A socialite carioca Fernanda Basto abre seu apartamento na avenida Atlântica para mostrar, com a mãe, Marlene Rodrigues dos Santos, que a finesse tem um componente genético
Por Paulo Sampaio para a Revista J.P de fevereiro
O trabalho que a elegância dá. Nunca a socialite Marlene Rodrigues dos Santos fez tanto esforço para entrar em um vestido como naquele Givenchy que ela usou em um baile de gala em Nova York. Sozinha no apartamento da família, precisou chamar a mulher do zelador para ajudá-la a encarar a intrincada estrutura do modelo, cheia de amarras justas por dentro. A fim de garantir que tudo acabasse bem, sem correr o risco de ficar entalada, Marlene praticamente jejuou naquele dia. Uma vez instalada na engenhoca, ela precisava decidir como iria para a festa. Pensou em pegar um ônibus, no qual poderia ficar de pé, parada, mas preferiu ir andando. Foi tipo tarefa de gincana, mas valeu o sacrifício. O vestido fez um sucesso incrível, Marlene foi elogiadíssima, voltou feliz da vida pra casa. Só que não podia dormir dentro dele. E como despir-se? A mulher do zelador já estava no sétimo sono. Sobrou o próprio. Mas será que ela se sentiria à vontade em ficar nua na frente dele? Não. Para evitar o constrangimento, se enrolou em um visom e desceu à portaria. Muito habilidoso, o zelador conseguiu retirar cirurgicamente o Givenchy, cobrindo a ilustre moradora à medida que a despia. Final feliz.
“A elegância das mulheres na família da Marlene segue uma linha genética direta”, diz a colunista carioca Hildegard Angel, referindo-se à filha de Marlene, Fernanda, e às netas, Constança e Georgianna. Hilde ressalta que, apesar de todas usarem o closet da matriarca, nenhuma delas sai na rua como se fosse cópia da outra. “A Marlene tem um estilo próprio; a Fernanda, outro completamente diferente; e a Constança e a Georgianna, cada uma o seu. Isso é muito raro!” No dia do ensaio para J.P, Fernanda abriu a porta de casa vestindo uma calça Yves Saint Laurent preta e uma camisa Chanel pink com apliques nos ombros. Marlene chegou um tempo depois, a bordo de um confortável conjunto de seda Gianfranco Ferré – nada de apertos desta vez. Lembrando um pouco as personagens ricas que a atriz Nathália Timberg faz nas novelas de Gilberto Braga, Marlene lança mão de gestos que buscam reforçar expressões como “chauffeur”, “Pucci” e “Nova York”. O ar-condicionado não está 100%, e a leva a lembrar-se de que passou muito calor no Egito, onde fazia 52 graus, “mas o clima é seco, e de noite esfria, ninguém fica desesperado”. “Aqui no Rio, o salto gruda no asfalto, um horror!”
Marlene nasceu no Espírito Santo, estudou em colégio de freiras, mudou-se para Goiás para fazer curso superior de enfermagem, meteu-se em política estudantil (“Comunista, não! Nem fale esse nome! Nunca fui a favor deles!”) e chegou a ser diretora da União Nacional dos Estudantes (UNE) do estado, na década de 1940. “Eu era muito faladeira”, recorda. Para ela, o Brasil precisa “limpar” o cenário político do PT: “Eles se tornaram habitués em corrupção”, diz ela, com um linguajar próprio de quem frequenta a alta sociedade. Marlene conta que conheceu o advogado português Antonio da Graça Rodrigues dos Santos, seu marido, em uma das reuniões das UNEs de todo o Brasil, no Rio. Ex-seminarista, ele “mais tarde descobriu que gostava mesmo era de finanças” – e chegou a tornar-se banqueiro. Muito viajada, houve um tempo em que Marlene morava três meses por ano em Nova York. Acontece que ela sempre se considerou mais “rural” do que “urbana”, e isso levou seu marido a presenteá-la com uma fazenda no Espírito Santo. A princípio era de gado, mas então foi transformada em uma imensa plantação de café. Marlene ia pessoalmente ver como estava o milhão de pés plantados. “Apesar dessa ligação com o estado, mamãe não permitia que nós falássemos com sotaque de capixaba, nem de mineiro”, conta Fernanda.
CLOSET COMPARTILHADO
O closet de Marlene é frequentado por todas as mulheres da família, incluindo, claro, as netas: “Quando a Constança usou um Halston meu em uma festa na Itália foi uma loucura. Parou a festa. Todo mundo queria saber onde ela tinha conseguido aquela relíquia.” O guarda-roupa é composto de “peças eternas ou assinadas”: “Não tem nada de lojas de departamento aqui”, avisa. Marlene é observada com admiração pela filha. Fernanda é alta, 1,75 metro, e fala baixo. Pele muito branca, cabelo long bob preto-avermelhado, ela é o exemplo acabado da colunável carioca. Faz o tipo que congela a expressão quando sorri e, não raro, se entrega a devaneios. Ao posar com Marlene para estas fotos, ela lembra a mãe de endireitar a coluna para disfarçar a escoliose: “Quando a Paula (outra filha) nasceu, mamãe passou não sei quantos meses engessada, não é, mamãe?”, pergunta ela, muito leve. Logo em seguida, comenta uma foto dela pendurada na parede da sala: “O (fotógrafo Luiz) Garrido queria que eu ficasse nua. Eu disse (desconcertada): ‘Nua??! Não, imagina!’”. O jeito foi se embrulhar em uma echarpe de tafetá. Na foto em preto e branco, meio vintage, ela aparece esparramada em um sofá, olhando de lado para a câmera, as pernas cobertas apenas até o começo das coxas, os pés cruzados.
SUPER BONDER
A propósito, Fernanda garante que Marlene “veste” echarpes melhor do que ninguém: “A gente comenta que mamãe usa Super Bonder para mantê-las fixas no ombro, é impressionante, ahahahehehihi.” Apesar da atmosfera alegre, nem tudo foi motivo de riso na história dos Rodrigues dos Santos. Em 94, a família sofreu com a falência do antigo Banco Atlantis, comandado por Antonio da Graça, seu filho e genros. A Justiça os condenou em 2014 a indenizar uma massa falida em mais de R$ 112 milhões. Mas ninguém ali quer falar de assunto triste. O máximo que se consegue arrancar de problemas, durante a entrevista, é a história de uma lastimável mancha de vinho num vestido John Galliano, que obrigou Marlene a levá-lo para lavar em Paris: “Não há um lugar no Brasil que faça esse serviço com o cuidado que eles têm lá. Eu uso aquela lavanderia perto do ‘Plazá’. Eles cobram 100 euros, mas é praticamente uma restauração. Conseguem até desencolher as roupas!”. A mancha foi produzida em uma das raras vezes em que Fernanda (ou Marlene? Constança? Georgianna? Quem estaria usando o vestido?) tomava vinho. Elas dizem que não são de beber. Fernanda, que pesa parcos 57 quilos, até gosta de tomar cerveja, mas o levedo a deixa com as juntas inchadas. “Não consigo dobrar os dedos”, lastima, enquanto abre e fecha a mão várias vezes. “Sal eu não como desde os 15 anos.” O “engraçado”, diz, é que com champanhe isso não acontece. “Posso beber uma garrafa que fico bem.” Ó! Saúde!