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Hélio Souto no palco na peça “A Vida Escrachada de Joana Matini & Baby Stompanato”, que fazia ao lado de Marília Pêra

Por Renato Fernandes

Hélio Souto, Marlene França e Magrit Siebert eram atores que circularam tanto nos estúdios de cinema e TV quanto nos salões do hi-society. Viveram anos flanando pelas festas do grand monde e foram tidos como aproveitadores por muitos. Mas o tempo provou o brilho e o poder de sedução deles. A seguir, a história dessas três figuras que marcaram os anos 1970

HÉLIO SOUTO, O GALÃ

Sorriso perfeito, 1,85 metro de altura e corpo definido pela natação e fisiculturismo, Hélio Souto nasceu para ser galã. Por sua vaidade e estilo de vida saudável, o carioca ganhou o apelido de Nenê Vitamina. Aos 20 anos, no fim da década de 1940, ao sair do Cine Roxy, em Copacabana, foi descoberto pelo iluminador Konstantin Tkaczenko, que o convidou para um teste. Logo, Souto ganhou um papel no filme “Garota Mineira”, ao lado de Vera Nunes, Ambrósio Fregolente e da top vedete Anilza Leoni. No início da década de 1950, assinou contrato de exclusividade com a produtora Maristela e entrou para o time dos grandes galãs do cinema nacional, que incluía John Herbert, Cyll Farney e Anselmo Duarte. Mas ele não ligava para o rótulo: “Galã é definição de artista romântico. A mim nunca atrapalhou. Acho, sim, tudo maravilhoso”, declarou no “Dicionário de Astros e Estrelas do Cinema Brasileiro”, de Antonio Leão da Silva Neto.

Em 1953, o ator participou do primeiro filme colorido do cinema nacional, “Destino em Apuros”, ao lado de Paulo Autran e Paulo Goulart. O longa ganhou o Prêmio Saci de melhor fotografia e Souto levou muito mais: luxo, poder e riqueza. Durante as filmagens, que ocorreram na fazenda da família Morganti, conheceu Maria Helena, filha do dono. Apaixonados, se casaram e foram morar em um dos prédios mais tradicionais da rua Albuquerque Lins, em São Paulo. Enquanto ela era conhecida entre a vizinhança por sua elegância, ele tinha fama de caminhar pela calçada sem olhar ao redor. E mais, causava frissons nas alunas do Sion. “Ele andava feito um cabide, sem olhar para os lados. Era um homem lindo, charmoso. Muita gente dizia que era golpe do baú, mas ele gostava dela”, relembra Anna Virginia Teixeira Leite Frizzo, uma de suas vizinhas na época. Já Anna Maria Souza Pinto Meirelles reafirma o poder de Maria Helena Morganti: “Ela era chiquérrima, sempre bem vestida e discreta. Jogava pife-pafe com minha mãe”.

E a tradutora Maria Luiza Pacheco Fernandes, colega de Maria Helena no Colégio Sacré-Coeur de Marie, relembra: “Ela era discreta e chic desde menina. O casamento foi notícia em todo o Brasil”. O fato é que, ao lado da mulher – foram 20 anos juntos –, Souto frequentou os melhores salões, festas e clubes, além de ser figura constante nas principais colunas sociais. “Ele tinha o glamour de galã. Quando vestia um terno e entrava no elevador, as mulheres paralisavam. Sempre me espelhei nele”, diz o ator David Cardoso. E o casal era festeiro: frequentava, recebia e bebia muito. Moraram em casarões nas ruas Áustria e Estados Unidos e eram presença constante no cassino do Guarúja. Seu sítio em Cotia, por exemplo, tinha 18 suítes. “Perderam fortunas como fazendas de porteira fechada no jogo”, diz Mara Cedro, apresentadora de televisão, segunda esposa de Souto e mãe de seus dois filhos, os atores Hélio Souto Júnior e Júlio Souto. “Os Morganti não eram milionários, eram trilhardários. Tinham até navio cargueiro de açúcar”, revela para J.P.

