Estreia nesta sexta-feira no Theatro Net Rio, em Copacabana, “Gota D’Água [a seco]”, nova versão do clássico de Chico Buarque, encenado pela primeira vez em 1975 por Bibi Ferreira nesse mesmo lugar, que antes levava o nome de Tereza Rachel. A estrela agora é Laila Garin, em performances de arrepiar, acompanhada por Alejandro Claveaux. Glamurama assistiu a um dos últimos ensaios, visitou os bastidores, o camarim da atriz, cheio de patuás como gosta uma baiana típica, e a entrevistou, sem evitar o pano de fundo político atual, perfeito para a peça. “Falo o que quiser e quem quiser associar com alguém que associe”. Laila – que já deixou plateias lotadas boquiabertas na pele de Elis Regina – não tem meias palavras, e comentou também o fato de Chico, antes quase uma unanimidade por seu inquestionável valor dentro da música popular brasileira, ter virado um personagem controverso para muitos, por conta de suas posições partidárias. “São tempos burros”. À entrevista! (por Michelle Licory)
“Quando tive minha primeira desilusão amorosa…”
“Não vi a primeira montagem, não era nascida. Mas minha mãe tinha uma K7 de Bibi Ferreira cantando e era impressionante. É um texto todo rimado, fala de coisas maravilhosas, com forma perfeita, tão bem feito que você não presta atenção na rima, parece cotidiano. Aí, na minha primeira decepção amorosa, a primeira de muitas porque, óbvio, nós somos intensas, eu já queria fazer a peça. Tinha 18, 19 anos… Fiz na faculdade. É o lugar da gente experimentar, não precisa de adequação. E esse texto é como um Shakespeare. Esse ritmo… Dizer isso com verdade, no tempo certo, foi um ótimo exercício. Wagner Moura até viu e ficou impressionado, mas ficou impressionado de ‘brodagem’ comigo porque é meu amigo. Eu era muito nova… Sou da mesma geração de Wagner, Lazaro Ramos, Vladimir Brichta. Só que eles vieram da Bahia para o Rio e eu fui pra São Paulo fazer teatro de pesquisa porque gosto dos caminhos mais difíceis”.
“Falo porque é um negócio anormal. Não é pra tirar onda, não”
“A gente teve a ideia de fazer um concentrado dessa peça, que é para 20 atores, deixar com apenas dois personagens, só Jasão e Joana [os protagonistas], potencializando esse conflito, classes sociais, homem e mulher, opressor e oprimido, rico e pobre. Enfatizando o dramático. Tem usn três ou quatro anos que começamos a captar. Foi antes de Elis, que foi aquele boom, sucesso de crítica e de público. Algo raro, nove prêmios. Falo porque é um negócio anormal. Não é pra tirar onda, não. Mas então foi coincidência o tempo das coisas, da gente conseguir montar ‘Gota’ só agora, no meio dessa crise política. Infelizmente o timing é perfeito. Falo que esse é nosso ato político coletivo porque a gente está em tempos meio destrutivos. Para afirmar algumas coisas importantes, a gente destrói o outro. Agride o outro”.
“Ele vira a casaca, trai. Quem quiser associar com alguém, que associe”
“A minha maneira de me colocar politicamente é fazendo arte. Aqui a gente fala de poder, de ambição. Jasão, para subir na vida e mudar de classe, faz uma aliança e deixa os seus, seu povo, de onde ele veio. E nao é pra fazer paralelo com ninguém, não. Mas na hora de defender os seus, Jasão não defende. Vira a casaca, trai. Falo o que quiser e quem quiser associar com alguém, que associe. É delicado dizer dessas coisas porque chegar no poder e não defender os seus… Bom, melhor falar de Joana. Joana não faz concessão, conchavo. E é radical, fica com os dela até o final e não aceita barbanhar. E paga caro por isso. A gente consegue falar dessa luta e dessa dor com uma beleza absurda, plasticidade. Tentamos puxar também o lado leve de quando ela era feliz. Da historia de amor dos dois. Porque Jasão também ama Joana. É legitimo para ele querer ficar famoso”.
