Quem nunca passou pela frustração de prometer uma infinidade de coisas para o novo ano e não conseguir cumprir nada? Freud explica: é preciso realmente querer o que se deseja. Senão, nada feito
por Fábio Dutra para a revista PODER
A história se repete todos os anos com milhões de pessoas: à meia-noite da virada do dia 31 de dezembro para o dia 1º de janeiro faz-se uma série de promessas, estoura-se o tradicional champanhe, pulam-se as cabalísticas sete ondas e ali por meados de janeiro já é possível vislumbrar o fracassado destino das realizações prometidas. Por que será, afinal, que temos tanta dificuldade em cumprir os objetivos que traçamos? A resposta é diferente para cada um, mas a psicologia e a psiquiatria se debruçam sobre o tema há muito tempo – e são capazes de desenhar as linhas gerais da dificuldade de conciliar desejo e ação para aqueles que estão sempre descumprindo suas promessas de ano novo, conforme as características de cada personalidade.
Na verdade, os problemas começam no desejo em si, que nem sempre é a expressão do verdadeiro querer. Sem rodeios: nem sempre a pessoa quer o que deseja. Ao listar as mudanças para o próximo ano busca-se, sempre, um objetivo nobre: tornar-se uma pessoa melhor, mais cheia de virtudes. O problema é que o desejar assim, de supetão, ainda mais após algumas taças de champanhe, ancora-se naquilo que pensamos ser o esperado de nós pelas outras pessoas para, assim, sermos vistos socialmente como melhores – o que Freud chamou de superego social. Daí a convergência da maioria dos pedidos feitos. Perder alguns quilos, parar de fumar, evitar o estresse e dedicar mais tempo à família, por exemplo. Entretanto, nem sempre as ações do ano seguinte estão de acordo com esses anseios feitos sem deliberação mais aprofundada no anoanterior. Mas não há saída para isso? Claro que há: elaboração. Caso você esteja mesmo interessado em mudar, é necessário pensar com calma e elaborar a mudança desejada para premeditar as ações que devem ser feitas – ou evitadas – para atingir esse fim. Só assim o verdadeiro desejo pode se concretizar.
O processo de escolha, chamado pelos psicopatologistas de volição, possui três etapas fundamentais – e cada tipo de personalidade tropeça em alguma delas. A primeira é a deliberação, quando ponderamos os prós e os contras da escolha para afinal tomarmos uma decisão (segunda etapa). Uma vez deliberado e decidido, o objetivo está claro: hora de partir para a última etapa, a ação propriamente dita. Pessoas com personalidade mais obsessiva têm dificuldade em decidir, deliberando sempre mais e mais, pois escolher sempre implica na perda de um objeto precioso. Para o psiquiatra Pedro de Alvarenga, membro do Projeto Transtornos do Espectro Obsessivo-Compulsivo, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a perda é inevitável. “Não dá para ganhar sempre. Ou se escolhe emagrecer ou comer muito doce, não tem jeito! O problema é a ideia de que perder é ruim, sendo que a partir de uma perda se pode ganhar muito. Porém, a sociedade
atual é extremamente egoísta e voraz”, afirma o médico.
Já os impulsivos costumam agir antes mesmo de deliberar ou decidir, o que provoca culpa e os afasta daquilo que desejam de fato. É o caso das pessoas que comem um chocolate sem nem mesmo pensar se estão com fome. Não conseguem resistir à tentação. Aqui, caberia mais reflexão e preparação para a ação. Os chamados compulsivos, por sua vez, costumam ter uma vontade que não passa pelo processo normal de deliberação e decisão, que é quase instintivo – e causa sofrimento imediato caso não seja satisfeita. É o caso da dificuldade em lidar com vícios como o tabaco, por exemplo. Já os tipos depressivos ou melancólicos tendem a passar tranquilamente por todo o processo decisório, mas não costumam ter a energia necessária para agir.
