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Andrés Sanchez no Almoço de PODER ||Créditos: Alexandre Makhlouf e Fernanda Rodrigues

 

Andrés Sanchez no Almoço de PODER ||Créditos: Alexandre Makhlouf e Fernanda Rodrigues
Andrés Sanchez no Almoço de PODER ||Créditos: Alexandre Makhlouf e Fernanda Rodrigues

 

Duro, direto e extremamente franco, o famoso dirigente do Corinthians fala sobre futebol, brigas, seleção brasileira e os planos para o mandato de deputado federal em um almoço sem espaço para sutilezas

por Fábio Dutra para revista PODER
fotos Alexandre Makhlouf e Fernanda Rodrigues

“Gislene, essa coisa do Corinthians não é comigo, não. (…) Mando nada, se eu mandasse não tava aquela m… que tá lá. Você tem de falar com o Edu. (…) O ex-jogador, sabe? Vou te passar o telefone dele.” Ao pedir licença para atender ao telefone durante o almoço no Parigi, em São Paulo, Andrés Sanchez, famoso cartola do Sport Club Corinthians e recém-eleito deputado federal, deixa claro que a maneira franca, direta e até um pouco ríspida com que se expressa vale para todos os interlocutores. “Vivemos num país hipócrita”, explica ele quando questionado sobre seu gênio. “As meninas vão de biquíni minúsculo para a praia, mas se você flagrá-las de calcinha e sutiã em casa elas correm para se esconder gritando. Eu pergunto: qual é a diferença entre biquíni e lingerie?”, segue ele – sempre com metáforas e comparações não muito elegantes.

Andrés Sanchez, um filho de imigrantes espanhóis estabelecidos no Brasil e bem-sucedidos no comércio, jamais foi bom aluno. Desde cedo fumava, bebia e frequentava o Corinthians, no qual chegou a jogar na base como lateral direito, mas sequer cogitou seguir carreira por causa da precoce boemia. Mas sempre trabalhou. E muito. Tem um tino natural para os negócios e uma capacidade de liderança rara, um grande trunfo para quem se propôs a organizar um clube que mobiliza tantos milhões de pessoas – que tem problemas, paixões e disputas internas com a mesma gigantesca proporção. Em 2007, quando assumiu a presidência do time da zona leste de São Paulo, após um período como interino, Sanchez encontrou um cenário de terra arrasada. A equipe ia mal (foi rebaixada à segunda divisão no Brasileiro naquele ano), as dívidas se acumulavam e os escândalos da gestão anterior assombravam o Parque São Jorge (o ex-presidente Alberto Dualib, padrinho de Sanchez, respondia a várias ações criminais junto com os investidores que trouxera para o clube, o mafioso russo Boris Berezovsky e seu preposto Kia Joorabchian). Era o ano do centenário do Corinthians e durante uma das comemorações a imagem de São Jorge, o padroeiro do clube, caiu e quebrou em frente às câmeras de televisão, para deleite dos torcedores rivais. Em suma: nada ia bem. Em 2011, porém, o jogo virou: o time foi campeão brasileiro; em 2012, conquistou a tão sonhada Libertadores da América e o Mundial Interclubes, títulos inéditos e as maiores vitórias que uma equipe brasileira pode alcançar.

Vestindo calça jeans e camisa social – curta a ponto de levar a pensar que sua barriga poderia aparecer caso levantasse os braços –, Sanchez, que já avisa que não pretende usar paletó e gravata no Congresso, entra no restaurante e cumprimenta cordialmente os repórteres, mas não sem intimidar: “Vamos conversar, mas sei que vocês vão colocar alguma coisa que não falei. Jornalista é f…”, cutuca. O cartola pede uma água com gás e limão espremido e segue explicando que jamais quis ser deputado, que houve pressão para que fosse candidato. A família Sanchez sempre foi ligada à esquerda e ele, que já foi comunista, entrou no PT nos anos 1980. “Um presidente que leva 30 milhões de pessoas a fazer pelo menos duas refeições por dia no Brasil já é um herói”, crava quando perguntado sobre o governo petista. “Mas tem de renovar, tem de criar novos líderes. E o Lula sabe disso”, ressalva. Aos poucos, o papo se encaminha para o futebol e ele reclama: “Mas não era sobre política?”. O repórter retruca que futebol é o grande capital político dele, que não volta a questionar. Sanchez parece confortável ao falar sobre a gestão do futebol brasileiro, seu habitat.

