Elas não veem motivos para aderir à grita da militância feminista. Por amor, pragmatismo ou mero talento, assumem que lugar da mulher é cuidando do lar, do marido ou, no caso das lésbicas, do “homem da relação”
Por Paulo Sampaio para J.P de abril de 2017 | Ilustrações Zeca Gutierres
Você, com certeza, já topou com uma antifeminista. Mais de uma até – ela é bem menos rara do que se possa imaginar. Elegemos quatro tipos.
1º) Sem ser necessariamente analfabeta política, nem ignorante útil, ela de fato acha que o homem e a mulher têm “papéis diferentes na sociedade” e que o dela é cuidar da casa, passar os dias atendendo às crianças e apaziguar o marido quando ele chega estressado por causa dos negócios. A antifeminista do tipo 1 pensa basicamente como o presidente Michel Temer, que, no Dia Internacional da Mulher, lembrou o quanto a presença feminina no lar é importante, não só pela capacidade da dona de casa de “apontar os desajustes de preços em supermercados” como de “indicar flutuações econômicas no orçamento doméstico”. O marido dessa personagem seria alguém como o próprio presidente da República. Um sujeito que não se importa em ser mais baixo do que a mulher, desde que ela demonstre afeto, dedicação e interesse pelos afazeres da casa. Caso alguém a acuse de “submissão à sociedade machista”, ela reage com um discurso tipo: “Digamos que eu adore ir ao supermercado, que eu prefira trabalhar em casa do que ficar trancada em um escritório, e que eu tenha prazer em receber meu marido, no fim do dia, perfumada. E aí, o que eu faço? Começo a brigar comigo mesma? Gente, eu gosto de ser assim”. A militância feminista não se conforma com o “raciocínio pequeno burguês” da antifeminista 1, mas a verdade é que ela dá muito material para a revolta que alimenta o movimento. Trata-se de uma figura quase tão importante (dialeticamente falando) quanto o porco chauvinista.
2º) Leve, bem-humorada, consumista e segura do seu direito de gastar o dinheiro do marido até o último centavo, a antifeminista 2 costuma ser chamada de perua – mas não dá a mínima. Também não se importa se a consideram “burrinha” ou “alienada”. Em geral, ela está ocupada demais para aprofundar o assunto. Ocupada comprando um vestido Dior, tonalizando o cabelo ou retocando o botox. Ela já até teve contato com a militante feminista, mas não entendeu nada do que a outra estava falando. “Que conversa estranha… De onde surgiu essa mulher?” O déficit de atenção dela é tamanho – quando o assunto não é compras, “procedimentos” e viagens – que acaba por blindá-la involuntariamente. Mesmo que quisesse, a militante não teria acesso ao universo da antifeminista 2. O mesmo não acontece com o marido dela, que adora enchê-la de dinheiro. Para ele, vê-la gastar é uma experiência afrodisíaca. Se possível, na frente dos amigos dele e – principalmente – das amigas dela. Nosso amigo sente orgulho de chegar no clube, no condomínio da praia ou no restaurante da moda acompanhado daquela mulher de cabelo muito liso, bochecha turbinada, vestido caro e bolsa de marca. “Oiê”, diz ela, rescendendo a perfume americano. E ele: “Não me olhem com essa cara. A culpada do atraso é dona Ana Lúcia, que demora três horas para se arrumar”. Ana Lúcia sorri e recosta no ombro do marido, agarrando-o pelo braço. Ele dá um beijo no cabelo tonalizado dela, sorrindo com um gesto de ursão protetor.
3º) O terceiro tipo é a antifeminista prática, que pensa que alguém tem de administrar a casa e é mais lógico que esse alguém seja a mulher. Para ela, a possibilidade por vezes levantada pelas feministas, de inversão dos papéis – mulheres trabalham, e os maridos cuidam da casa – é coisa de quem sofre de “falta de assunto”. “Eu não me vejo como empregada do meu marido, eu me vejo como administradora da casa. O problema dessas mulheres é que elas não encaram o casamento como parceria, mas como competição. O Sérgio gosta de ganhar dinheiro, ótimo, que trabalhe e ganhe muito.” Ao administrar o dinheiro do marido, ela reserva uma mesada para os seus luxos e impõe férias fora do Brasil, carro novo a cada dois anos e presentes bons no dia do aniversário. Fica à vontade também para exigir atenção quando o problema demanda “um homem para resolver”: “Tipo queda de energia elétrica, bichos estranhos no jardim e guincho para rebocar o carro”. Em sua praticidade, a antifeminista 3 transa com o marido tecnicamente, ainda mais agora que o casamento está completando dez anos e a rotina massacrou o desejo sexual dos primeiros tempos. Ela acredita que ele tem amante, pensa: “O Sérgio pode dar seus pulos fora, contanto que eu não saiba. Não existe marido fiel. O cara tem uma boa situação financeira, é bonitão, sabe conversar, fatalmente vai ser assediado por uma mulher mais jovem, com a bunda durinha. Isso é um clichê”, acredita. A militante feminista considera essa resignação inaceitável, mas a antifeminista 3, sempre muito prática, não vai discutir o assunto. “Não tenho paciência.” Entretanto, caso venha a saber que o marido a trai, e a situação a exponha à humilhação social, ela termina o relacionamento com um frio e sucinto ponto final.
Há quem pense que, por silogismo, toda lésbica é essencialmente feminista. A inferência não se comprova em pelo menos um caso, muito comum, aliás, da “sapinha” que sente prazer em se submeter ao “homem da relação”. Vamos tomar o caso de Cida e Dedé Capoeira. Cida cozinha para Dedé, serve cerveja geladinha com frios na hora do jogo Santos e Palmeiras e guarda a carteira dela na bolsa, quando as duas vão a um bar de música ao vivo ou ao show de Ana Carolina. Nessas ocasiões, Dedé sempre enche o caneco e acaba tendo uma crise de ciúmes. Já virou mesa de bar, ameaçou pegar a arma no porta-luvas do Corsinha (ela fez curso de tiro) e, em casos extremos, deu uns tecos na gata (por acreditar que foi ela que “provocou” a paquera). Cida chora, Dedé se diz arrependida, e assim o relacionamento delas vai completar 20 anos. A família de Cida a alerta para o “amor doentio” de Dedé, sugere que ela vá à delegacia das mulheres registrar um boletim de ocorrência, mas, por maior que seja o hematoma em seu olho, ela sempre defende a outra. Seu irmão, Décio, já até saiu no braço com Dedé, mas levou a pior. Depois de uma partida de sinuca, os dois fizeram as pazes. Nesse momento, Cida passa um pano úmido com Veja na sala, enquanto Dedé joga PlayStation sentada no sofá, com os pés cruzados em cima da mesa de centro. “A cerveja tá gelada, amor?”, pergunta, com um cigarro caído no canto da boca.