É COM VOCÊ
Conhecer a própria personalidade para perceber mais claramente em qual momento está a dificuldade de mudar de atitude, elaborar de forma integrada o que de fato se quer e fazer promessas palpáveis ajudam a ter novos hábitos em 2015. “O reconhecimento da própria personalidade requer um manejo racional da subjetividade, o que pode ser auxiliado por psicoterapia”, explica Alvarenga. E disciplina é fundamental. A seguir, um guia para cada tipo de personalidade combater a própria inércia. Um ótimo Réveillon e um 2015 melhor ainda!
COMPULSIVOS – ESTÁ SEMPRE NA HORA, A TODA HORA!
Os compulsivos costumam ser acometidos por uma falsa vontade, uma espécie de necessidade que não passa pelas etapas do real processo de escolha. Saciar essa vontade, esse vício, costuma dar uma sensação de alívio momentâneo, mas gera sofrimento e arrependimento a médio e longo prazo. Exemplos: pessoas com tendência a abusos, como cigarro, álcool e compras.
QUE FAZER?
Pessoas assim devem buscar decidir o que querem de fato e agir no sentido de evitar as ações da compulsão. Para aguentar o mal-estar de resistir à tentação é necessário disciplina – e, em casos mais graves, apelar para a ajuda de especialistas. Escolher a data de aniversário de alguém querido para parar de fumar pode dar mais certo do que escolher a virada do ano – até mesmo pela ressaca do dia 1º.
OBSESSIVOS – SERÁ QUE É MESMO A HORA?
Os obsessivos são aquelas pessoas que têm hábitos e rotinas rígidas. Têm dificuldade de superar a etapa de deliberação. Decidir de fato e mudar de posição na vida gera a sensação de incompletude ou de perda de controle. Entender que a vida “é agora” e feita para “se gastar” poderá ajudar esses indivíduos a tomar as atitudes necessárias, sem pensar duas – ou mil – vezes.
QUE FAZER?
Essas pessoas precisam se convencer de que não têm controle sobre tudo – e praticar o desapego em relação à posição em que estão. Escolher é, sim, perder alguma coisa, mas para ganhar muitas outras. Terapia sempre ajuda. Nos casos do transtorno obsessivo-compulsivo, “medicamentos são seguros e têm grande eficácia”, diz o psiquiatra.
IMPULSIVOS – TEM DE SER AGORA!
Os impulsivos não têm problemas em relação ao processo de escolha. Entretanto, muitas vezes, agem em desacordo com o que escolheram porque naquele momento lhes pareceu uma boa ideia. Ou, simplesmente, são escravos do que se chama de não escolha. É o caso das pessoas “esquentadas” que brigam no trânsito e só quando chega a polícia dizem: “Meu Deus, o que foi que eu fiz?”. Agem, enfim, sem deliberar ou decidir – e muitas vezes contra o que deliberaram e decidiram.
QUE FAZER?
Para essas pessoas a saída é evitar fazer qualquer coisa não planejada, ou que não pareça muito correta na hora. Na dúvida, não aja, pense! É preciso disciplina para só agir conforme aquilo que foi traçado – e contar até dez sempre que surgir uma oportunidade para sair do script.
DEPRESSIVOS E MELANCÓLICOS – FICA PRA OUTRA HORA…
Os melancólicos e deprimidos provavelmente sabem bem o que querem para o próximo ano, como sabiam no ano passado e no anoretrasado, mas têm muita dificuldade em colocar isso em prática.
QUE FAZER?
Procurar a ajuda de um psicólogo ou de um psiquiatra é fundamental para reunir a energia necessária para assumir as rédeas da própria vida. Em alguns casos, os medicamentos podem ajudar. E exercícios físicos são sempre uma boa pedida quando o assunto é revigorar-se. Se houver “preguiça”, faça as suas promessas com amigos que também estão precisando dar uma guinada em 2015!
- Neste artigo:
- ano novo,
- resoluções,
- Reveillon 2015,
- revista poder,