Hélio Souto e Marília Pêra em cartaz da peça “A Vida Escrachada de Joana Martini & Baby Stompanato”; o ator com Mara Cedro, sua segunda mulher, e os dois filhos

Em paralelo, a carreira de Hélio Souto ganhava cada vez mais força – e admiradores. Em 1964, ao estrelar a novela “A Moça que Veio de Longe”, na TV Excelsior, ao lado de Rosamaria Murtinho, o ator conheceu realmente a fama e passou a andar com seguranças para evitar a euforia das fãs. Certa vez, foi obrigado a se esconder em um clube em Santos, tamanho assédio. Na TV Tupi, ele também brilhou. “Ele foi meu galã em duas novelas: ‘A Inimiga’, em 1966, e ‘A Ponte de Waterloo’, em 1967. Era um amigo querido. Ele me chamava de Ava Gardner e eu o chamava de Robert Taylor”, conta a atriz Lisa Negri. Em 1969, Souto abalou a TV Tupi na novela “Super Plá”, ao lado de Marília Pêra. A química entre os dois deu tão certo que os personagens foram parar no palco.

Na década de 1970, junto com o autor Cassiano Gabus Mendes, inaugurou o lendário bar Dobrão, na alameda Lorena, totalmente voltado para o hi-society. Com o tempo, terminaram a sociedade. O bar acabou fechando – Souto era tão generoso que não cobrava nada de muitos frequentadores. Além disso, a vida luxuosa e o jogo terminaram com sua fortuna ao lado de Maria Helena e foi preciso vender, inclusive, a residência no Guarujá. Foi também nessa década que o casamento acabou. O ator enfrentou crises de alcoolismo e profissionais, chegando a beber 1 litro e meio de uísque por dia. Encarou as pornochanchadas da vida e, já cinquentão, em 1976, continuou galã no clássico “Já Não Se Faz Amor Como Antigamente”, no qual aparece de toalha dentro de uma sauna, mostrando o corpão, maduro e impecável. Foi ator convidado em “Desejo Selvagem”, de David Cardoso, ao lado da princesa Ira de Fürstenberg. Por sua participação, ganhou US$ 2 mil. Também estrelou capas de revistas pela atuação na novela global “Locomotivas”.

Por conta de seu “physique du rôle”, Souto acabava interpretando homens bem-sucedidos. Tinha cara de rico, mas nem sempre seu bolso correspondia. Em 1979, o galanteador conheceu Mara Cedro, até então famosa por sua beleza e pelo trabalho como modelo exclusiva do estilista Souto Maior. O encontro aconteceu na extinta boate Ta Matete. “De repente, estava tentando dançar quando me chega aquele Deus grego, coloca o dedo na covinha do meu rosto e diz: ‘Posso te ensinar a dançar?’”, relembra Mara. A segunda mulher do galã fez uma exigência antes de se casar, em 1982: internou o ator na caríssima clínica Granja Julieta para tratar seu vício pela bebida.

Em 1980, o ator aceitou fazer a peça “Hélio Souto, Eu Te Amo”, na qual iria aparecer totalmente nu e contar detalhes de sua relação com Maria Helena Morganti. Ao acompanhar uma leitura da obra, Mara o vetou: “Se você faz isso hoje com ela, amanhã será minha vez”, protestou. Mara e Maria Helena tornaram-se amigas íntimas. Era comum Mara recorrer à primeira esposa de Souto para interná-lo. E, como Mara não gostava de dançar, convidava a ex de seu marido para fazer par com ele. Ninguém entendia nada, mas Souto e Maria Helena passaram a ser bons amigos e ponto.

