Sucesso em “A Dona do Pedaço”, Suely Franco manda a real para a revista J.P: “Todos os que vivem o mundo das artes têm medo da velhice”

Suely Franco em diversos momentos da carreira || Créditos: Reprodução / Divulgação

Diva sagrada do teatro brasileiro, Suely Franco transborda talento e modéstia – às vezes até demais. Na vida não se faz de estrela, coleciona piadas e não gosta de falar de amores do passado.

Por Renato Fernandes para a revista J.P

Em 1974, uma atriz explode na novela ‘O Espigão’, de Dias Gomes. Era Suely Franco, que, ao contracenar com Milton Moraes, desbancou as protagonistas da trama. “Ela engoliu todas as atrizes interpretando Cordélia. Foi a estrela absoluta, apagou todas”, relembra o fotógrafo da cena teatral carioca Sílvio Pozzato. O motivo era claro: nos anos anteriores, Suely havia se consagrado na cena teatral e migrou para a TV como uma das melhores atrizes do país. Em 1972, por exemplo, ao estrelar a comédia musical ‘A Capital Federal’, encantou os críticos e o público. O papel de Lola, uma coquete, do texto de Artur Azevedo, não era para ser dela, mas com ele teve sua grande chance. “O espetáculo não seria o que é sem a presença de Suely Franco, uma Lola admirável que seduz a plateia pela comunicabilidade, pela bonita voz de soprano, pela malícia carioca e por seu domínio cênico”, escreveu naquele ano o papa dos críticos Sábato Magaldi. Não à toa, levou o prêmio Molière para casa, desbancando nomes como Beatriz Segall. Em 1974, outra oportunidade: substituiu, pouco antes da estreia, Marília Pêra no musical Pippin. Marília teve de deixar o elenco por causa da gravidez e mais uma vez Suely arrasou ao lado de um jovem Marco Nanini. Logo, ela já apareceria em capas de revistas e viraria nome conhecido em todo o Brasil.

Sem Estrelismo

“Suely é a antiestrela. É dona de um talento absoluto e isso, é claro, causa inveja de algumas colegas”, descreveu o autor Simon Khoury na série ‘Bastidores’, que lançou 38 livros sobre os grandes nomes do teatro brasileiro. A afirmação faz sentido. No dia a dia, Suely prefere levar a vida com humor e foi assim que recebeu J.P em seu apartamento com vista para o jardim do Palácio do Catete, no Rio de Janeiro. “Não, não me acho um monstro sagrado do teatro, existem tantas outras mulheres, como Dulcina e Fernanda Montenegro”, diz ela, com extrema modéstia entre uma fatia e outra de bolo e café. Suely ama doces, ama. E fazer piada é com ela mesma: até as coleciona, recorta dos jornais e as guarda num envelope vermelho. Lê cinco jornais por dia e sabe de tudo – não faz a linha de atrizes que passam a tarde vendo programas de fofocas da televisão, ilhadas e solitárias. Sua casa lembra um grande camarim, com fotos de seus trabalhos penduradas por todos os cantos da sala, sem ordem certa. Uma grande estante suporta todos os troféus. No centro, uma poltrona clara chama a atenção: nela está acoplada uma espécie de carteira, onde Suely decora seus textos. “Só memorizo escrevendo e aqui é meu gabinete”, diz, sorrindo. Seus cuidados com a memória são cativantes e faz palavras cruzadas até mesmo na fila do banco. É que ela depende da memória para atuar e… pagar as contas. Há três anos, mora nesse imóvel depois de viver na Urca por décadas. “Gostava de morar naquele apartamento, mas era no terceiro andar, sem elevador. Papai morreu lá, imagina para descer?” Prática e – arrimo da família – mudou para essa nova casa, com o filho e a empregada, braço direito de duas décadas.

DONA DE CASA, EU?

Suely não faz o estilo dona de casa e papo de cozinha não é com ela. “Sei esquentar uma água quente como ninguém para um chá”, fala, acrescentando que também não é chegada à decoração. “Meu maior sonho é morar num flat, tipo hotel. Adoro quando vou atuar em São Paulo, não tenho de pensar em nada.” Inclusive é na capital paulista que se sente mais prestigiada. No Rio, dizem, o carioca não tem o hábito de saudar o artista. Suely, no entanto, gosta de ser reconhecida, se alimenta dos aplausos, mas não faz a linha glamour – não usa salto alto e se amarra em um conforto, colecionando alpargatas. Não faz exigências para a entrevista e não exige ser capa, levando a vida na real. “Suely é uma estrela moderna, ano 2019, sem nenhum tipo de frescura. Moderna como as mulheres normais”, descreve o amigo Ney Latorraca para J.P. Eles trabalharam juntos algumas vezes, como na novela ‘Estúpido Cupido’, de 1976, e brilharam no especial ‘Saudade Não Tem Idade’, de 1978.

