A câmera abre com um homem de mais de sessenta anos, de costas, olhando a vista da janela de sua casa. Em off, ele diz algo como: “É espantoso que alguém na minha idade ainda esteja envolvido na comédia dos relacionamentos sexuais. Mas dentro do meu corpo, eu ainda sou jovem”. Esse homem é David Kepesh, interpretado pelo excelente Ben Kingsley, no filme “Fatal”, da diretora Isabel Coixet, em cartaz nos cinemas. David Kepesh é personagem do maior escritor americano vivo, Philip Roth, há muitos anos. Ele já protagonizou os livros “The Breast” e “The professor of desire”, em outras fases de sua vida, e agora aparece em “The dying animal”, adaptado para o cinema com o título de “Elegy”, um poema triste, que ganhou a terrível tradução para o português de “Fatal”.
Kepesh é professor-estrela de uma universidade em Nova Yorque, e crítico de literatura na televisão. Depois de abandonar sua família no desbunde dos anos 60, leva uma vida hedonista e está muito satisfeito com ela. Seu único vínculo estável é um caso que tem há 20 anos com Carolyn, interpretada pela musa do cinema independente americano Patrícia Clarkson, a quem encontra esporadicamente para transar. Até o dia em que, em uma de suas aulas, surge a elegante cubana Consuela Castillo, interpretada por Penélope Cruz, trinta e muitos anos mais nova do que ele, e por quem o professor se apaixona. A partir daí, o que se vê é um homem se debatendo com sua idade, seu ciúme, seus medos e a proximidade da morte. Mas não espere a enxurrada tradicional de clichês dos filmes americanos do gênero, porque esse é uma adaptação de um livro de Philip Roth.
Os diálogos são reflexivos e cheios de silêncios, com pérolas extraídas do livro, como: “O problema de amar uma mulher bonita é que você nunca vai conhecê-la. Fica tão embriagado com sua beleza que nunca chega a ela”. E como se não bastasse tudo isso, o filme ainda tem a participação de Dennis Hopper, no papel de George O’Hearm, um poeta e amigo da vida toda de Kepesh, que ilumina a tela nas suas aparições. O mais interessante da literatura é a sua capacidade de trazer as questões humanas mais profundas, numa relação íntima e silenciosa com o leitor. Roth é mestre nisso, e Isabel Coixet soube traduzir perfeitamente essa intimidade, mostrando-nos a relação do conflitado Kepesh com sua bela aluna Consuela. O laço que “Elegy” constrói com o espectador é tão estreito, que faz parecer que você realmente está lendo o livro ou vendo um bom filme americano dos anos 1970. Só que fresquinho, feito agora. Não dá para deixar passar.
Por Luciana Pessanha
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