Ainda na década de 1980, Souto estrelou um folhetim e algumas pornochanchadas ao lado da atriz Zaira Bueno. Direto de L.A., onde mora atualmente, Zaira falou com J.P: “Ele era um homem maravilhoso, nos divertíamos muito na novela ‘A Filha do Silêncio’. Nos tornamos amigos, ele amava a família. Tenho muita saudade”, diz. Depois de seis anos limpo, o ator teve sua primeira recaída. Em 1987, enquanto fazia um personagem menor na novela global “Brega & Chique”, ele declarou: “Me arrependi um pouco de só ter sido ator, porque é uma profissão de altos e baixos. É uma carreira que dá muito prazer quando você está fazendo um bom papel e dá muita mágoa quando você não é chamado”. No fim dos anos 1990, voltou ao palco como parte de um casal da terceira idade em “Você Tem Medo do Ridículo, Clark Gable?”. Mas o alcoolismo acabou vencendo: Hélio Souto morreu aos 72 anos, em outubro de 2001, numa clínica de reabilitação em Atibaia.

 

MARLENE FRANÇA, A NORDESTINA

A baiana Marlene França

Foram muitos os preconceitos sofridos pela atriz baiana ao se apaixonar por um membro de uma das famílias mais importantes do hi-society paulistano. “Três anos se passaram até os Matarazzo Ippolito me aceitarem. Eu recebia, por vias indiretas, recados dos mais diversos. Na maioria deles, me recomendavam que não ficasse com Andrea, pois ele iria fazer novos estudos na Europa. Deixavam subentendido que ele merecia uma esposa melhor do que eu”, conta ela na biografia “Do Sertão da Bahia ao Clã dos Matarazzo”. Nos anos 1960, teve de engolir uma nota numa coluna social: “Cantriz da Boate Sambalelê conhece Angelo Andrea Matarazzo Ippolito. O clã Matarazzo rejeita a atriz baiana, filha de imigrantes pobres, desquitada, do tipo sertanejo”. Em 1968, depois de quatro anos de implicâncias, a família Matarazzo recebeu a esposa de Andrea numa festa em sua mansão na avenida Paulista. A única que aceitou a atriz logo de cara foi sua cunhada Maria Thereza Ippolito.

Nascida em Uauá, em 1943, Marlene teve uma infância pobre. Ainda adolescente, a filha de lavradores vendia doces nas feiras de Salvador quando foi descoberta pelo diretor Alex Viany. Veio para São Paulo disposta a realizar o sonho de ser atriz. Conseguiu uma ponta em “Fronteiras do Inferno”, de Walter Hugo Khouri. Ao perceber as dificuldades da carreira, se enveredou pela montagem de filmes. Pelo tipão brasileiro, atuou como garota-propaganda. Mas foi em 1959 que ficou nacionalmente conhecida pelo filme “Jeca Tatu”, com Mazzaropi.

À esq., Marlene França em seu casamento com Angelo Andrea Matarazzo Ippolito, na Igreja de São Pedro e São Paulo. Ao lado, o casal que chocou o hi-society paulistano

Antes de Matarazzo, Marlene foi casada com o diretor Milton Amaral, por pouquíssimo tempo. Mas a paquera e as investidas de Andrea deram certo: “Meu relacionamento com ele foi ganhando corpo e uma imensa paixão nasceu entre nós”, diz Marlene em sua biografia. E, mesmo depois de casada, a atriz continuou a filmar sem parar. Em 1974, ela foi a estrela do filme “Caçada Sangrenta”, produção de David Cardoso. “Ela era uma atriz de cinema. A lente captava sua essência. Era nota 10. Tinha um quê de Sophia Loren”, conta Cardoso para J.P. E a atriz Elsa de Castro complementa: “Marlene era alto-astral, colorida. Um ser humano maravilhoso”.

