1. A Espanha caminha para ser o exemplo clássico dos problemas que podem ser criados quando o Governo assume compromissos permanentes confiando em receitas que variam com a conjuntura econômica. No momento em que o primeiro ministro José Luiz Rodrigues Zapatero (do Partido Socialista) tomou posse, no primeiro trimestre de 2004, a situação econômica espanhola era invejável. A Comunidade Econômica Europeia ia de vento em popa, surfando a grande expansão mundial de 2002 a 2007. Tudo indicava que seria um progresso contínuo: nem uma pequena nuvem sinalizava para a possibilidade do desastre que ela hoje está vivendo e, com ela, a própria Espanha, hoje incluída no acrônimo desrespeitoso (pelo menos em inglês) de PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha).
2. Um dos programas de Zapatero era construir a Espanha como o exemplo da necessária conversão energética do século XXI: caminhar do petróleo para energias renováveis. A Espanha é particularmente favorecida pela luz solar e Zapatero embarcou num programa ambicioso (que em 2004 parecia facilmente financiável) de desenvolvimento de energia renovável, da ordem de 8,5 bilhões de dólares, com ênfase na energia fotovoltaica. Atraiu a atenção de dezenas de milhares de investidores, inclusive pequenos agricultores. O custo de MW/hora previsto seria quatro vezes maior do que o das usinas a carvão usadas na Espanha pela ampla disponibilidade desse recurso. Para viabilizar o programa, o Governo comprometeu-se com os investidores a pagar, durante 25 anos, uma “tarifa solar” igual a 10 vezes a tarifa da energia até então produzida. Além disso, criou um pacote de subsídios da ordem de 4,5 bilhões de dólares para estimular a adaptação da indústria automobilística, dentro do qual se inclui um prêmio de 25 mil dólares destinado aos compradores de automóveis elétricos.
3. A folga financeira era tanta e as expectativas tão róseas (os governos sempre pensam que o vento de cauda vai continuar até o fim dos tempos), que Zapatero lançou, também, um programa para dotar a Espanha de uma rede de 10.000 quilómetros de ferrovias de alta velocidade, ao qual alocou a bagatela de quase 350 bilhões de dólares.
4. A crise de 2008 está exigindo uma dramática redução das despesas do governo. Todos os investidores dos dois (e outros) programas estão sob grave estresse. Há poucos anos estavam no maior entusiasmo quando Zapatero, como bom “promoter”, anunciava ao mundo que a Espanha seria líder mundial na produção de equipamentos para geração de energia renovável e de transporte rápido.
5. Agora coube ao ministro espanhol da Energia e Indústria, Miguel Sebastián, comunicar aos que foram enganados com os programas (como aconteceu com o álcool no Brasil, após 1984) que “vovó subiu no telhado”! Infelizmente a situação mudou e o governo (como de costume) vai safar-se empurrando, mais uma vez, o prejuízo sobre o setor privado que nele acreditou…
Por Antonio Delfim Netto