KOPPA, O MACHÃO

Suely teve dois maridos, um deles o produtor de TV Eduardo Sidney. A relação durou pouco e logo em seguida, em meados dos anos 1960, atuando em São Paulo, ela conhece o pai de seu filho Carlinhos, o ator paraibano Carlos Koppa, conhecido na década de 1970 por interpretar machões e cafajestes. Grandão e gostosão, Koppa tinha um corpo musculoso, pele bronzeada e transbordava testosterona, além de um sorriso safado. Além de ator, consta que ele também tinha outra atividade: detetive. Juntos, moraram no bairro do Itaim e em uma chácara na região de Santo Amaro, e lá recebiam grandes nomes para almoços, como o casal Nicette Bruno e Paulo Goulart, Irene Ravache, Juca de Oliveira e tantos outros. Nessa época, Suely estava no auge da sua beleza, com cabelos compridos e pernas comparadas com as da estrela americana Cyd Charisse, e começou a deixar o marido enciumado. Sem razão, porque sempre foi fiel. Depois de seis anos veio a separação e muita confusão – Koppa era chegado num escândalo. “Detesto bate-boca, discutir, falar alto e brigar. Se tenho certeza que é pau e o outro diz que é pedra, deixo pra lá e concordo que ele tem razão. Aí fica tudo nos eixos. Chamam isso de falta de personalidade, eu já acho que é sabedoria”, confidenciava ela a Simon Khoury na série Bastidores.

Porém, como de burra não tem nada, ao atuar na peça ‘Amanhã, Amélia, de Manhã’, de Leilah Assumpção, ela sentiu que estava engolindo muito sapo no casamento e deu um basta. “Não quero falar disso”, diz para a revista, deixando claro que o assunto terminou e que de Koppa nem sabe o paradeiro. As últimas aparições dele na televisão foi no humorístico ‘A Praça É Nossa”, do SBT, já idoso, com os músculos de fora e uma peruca barata. Parece que foi morar no interior de São Paulo, sumiu e levou junto seu forte temperamento.

MOMENTO GOSTOSA

Foi em 1966 que Suely viveu seus dias de gostosa. E muitos. Pernocas de fora, cinturinha fina, foi estrela de Carlos Machado na elegante boate Fred’s. “Nunca fiz teatro de revista, mas show fazia sim, dirigida por Machado e vestida por Gisela, mulher dele.” A boate lotava para vê-la. Logo foi convidada para ser uma Certinha do Lalau, na coluna do jornalista Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo do jornalista Sérgio Porto, que durante uma semana a trazia em poses sensuais – uma delas, de peruca loira. A foto faz parte de sua coleção e está pendurada na sala. “Tá vendo? Sou eu de Certinha”, diz, toda prosa, sem ligar para os quilos a mais. “Minha família é toda de gente parruda”, fala, e aponta com orgulho os antepassados italianos num porta- retrato.

PRESENTE

Em 1998, Suely provoca mais um furacão na cena teatral vivendo a cantora Linda Batista no musical Somos Irmãs, sob a direção de Ney Matogrosso e Cininha de Paula. Nicette Bruno vivia Dircinha e só deu elas. Muitos iam assistir e chorar com Suely, vivendo toda a decadência de Linda. Resultado? Os prêmios Sharp e Shell, que ela exibe hoje com orgulho no alto da estante. A partir de então, emenda teatro com cinema e novelas. “O espetáculo ‘Somos Irmãs’ trabalha com temas que mexem muito com a gente. A pobreza, o declínio das irmãs Batista. Todos os que vivem o mundo das artes ou autônomos têm medo da velhice. Ainda mais na nossa profissão. São raros os que conseguem ter grandes salários. Podemos ser muito conhecidos, mas isso não quer dizer que estamos bem de dinheiro, que estamos confortáveis”, revelou em sua biografia A Alegria de Representar, escrita por Alfredo Sternheim.

Um talento desse tamanho e com essa idade – Suely faz 80 anos neste ano – só teve o privilégio de ter contrato por apenas três anos na Rede Globo, e uma vez na vida. Em 2011, ao lado de Tuca Andrada, fica três anos em cartaz com o espetáculo Seis Aulas de Dança em Seis Semanas, dirigido por Ernesto Piccolo. Tuca faz um professor de dança e ela uma senhora com câncer terminal. Mais aplausos, mais lágrimas: “Suely é uma lição de vida, tem um enorme prazer de viver, um sorriso largo, que quebra até mesmo meus momentos de mau humor”, diz Tuca. “Ela não está nem aí para essa coisa de glamour, que o nosso meio muitas vezes exige para ser mais valorizado, inclusive financeiramente”, continua.

Em 2014, outro sucesso nos palcos, Elza & Fred, um texto portenho que faz ao lado de Umberto Magnini e é dirigida por Elias Andreato. “Ela tem uma energia arrebatadora, sem dúvida a mais animada do elenco. Sempre chega com bom humor ou contando piada”, conta o ator Luciano Schwab, que interepretava seu filho. Na coxia, ele gostava de ficar vendo os veteranos atuarem, enquanto tinha gente que preferia ficar no celular. Hoje, interpreta Marlene, a senhora voluptuosa de ‘A Dona do Pedaço’, que tenta por todos os meios seduzir Ary Fontoura. O nosso encontro termina com Suely levando o repórter até o portão, tipo aquela tia, avó, mãe, vizinha e todos os seus personagens que fazem parte da dramaturgia brasileira. Suely é da família.

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