Com Andrea Matarazzo teve três filhos, mas um deles, André, faleceu ainda jovem de overdose. Uma das meninas é especial. Depois de residirem anos numa mansão no Morumbi, Marlene e o marido mudaram para um sítio em Itatiba, interior de São Paulo. Lá, frequentavam o spa Sete Voltas, de Myrian Abicair. “Eles eram ótimos. Poucas vezes na vida vi uma mãe como Marlene”, relembra Myrian. Aos que pensam que ela virou esnobe ou arrogante por assinar Matarazzo, Myrian é taxativa: “Marlene nunca perdeu a simplicidade. Tratava todos da mesma maneira”. Marlene França faleceu em setembro de 2011, após um ataque cardíaco, aos 69 anos.

 

MAGRIT SIEBERT, ANJO LOIRO

A catarinense Magrit Siebert

Nascida em Santa Catarina, mas radicada em São Paulo, Magrit Siebert bem que tentou fugir dos holofotes, mas não faltaram convites para capas de revistas e papéis na televisão. Ela declinou, inclusive, o desafio de ser a protagonista de “Anjo Loiro”, de Alfredo Sternheim (em seu lugar, outra loira vinda de Blumenau: Vera Fischer). Mas o assédio continuou e, em meados dos anos 1970, Magrit já era um grande nome: fez 35 comerciais e sete longas. Com o diretor italiano Alberto Pieralisi, protagonizou “Essa Mulher É Minha… E dos Amigos”. Também virou musa do diretor Clery Cunha – o cineasta até hoje a convida para filmar. Com o rei do bangue-bangue nacional Tony Vieira, atuou em “Um Pistoleiro Chamado Caviúna”. Porém, foi outro Tony que ganhou seu coração: o “quatrocentão” Antonio de Toledo Lara Neto, mais conhecido no high-society como Tony Lara.

Desde que conheceu Magrit na boate Cave, espécie de “after hours” na rua da Consolação, Tony Lara ficou louco pela atriz e iniciou uma longa conquista. A história engrenou em Paris, durante uma temporada em que ela passou na cidade disposta a dar um tempo do rótulo de sex symbol. Ali, recebeu a visita inesperada e tudo mudou. Não estava nos planos da atriz casar e muito menos ter filhos, mas, dois anos depois, ela e Tony estavam morando em uma enorme residência no Jardim Europa com oito funcionários e mais de uma Mercedes na garagem. “Ele foi muito ousado, pois nunca se preocupou em casar com uma atriz de cinema nacional, o que não era bem-visto”, atesta ela. Se houve preconceito? “Foi velado. Porém, certa vez, no Jockey, estávamos com o ator Omar Sharif e uma socialite começou a contar para Sharif, em francês, que eu era de outra origem.” Mal sabia que Magrit falava a língua.

Magrit Siebert em capas de revistas e, com Antonio Fagundes, na pornochanchada “Eu Faço… Elas Sentem”

Ao lado de Tony, além de rodar o mundo, frequentava suas fazendas de cavalo e até ajudava a criar os quatro enteados. Tiveram duas filhas e viveram 12 anos juntos. “A família Lara sempre me aceitou muito bem. Minha sogra Odila me protegia, era minha amiga e me ensinava a agir na alta sociedade. Foi a mãe que eu perdi cedo”, conta com exclusividade para J.P.

O casamento, segundo ela, terminou por incompatibilidade de gênios – Magrit nunca foi de engolir sapos. Sobre possíveis arrependimentos em torno de bens materiais, ela é enfática: “Não tenho arrependimento algum. O que eu poderia ter feito era não abrir mão da minha carreira e continuar o meu casamento.” E, mesmo com novos romances e propostas de casamento, inclusive com outros quatrocentões, ela se manteve autêntica. “Tive outras histórias, mas casamento foi só um. Frequentar a alta sociedade nunca fez minha cabeça. Gosto de uma vida sem frescuras, fofocas e falsidades. Tive muitas amigas que circulavam comigo pelo status. O que me preocupo agora é com minha autobiografia”, finaliza. Bombas, a gente sabe, não irão faltar.

 

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