Por Michelle Licory
“Estou no Brasil totalmente por acidente. O destino me mandou”, nos contou Bob Nadkardi, inglês dono do The Maze, mistura de clube de jazz, hostel e galeria de arte que virou hotspot no coração da favela carioca Tavares Bastos – e já recebeu Snoop Dogg, Pharrell Williams e por aí vai. Bob trabalhava na BBC em Londres e era casado com uma modelo que fez 12 capas da revista de moda mais famosa do mundo, com quem tinha uma filha. O relacionamento acabou e ele jurou que pegaria o primeiro navio que pudesse. E o tal navio estava indo para o Equador. A embarcação teve um problema no motor e precisou atracar em Salvador para reparos. Ele desceu para dar uma volta e achou tudo muito estranho. “Todo mundo maluco, homem vestido de mulher”. Era o primeiro dia do Carnaval de 1972. “Eu estava há 25 minutos em solo brasileiro e uma mulher me pegou. Me levou para o interior, onde passei dois meses com ela. Meu navio foi embora com a minha roupa e eu fiquei no Brasil com uma calça jeans e uma camiseta”.
“Fiquei apaixonado. Era Clara Nunes”
E ele foi ficando. Se mudou para o Rio. “Logo me chamaram para uma festa em uma sala sem móvel, só com almofadas. Uma mulher toda de branco com flor do cabelo começou a cantar e eu fiquei apaixonado. Era Clara Nunes! Fui conhecendo várias pessoas. Ficava tocando violão com o Caetano Veloso no camarim do Canecão [tradicional casa de shows da zona sul]…” Enquanto isso, ele virou correspondente da United Press International, depois voltou para a BBC, também como correspondente para a América do Sul, já nos anos 80. Ficou na empresa até 12 anos atrás, quando se aposentou. Sim, hoje ele mora na comunidade Tavares Bastos, mas primeiro ele fixou residência em uma vila do Leme.
“Aqui não é ensaio, é o show”
“Perdi minha casa na época da ditadura. Os militares tinham medo de mim. Eles fariam qualquer coisa pra me agradar, mas eu falava mal deles”. Pois é, Bob ainda decidiu se meter em política. “Homem completo não pode ser outra coisa. Estamos aqui, com uma vida só. Não pode jogar fora, não. Aqui não é ensaio, é o show. Depois é cerol”.
“Eu carregava saco de cimento de 50 quilos nas costas subindo o morro”
E como foi criado o The Maze? “Foi quando eu decidi me aposentar e voltar a pintar meus quadros, em 1981. Era para ser só meu ateliê, não para morar”, explica Bob, formado em Belas Artes na Inglaterra. “Mas conheci uma garota muito bonita da comunidade, acabei casando e esse virou o lar da minha família. Feito à mão, só nós. Fui eu que construí a maior parte durante 35 anos. Carregava saco de cimento de 50 quilos nas costas subindo o morro. Fiz isso milhares de vezes. Botava os tijolos… Trabalhei muito. Voltava de uma matéria ou de um documentário e construía cada dia mais um pouquinho, me inspirando nas montanhas, na floresta, na baía. E fui fazendo a casa como um labirinto, uma extensão da favela, que quando eu cheguei só tinha 400 pessoas”.
Gaudí?
Dizem que o imóvel tem um quê de Gaudí… “Todo mundo fala isso, só porque tem caquinho e é orgânico. Nunca pensei nele nem por um segundo enquanto construía. Minha casa cresce, reflete a natureza, mas a natureza daqui, não da Espanha. Mesmo assim as pessoas adoram falar isso porque parece muito inteligente”.
“Um pequeno hotelzinho que a National Geographic elegeu como o mais original do Rio”
“Em 1997, decidi abrir aqui uma galeria de arte. Fizemos um filme aqui também, ‘Dois Mundos’, que ganhou muitos prêmios nacionais e internacionais e foi usado pelo governo brasileiro para apresentar a cultura local para o mundo. Há dez anos, comecei a noite de jazz. E também um pequeno hotelzinho, que a National Geographic elegeu como o mais original do Rio. Muita gente já saiu do Copacabana Palace pra ficar com a gente”.
“Um homem Renascença que nao se limita a nada”
E o que faz um inglês jornalista de carreira internacional querer morar na comunidade? “Sou artista plástico, escrevo poesia, livros, pinto quadros. Sou e quero ser um homem Renascença que nao se limita a nada. Aqui é lindo, com as montanhas abrindo para o Atlântico. Você fica protegido, mas aberto ao mundo. É uma vista que não canso nem um dia. E esse pessoal aqui me acolheu, gente maravilhosa, todo mundo fala com todo mundo, ao contrário de Ipanema. Minha porta não tem fechadura desde que cheguei”.
“Não sabe o que está perdendo. A vida aqui é muito melhor”
Quem já passou pelo The Maze? “A favela ainda não era pacificada – odeio essa palavra – quando Snoop Dogg veio fazer um clipe. Ele estava com o Pharrell Williams, que depois voltou aqui. O Stallone é outro que já veio. O filme do Hulk também foi aqui, um calendário Pirelli [edição 2013]. E já hospedei pessoas como um diretor do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Teve até uma conferência de paleontólogos da Dinamarca aqui. É verdade que gringo se sente mais à vontade que os próprios cariocas. As favelas são muito mal faladas pela classe média. Ja gravei em muitas cadeias e lá ,cheio de gente ruim pra caramba, sempre escolhem um pra ser pior do que eles, pra se sentirem melhor. Aqui no Brasil a classe média fala mal dos favelados porque quer ser melhor que alguém. Não sabe o que está perdendo. A vida aqui é muito melhor”.
“Somos os MazeRunners e fomos citados pela Down Beat Magazine”
Mas tem brasileiro famoso no The Maze, sim. “Lembro de algumas tão bonitas… Mariana Ximenes! E aquela atriz negra linda demais… Taís Araújo. Mas ela veio com o marido, Lazaro Ramos, infelizmente. Matheus Nachtergaele também esteve aqui, insistiu em cantar com a banda”. E por falar na banda… “Eu tinha uma banda de jazz em Londres. Cantava e tocava guitarra. Era boa, mas essa se superou. Somos os MazeRunners e fomos citados pela Down Beat Magazine, a revista de jazz mais antiga. Há cinco anos estamos na lista dos melhores lugares de jazz do mundo”.
“A gente vende comida de rua indiana”
Pra completar, tem comida indiana no The Maze, sabia? Quem toca essa parte – e tantas outras – é Bruno Nadkarni, filho de Bob.”Meu pai é inglês, mas o pai dele era indiano. Fiz um curso em 2009 com uma chef de lá. E duas vezes por mês faço um almoço com pelo menos 12 pratos indianos aqui. Você come o quanto quiser. Vai ter neste domingo! E nas festas à noite a gente vende comida de rua indiana”. O jazz pode ter feito a fama do The Maze, mas Bruno, que também toca guitarra, cuida dos eventos de música brasileira da casa, com bandas independentes. Tem pra todos os gostos!
Vem dar um passeio pelo The Maze aqui embaixo, na nossa galeria de fotos!
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