Régine’s paulista foi inaugurado em março de 1981 e o sócio era o empresário boa-pinta Naji Nahas. O investimento foi de US$ 3 milhões. Na festança de abertura da casa, um batalhão de famosos internacionais: Alain Delon, Mireille Darc, Ugo Tognazzi e Omar Sharif, amigo pessoal de Régine e Nahas. A boate era situada na avenida Faria Lima, mas desde o início passou por uma série de problemas, inclusive de zoneamento. Foi lá que a primeira-dama Dulce Figueiredo rodopiou nas pistas nos braços de Omar Sharif e as fotos pipocaram por toda a imprensa. Muita gente ia ao Régine’s, mas ele não vingou na noite paulistana como na carioca. “Não me lembro de ter ido ao Régine’s em SP e o clube estar lotado. O Gallery, da mesma época, era imbatível”, diz a advogada Maria Virginia Frizzo, que ia com a amiga Maria Leopoldina Splendore, filha de Maria Stella, ex-mulher do costureiro Dener. Maria Leopoldina ia vestida com criações do pai e pedia leite para tomar.
Derrocada
O RP da casa, Ovadia Saadia, trabalhou na filial paulistana do começo ao fim, no dia 14 de agosto de 1986. “Régine era uma dama de aço, com uma força espiritual intensa. Na noite de inauguração, fui fotografá-la dançando com Ugo Tognazzi e, no momento em que cliquei a foto, ela olhou firme em direção à lente e a câmera quebrou!”, ele conta. E se alguns diziam que o Régine’s paulista era cafona, Saadia rebate: “Era um lugar à frente de seu tempo”.
Lá, Julio Iglesias cantou com Amelita Baltar. Guncho Maciel era o promoter, e noites marcantes não faltaram. Certa vez, Chiquinho Scarpa chegou montado num tigre. O fato de a casa ter vários ambientes talvez fosse uma das razões do fracasso. “Você sai para ver e ser visto e isso impedia os que gostavam disso. Alguns colunistas massacravam a casa, e o Gallery reinava”, explica Saadia a J.P.
A promoter Vera Muller foi uma das responsáveis pela lista de convidados nos últimos suspiros da casa paulistana. A do Rio fechou em 1983 e reabriu de 1984 a 1987, mas quem frequentou lembra com mais saudade a primeira fase. “Régine tem mil vidas em uma. Sempre foi metida, insuportável e… fascinante”, completa Saadia.
Depois de sua passagem pelo Brasil, Régine viveu momentos marcantes, como a perda de sua coroa de majestade na noite, o falecimento de seu filho Lionel e a separação do segundo marido, Roger Choukroun. Viveu noites sem glamour, fez alguns procedimentos no rosto e hoje voltou a ser respeitada como cantora na França. Alguns ousam dizer que ela sonha em fazer um grande show no Rio e outro em São Paulo, e, se assim o for, fica aqui o desejo. Até breve, Régine.
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