FORA DA CBF

Praticamente sem tocar no couvert, ele segue dura e calmamente expondo sua visão: “A CBF interfere demais, está sangrando os clubes. Vai ter de mudar. Se não por bem, vai acabar mudando por mal, uma hora os clubes não vão aguentar mais”. É bom lembrar que ele se aproximou do então presidente da confederação Ricardo Teixeira – “dizem que sou amigo dele, mas estivemos juntos duas ou três vezes na vida” – e chegou a ser apontado como provável sucessor quando Teixeira saísse para se tornar presidente da Fifa, plano jamais concretizado, mas dado como certo por 9 entre 10 jornalistas esportivos do país há alguns anos. Nessa época, Sanchez se tornou diretor de seleções da CBF, cargo do qual se demitiu antes da Copa do Mundo, quando a nova cúpula, composta pelo presidente José Maria Marin e seu sucessor, eleito mas não empossado, Marco Polo Del Nero, decidiu demitir Mano Menezes, afilhado de Sanchez, sem comunicá-lo previamente. “Eu posso ser tudo, menos rainha da Inglaterra. Eles podiam demitir, mas eu era o diretor e tinha de ser avisado. E o Felipão é um retrocesso, não é porque ganhou uma vez que ganhará sempre. Havia nomes melhores, mais modernos, como Muricy Ramalho ou Tite”, explica. Para muitos a demissão de Mano foi parte da briga política entre os dois grupos. Marin e Del Nero teriam se articulado para frustrar os planos de Sanchez de se eleger presidente da entidade. “Nunca nem fui candidato, sou o único diretor da CBF que se demitiu, isso é papo da imprensa”, nega enfaticamente. Sobre o 7 a 1 ele estabelece, sério, que nunca teria acontecido se fosse diretor: “Tem de apagar a luz do estádio, invadir o campo, esfriar o jogo”. À moda antiga.

Com a pele do rosto mais bem cuidada do que quando surgiu na grande imprensa como presidente do Timão, em 2007, o assumidamente boêmio Andrés Sanchez parecia familiarizado com o cardápio e escolheu, de cabeça, filé-mignon com salada de alface, tomate e queijo ralado, mesmo tendo dito poucos minutos antes que não frequenta “restaurante de rico”. Um prato leve para começar bem a semana na segunda-feira de sol em que conversou com PODER. Pedido feito, aproveitou para se levantar rapidamente e cumprimentar Luis Paulo Rosenberg, diretor de marketing do Corinthians à época de sua presidência, seu braço direito na gestão e visto por muitos como o grande Midas capaz de bolar estratégias de marketing vitoriosas, como o repatriamento de Ronaldo, o Fenômeno, para encerrar a carreira na equipe paulistana. Rosenberg almoçava no Parigi com Roque Citadini, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e grande rival político de Sanchez na disputa interna do clube. Sanchez chegou, inclusive, a processar o filho de Citadini por uma acusação publicada na internet. “Foi o único jornalista que processei, apesar de já terem dito muita mentira sobre mim. Aliás, jornalista não, um motoboy que tem um blog”, diz, rispidamente. (Na saída, depois da entrevista, os dois, Rosenberg e ele, seguiram conversando acaloradamente na porta do restaurante enquanto Sanchez fumava.)

||Créditos:
||Créditos: Alexandre Makhlouf e Fernanda Rodrigues

 

AMIGO DA GLOBO

As polêmicas seguem sendo enumeradas com o deputado federal minimizando uma a uma. Sobre a briga com o São Paulo (o Corinthians parou de jogar no Estádio do Morumbi, diminuindo consideravelmente a renda do tricolor), explica que é do futebol fazer um time mais forte que o rival e que isso jamais seria possível se continuassem a inundar os cofres do São Paulo. Tampouco se abalou sobre outra confusão entre ele e Juvenal Juvêncio, então presidente tricolor, a Arena Corinthians, chamada também de Itaquerão, que desbancou o Morumbi como o estádio paulista da Copa do Mundo e recebeu a abertura do evento. “A abertura precisava de uma estrutura para 250 caminhões, são milhares de jornalistas, uma coisa gigantesca. E hoje mal cabem dois ônibus. Teria de derrubar um monte de casas em volta do Morumbi, o que duvido que alguém conseguiria fazer. Além disso, o clube social deles fica dentro do estádio, que teria de ficar fechado de dois a três anos, o que deveria ser aprovado pelos sócios. Nem preciso dizer que isso nem foi levado na reunião do clube. O Juvenal, e eu já disse que ele é o melhor dirigente, sempre soube que a Copa não ia pra lá”, garante. “Tenho esse jeito de falar o que penso, mas não brigo com ninguém.”

