O paradoxo ‘Zap’: O futuro moldado por empresas que o app silenciosamente corrói?

Mark Zuckerberg, CEO da Meta Platforms, durante evento da empresa || Créditos: Cortesia de Meta Platforms, Inc./Media Gallery

Faz quase uma década que Mark Zuckerberg, cofundador da Meta Platforms, surpreendeu o mundo tecnológico ao anunciar a compra do WhatsApp por US$ 19 bilhões (R$ 95,8 bilhões). Desde então, o aplicativo agora disponível em 109 países alcançou mais de 2 bilhões de usuários, mas ainda não é uma grande fonte de receita.

Ao contrário do Instagram, adquirido por cerca de US$ 1 bilhão (R$ 5,04 bilhões) em 2012, o WhatsApp não vende anúncios. No entanto, seu controlador centibilionário vê valor no ativo intangível fundamentado em nossas personas virtuais e aposta em seu potencial latente. Zuck, CEO e maior acionista da Meta, indicou em conversa com investidores nessa terça-feira (27), durante o evento corporativo Meta Connect, que o app de mensagens será o protagonista do “próximo capítulo” da gigante das redes sociais, sugerindo uma possível mudança de foco significativa.

Para se capitalizar, o serviço de mensagens privadas favorito por essas bandas precisa que grandes empresas globais o usem para interagir com seus clientes. Porém, um desafio é que sua natureza criptografada não é ideal para publicidade. Isso porque, em um lugar onde os chats são secretos, fica complicado segmentar anúncios.

O mercado global de mensagens para negócios, ainda dominado pelo SMS, é robusto e movimenta cerca de US$ 32 bilhões (R$ 161,3 bilhões) anuais. O WhatsApp, com sua abordagem moderna, oferece uma alternativa atraente, especialmente em uma era dominada pelo digital, desempenhando um papel crucial ao ajudar empresas e marcas a construírem relações mais próximas com seus públicos-alvo. A Meta, nesse sentido, quer converter seus números grandiosos contados aos bilhões em cifras, ao menos no médio prazo, e a fim de elevar suas receitas com o subsidiário, estimadas entre US$ 500 milhões (R$ 2,52 bilhões) e US$ 1 bilhão (R$ 5,04 bilhões) por ano. Isso representa menos de 1% das vendas totais da companhia em 2022, que foram mais de US$ 116 bilhões (R$ 584,6 bilhões), e indica o tamanho da tarefa.

Certamente o WhatsApp tem sido vital para empresas que buscam estreitar relações com os consumidores. Mas, aqui há um lado sombrio. A mistura de conversas profissionais e pessoais no mesmo espaço gerou um terreno fértil para mal-entendidos e conflitos – e prejuízos também bilionários. Essa linha tênue entre o profissional e o pessoal no app pode ser contraproducente, misturando assuntos delicados com conversas descontraídas. Hoje, negócios de todos os tamanhos e tipos estão adaptando suas estratégias de comunicação para se alinhar com as preferências digitais dos consumidores. E mesmo o WhatsApp, que tem sido essencial nessa transição e não faz muito tempo era visto como uma ferramenta benéfica, está sendo evitado em alguns segmentos em razão disso.

Avanços tecnológicos, claro, sempre afetaram nossas vidas. Um estudo da Universidade de Stanford, publicado em 2022, revelou que 29% dos funcionários compartilharam informações sensíveis da empresa no WhatsApp, demonstrando os riscos da digitalização. A desinformação geral é um problema crescente na plataforma, intensificado pela enxurrada de dados no aplicativo.

No ambiente corporativo, o WhatsApp enfrenta inúmeros novos desafios. Uma pesquisa da Universidade de São Paulo, também do ano passado, mostrou que 41% dos profissionais testemunharam comportamentos inadequados em grupos do app. Esses grupos, extensões virtuais do ambiente de trabalho, têm sido palco de assédios morais, perseguições, discriminações e até zombarias por condições de saúde mental. A criptografia do aplicativo torna ainda mais complexa a obtenção de provas desses atos, amplificando rivalidades e comportamentos reativos, potencialmente causando problemas ainda maiores daí em diante. Contudo, a justiça brasileira produziu precedentes recentes de capturas de trechos de conversas privadas no WhatsApp, e a possibilidade de quebra do sigilo telemático dos envolvidos em determinadas situações pode resolver essas dificuldades técnicas.

Esse “limbo” legal ressalta a dualidade da criptografia: uma proteção que pode ser contornada mediante situações específicas. Mas esse é um problema da Web 3.0, que representa a nova era da internet descentralizada e caracterizada pela integração de tecnologias como blockchain, e está intrinsecamente ligad0 à noção de dados criptografados. O WhatsApp, ao operar com criptografia de ponta a ponta, entra nesse paradigma, mas, ao mesmo tempo, se vê em meio aos desafios emergentes do Big Data e de como a informação é compartilhada e interpretada.

Ainda que pareça quase que um “networking” aderir a tais grupos, o desfecho pode ser um verdadeiro tiro no pé. A individualidade e a proatividade nunca foram tão importantes nessa conjuntura, e seguir cegamente as panelinhas ancoradas no Big Data pode não ser o melhor caminho. A propósito, o cenário digital trouxe à tona também a questão sobre o domínio e influência dos megadados, que no WhatsApp viram minas. Esses grandes dados têm o potencial não só de revelar, mas também de influenciar realidades. Alimentam algoritmos e sistemas de Inteligência Artificial (IA), permitindo que eles se tornem mais precisos e personalizados. No caso do WhatsApp, a combinação desses dados com comunicações criptografadas pode levantar questões sobre privacidade, influência, e proporcionar a conveniência de potencialmente manipular realidades.

Apenas uma janela para esse mundo vasto e complexo em que o Big Data faz a IA, tão temida, parecer uma “mocinha” de novela, o WhatsApp veio pra ficar. Mas tratá-lo como unanimidade ecoa a lição aqui implícita de Nelson Rodrigues. E enquanto nos beneficiamos de suas facilidades, é crucial que reavaliemos nossa relação com ele. Afinal, na era digital, somos simultaneamente o produto e o consumidor, navegando nas águas turbulentas da inovação e da privacidade.

Revolucionário, sim. Mas enquanto abraçamos as maravilhas do WhatsApp, faz bem procurar suas armadilhas. A tecnologia avança, mas quem amadurece é a gente, e cabe a nós decidir se essa evolução será para nossa benção ou maldição. E, como diz o ditado, “boi lerdo bebe água suja”.

Sair da versão mobile