Por Caroline Mendes para revista PODER / ilustração Cassiano Reis
Há cerca de oito anos, Arianna Huffington, cofundadora e editora-chefe do portal de notícias The Huffington Post, desmaiou enquanto trabalhava. Bateu com a cabeça na mesa, quebrou o maxilar e levou cinco pontos no supercílio direito. Diagnóstico: exaustão. “Aprendi do pior jeito a valorizar o sono”, disse a jornalista durante a TEDWomen 2010, conferência anual realizada nos Estados Unidos pela TED, plataforma de discussões e disseminações de ideias. Assim como Arianna, milhões de pessoas se privam de sono em todo o mundo, dormem tarde e acordam cedo em função de longas jornadas de trabalho – muitas vezes por vontade própria. “Nossa sociedade acredita que o sono é perda de tempo, um obstáculo para a produtividade. A noite se tornou uma extensão do dia, as pessoas não param”, afirma o pneumologista Geraldo Lorenzi Filho, presidente da Associação Brasileira do Sono e diretor de um dos laboratórios do sono do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP). “Também não conseguimos dormir de estresse, de ansiedade… Isso sem contar a tecnologia. Ou seja, o sono está sendo invadido de todas as maneiras possíveis.”
De fato, nunca se dormiu tão pouco. Segundo uma pesquisa feita pelo Instituto do Sono de São Paulo, os brasileiros dormem em média seis horas e meia por noite, cerca de uma hora e meia a menos que há 20 anos. Nos Estados Unidos e no Japão a situação não é muito diferente. Além da privação da quantidade de sono, há também uma perda da qualidade. “Só depois de 90 minutos dormindo é que a pessoa entra na chamada fase REM, que é a de sono profundo. Supondo que ela desperte de hora em hora – interrompida, por exemplo, por um celular que toca, vibra e acende a noite inteira –, nunca chega a essa fase, ou seja, tem uma noite de sono superficial e não descansa”, explica Sidarta Ribeiro, professor titular de neurociência da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e um dos fundadores do Instituto Internacional de Neurociência de Natal. “Isso gera consequências cognitivas negativas como perda de memória e dificuldade de fixação de experiências”, avisa.
ESTADO DE ALERTA
Uma das expressões que melhor traduzem a sociedade hoje em dia é “24/7”, abreviação geralmente usada para caracterizar um serviço que funciona “24 horas por dia, 7 dias por semana”. No livro 24/7 – Capitalismo Tardio e os Fins do Sono (Cosac Naify), que foi lançado em setembro no Brasil, o americano Jonathan Crary, professor da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos e um dos grandes pensadores das questões do século 21, defende que o sono é o único momento que não foi completamente tomado pelas demandas ininterruptas do capitalismo globalizado. Ainda. Ao longo do dia, trabalhamos, estudamos, mandamos e-mails, fazemos compras on-line, postamos nas redes sociais, assistimos a séries e filmes em streaming e acompanhamos sites de notícias em smartphones, tablets e laptops. E, à noite, quando deitamos na cama, pegamos um desses gadgets enquanto o sono não vem. Por conta disso, dormimos cada vez menos. “Tudo tem a ver com ansiedade de experiência e de informação”, resume Lorenzi.
Além de efetivamente roubar alguns minutos ou até mesmo horas de sono, os gadgets atrapalham a produção de melatonina, hormônio responsável pelo adormecer que é lançado na corrente sanguínea na ausência de luz. Como o cérebro não consegue diferenciar a luz natural da artificial (a da tela do celular, por exemplo) o corpo se mantém durante mais tempo em estado de alerta. “Antes da invenção da eletricidade, as pessoas viviam sincronizadas com o ritmo do sol. Hoje, essa barreira não existe mais e, com a internet, essa relação saiu completamente do controle”, afirma o neurocientista Ribeiro.
HORA DE DESLIGAR
Desde que sofreu o acidente, Arianna Huffington passou a militar a favor de boas noites de sono não só para melhorar a produtividade no trabalho, mas também para levar uma vida mais leve, relaxada. “Uma vez fui jantar com um amigo e ele se vangloriou de ter dormido apenas quatro horas na noite anterior. Tive vontade de falar: ‘Se tivesse dormido cinco, esse jantar estaria sendo muito mais interessante’”, contou ela, arrancando gargalhadas da plateia da TED. O executivo Tony Schwartz, CEO da The Energy Project, consultoria que presta serviços para empresas como Google e Coca-Cola, endossa o coro a favor dos dorminhocos. Em um artigo que escreveu para o jornal The New York Times ano passado, ele defende que passar menos horas dormindo e mais horas trabalhando paradoxalmente prejudica o desempenho – e muito. Para reforçar sua tese, cita um estudo realizado, em 2011, pela Escola Médica da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Segundo a pesquisa, a privação de sono custa às empresas americanas US$ 63,2 bilhões por ano em perda de produtividade.
A resposta, então, é desacelerar, relaxar e dormir. “O ideal é algo entre seis e nove horas, mas depende de cada pessoa. Alguns não precisam de tanto. Tem gente que produz melhor à noite, outros são mais matutinos, essas coisas variam”, explica Ribeiro. Dormir é uma necessidade fisiológica, logo imperativa. Portanto, um estado permanente de vigília é algo impossível de ser atingido. Os especialistas defendem que, apesar de a sociedade dormir cada vez menos, em determinado momento o quadro vai começar a mudar. “O que vai acontecer – já está acontecendo, aliás – é uma tomada de consciência individual e, aos poucos, coletiva. As empresas estão entendendo que a melhor parte do trabalho humano é o trabalho criativo. E ela, a criatividade, depende da liberdade, do bem-estar e muito do sono”, finaliza Ribeiro.
CONEXÕES PERIGOSAS
Algumas pessoas são tão dependentes de seus smartphones que interagem com eles mesmo durante o sono. Nos Estados Unidos, alguns pacientes foram diagnosticados com uma nova doença, batizada de “sleep texting disorder” – algo como “transtorno de enviar mensagens de texto dormindo”. Imersa em um estado semelhante ao sonambulismo, a pessoa desbloqueia o aparelho, abre algum aplicativo, digita o que vier à cabeça – frases sem sentido, na maioria das vezes – e envia para os amigos ou posta nas redes sociais. “Ou seja, a pessoa não desconecta nunca”, afirma o pneumologista Geraldo Lorenzi Filho, presidente da Associação Brasileira do Sono.
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