Outra controvérsia protagonizada por Sanchez também foi reescrita: a mudança nas regras para a venda dos direitos de televisão pelos clubes. Pelo modelo antigo, as emissoras, basicamente a Globo, negociavam com o Clube dos 13, espécie de sindicato patronal dos maiores times brasileiros. No novo desenho a emissora negocia separadamente com cada clube. Resultado: Corinthians e Flamengo, por causa da expressiva audiência, passaram a levar uma fatia maior do bolo. “Não é bem assim, sempre houve quatro tabelas diferentes, a diferença é que não eram dois clubes, mas cinco os que recebiam o maior repasse. Qual é a diferença entre democracia de dois ou de cinco? A TV quer saber de share e o Corinthians tem mais torcida, tem que ganhar mais mesmo. E parem com essa história de que sou amigo da Globo, já me pegaram até chamando eles de gângsteres (em um vídeo vazado na internet, Sanchez palestrava para outros dirigentes e dizia “sou amigo da Globo, sim, mas sei que eles são gângsteres”). Quero é dinheiro pro meu clube e eles são os únicos que pagam, as outras emissoras não estão interessadas de fato”, esclarece. “Eu aceitaria que o dinheiro fosse dividido igualmente, mas a Globo que passasse o mesmo número de jogos de cada time e me colocasse no pay-per-view”, propõe, aproveitando para cravar que o buraco é mais embaixo: “Setenta por cento das coisas que falam sobre o futebol são mentira”.

Como todo bom fumante, Sanchez pede um café para fechar o almoço com chave de ouro. Nesse meio tempo ainda conseguimos conversar sobre sua fama de dom-juan. “Criaram essa fama pra mim, mas não é assim, não. Só tive duas namoradas que levei em casa, com a segunda eu me casei (ele é divorciado e pai de dois filhos). E aprendi com a minha mãe que não se fala o que você faz ou não com uma mulher. Tenho mãe e irmã em casa e não gostaria que falassem delas”, divaga. Voltamos para a política e ele retoma a tese do país hipócrita: “Não posso chamar um amigo meu de negão que vou preso, mas se o cara mata uma menina com não sei quantos tiros não vai pra cadeia”, sinalizando que deve se alinhar no Congresso à turma do recrudescimento das leis criminais. Futebol, trabalho, política. Mas e hobby? O que faz Andrés Sanchez nas horas vagas? Ele não nega o estilo e arremata: “Fumo, bebo e faço sexo quando dá!”. Não exatamente com essas palavras.

 

BOLERAGEM

“Jogador de futebol é um problema”, garante Andrés Sanchez. “Tem cara que se você não der 100, 200 mil antes do jogo ele não entra em campo”, revela, acrescentando que “acontece sempre, o tempo todo”. Ele diz que não é boleiro – “aqueles caras que ficam atrás de jogador, entrando no treino, enchendo o técnico para decidir quem deveria ser escalado” –, é dirigente. E o Bom Senso Futebol Clube (organização formada por estrelas dos gramados que visa melhorar a vida dos jogadores de futebol em temas como calendário e direitos trabalhistas)? “Esses caras têm 20 ou 30 milhões na conta e agora decidiram que vão resolver todos os problemas de uma vez, mas acabaram se perdendo. Tem lá o Paulo André que agora está processando o Corinthians. Jogadores de futebol que jogam duas vezes por semana em horários atípicos e ganham muito dinheiro são regidos pela CLT! Os clubes estão sufocados”, reclama.

HASTA LA VICTORIA

Filiado ao PT desde 1983, amigo de Lula (que para muitos é o incentivador e o articulador de sua candidatura), o recém-eleito deputado federal tem ligações históricas com a esquerda. A família toda é ligada a lutas populares. Um de seus primos, inclusive, foi, durante décadas, dirigente do Comisiones Obreras, o maior sindicato da Espanha, e ele próprio já foi até do clandestino Partido Comunista do Brasil na juventude, no ocaso da ditadura. As boas relações no PT garantiram a construção do tão sonhado estádio, a Arena Corinthians, que sem uma boa dose de vontade política jamais teria saído do papel com financiamento público e obras feitas pela Odebrecht, a empreiteira mais próxima do governo Lula. Apesar de todo esse histórico, Sanchez garante que jamais quis entrar para a política, foi pressionado a fazê-lo.

GERALDINO

A mais nova discussão dos amantes do futebol brasileiro gira em torno do formato do Campeonato Brasileiro. Muitos advogam pela volta do “mata-mata”, sistema eliminatório em que as oito equipes que mais pontuaram jogam quartas de final, semifinal e final, o que daria mais emoção ao campeonato. Os defensores dos pontos corridos retrucam que o atual sistema, em que todos jogam contra todos duas vezes e quem mais faz pontos levanta a taça, é mais justo e premia o planejamento e a organização. Pela primeira vez em todo o almoço, Sanchez foge da polêmica e busca uma posição conciliatória: “Prefiro mata-mata, mas já temos os regionais, a Copa do Brasil, a Libertadores e a Sul-Americana. É preciso ter um de pontos corridos, e é o Brasileirão”, escorrega.

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