“Até porque se passar uma vassoura ali não sobra ninguém e ninguém te representa”
“São tempos burros, em que a gente não percebe as nuances das coisas. Ou é coxinha, ou petralha. Como assim? Se você fala algo, entao é PT. O que é isso? Ate porque se passar uma vassoura ali não sobra ninguém e ninguém te representa. Ninguém me representa. Não sei se é uma empolgação com a liberdade de expressão e anonimato da internet… Apesar de hoje ser possível ver o IP e prender a pessoa… Mas é uma leviandade na hora de se expressar…”
“Eu não vivi a ditadura, mas minha mãe foi presa”
“Eu não vivi a ditadura, mas minha mãe foi presa. E o que se diz é muito irresponsável e feio. Não existe mais respeito com hierarquia, com o mais velho. Como assim você vai falar de Chico Buarque desse jeito? Na peça, a gente trata de ambição e poder, mas não diretamente de política, não tem partido tomado, você vai ler o que quiser. Poder, traição… Isso é atemporal. Tanto que é um clássico. Mas a gente conversou sobre isso [se o fato de ser uma peça de Chico Buarque nesses tempos tão polarizados afetaria o espetáculo, a plateia, se poderia ser rejeitada por alguns] e acho que não vai interferir dessa forma. Tem gente que acha que tem gente pelada na peça e diz que não vem. Parece que estamos andando pra trás. Mas não tem gente pelada, não. Podem vir. Meio contraditório: ou a pessoa se expressa de jeito agressivo e leviano ou tem que ser blasé e morno. Esse espetáculo serve pra gente ter catarse das nossas emoções, através da intensidade de Joana”.
“Talvez para fazer no teatro o que na vida não dá pra fazer. Você paga caro”
“Em ‘Beijo no Asfalto’, minha personagem também não era morninha. Selminha era uma dona de casa, mas se lascou. Fizeram tortura dizendo que o marido dela era viado. Ela pirou de vez e se fu***. Perdeu o marido, o pai, tudo. Tenho tendências a temperamentos fortes, é verdade. Talvez pra poder fazer no teatro o que na vida não dá pra fazer. Você paga caro. Na vida não dá pra levar tudo tão a ferro e fogo. Voce sofre demais e a vida é curta. Mas também não acho que a gente tem que ficar em cima do muro. Tem que lutar pelo que quer, só que internamente não precisa sofrer tanto. Busco me equilibrar, me acalmar, ser mais amorosa com as pessoas. Essa é a função da tragédia e do teatro, catarse, expurgar todas essas coisas. Me ajuda e ajuda o público”.
“Isso vale colocar na matéria: essa busca pela polêmica a qualquer custo é nojenta”
“O papel do artista é se posicionar com a arte, através do trabalho. Se quiser saber o que penso é através do que faço. As minhas ações é que dizem quem eu sou. Não sei se subiria em palanque. Isso depende do contexto, da necessidade. Não posso dizer que não. Minha resposta é não sei. Isso que todos querem: um sim ou um não, pegar uma frase e botar de um lado ou de outro. Isso vale colocar na matéria: essa busca pela polêmica a qualquer custo é nojenta. Estou falando do que está acontecendo agora. É uma curiosidade mórbida. É o que a gente tem de mais horroroso na natureza humana, o que faz a gente, quando está na rua e vê alguem atropelado, parar o carro para olhar o sangue escorrendo pelo corpo. Isso é péssimo e não leva pra lugar nenhum. Por isso que faço arte, por isso que canto do jeito que canto, por isso que essa peça é linda. Tem beleza sublime, é isso que a gente tem que cultivar na nossa natureza. O que está sendo cultivado agora é feio. Por isso faço coisas belas. É esse meu ato político. Meu palanque é esse”.
Vem dar um passeio pelos bastidores de “Gota D’Água [a seco]” na nossa galeria de fotos e assista a um trechinho da peça aqui embaixo!
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