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PODER convocou um time de experts para dizer o que pensam sobre o assunto. Claro que cada um tentou ser mais feliz que o outro na resposta, puxando a alegria para sua área

Por Victor Martinez

Temas complexos como física quântica e inteligência artificial, por exemplo, sempre deixam os pesquisadores de Harvard de cabeça quente. Mas assuntos, digamos, bem mais corriqueiros também tiram o sono dos cientistas de uma das mais prestigiadas universidades do planeta. Para se ter uma ideia, um dos estudos mais longos da instituição norte-americana é uma questão que intriga a humanidade desde que o mundo é mundo: felicidade.

Há 75 anos está em curso no Departamento de Desenvolvimento Adulto, área de estudo da psicologia, uma pesquisa que tenta mapear como se consegue ser feliz por meio da saúde física e mental. O grupo monitorado tem 724 pessoas que, a cada dois anos, passam por exames médicos e avaliações de como anda seu nível de interação social, além de entrevistas com as respectivas famílias. Em 2015, o doutor Robert Waldinger, quarto diretor a assumir o trabalho, fez uma apresentação no TED de Beacon Street com o seguinte título: Do que é feita uma vida boa? Lições do mais longo estudo sobre felicidade. “Se você hoje fosse investir no seu melhor ‘eu’ futuro, no que colocaria seu tempo e energia?”, provocou na época.

Ainda que seja um conceito abstrato, subjetivo, difícil de definir, a tal “euforia perpétua”, expressão do escritor e filósofo francês Pascal Bruckner para se referir à felicidade, está ligada ao universo religioso, filosófico, cultural… depende de que lado se olha. Pois foi justamente para enxergar essa questão sob diversos ângulos que PODER convocou um time de sete especialistas para responder à pergunta do título.

…ADAPTAR-SE ÀS CIRCUNSTÂNCIAS
ARTHUR GUERRA, PSIQUIATRA

Para o coordenador do Redenção [programa da prefeitura de São Paulo de combate ao consumo de crack] e um dos maiores especialistas do país em dependência química, felicidade e saúde mental andam juntas. Segundo ele, a felicidade não é uma meta para a psiquiatria. “Na verdade, a felicidade é um estado de espírito, consequência de um bem-estar mental que tangencia alguns momentos de grande prazer”, explica.

Sendo assim, não dá para ser feliz o tempo todo. Ao mesmo tempo, o mundo pós-moderno incentiva uma busca quase compulsiva pela felicidade em todas as áreas da vida: profissional sentimental, familiar, sexual, financeira, o que não é possível. Para compensar isso, acaba-se buscando a felicidade de maneira artificial, por meio de drogas legais, caso dos ansiolíticos, por exemplo, e de drogas ilícitas, como maconha, cocaína e crack. Para ilustrar um sentimento próximo de felicidade dentro da psiquiatria, o médico conta o caso de uma paciente, usuária de maconha e de cocaína, que descobriu que estava grávida. Quando soube, parou de usar drogas para curtir a gestação e o filho. E, com isso, seu quadro de depressão melhorou muito. “A gente que tem de fazer escolhas que, na verdade, são adaptações às condições que a vida oferece”.

…CUIDAR BEM DO INTESTINO
DANIELA JOBST, NUTRICIONISTA

Para quem acha a resposta meio estranha, a nutricionista explica: “Não dá para falar de felicidade sem falar em serotonina, neurotransmissor relacionado a essa sensação que tem 80% de sua produção realizada no intestino. Isso significa que uma dieta saudável, ou seja, com alimentos e suplementos que preservam a flora intestinal é muito mais importante do que se pensa”, explica. O intestino só perde para o cérebro em número de neurônios e, por esse e outros motivos, é chamado de o segundo cérebro. “Se o intestino não está bem, a produção de serotonina fica prejudicada. Quando tenho um paciente com depressão, começo observando o intestino, pois muitas doenças se iniciam ali”, justifica a nutricionista, fazendo alusão ao livro The Second Brain, (em tradução livre seria algo como O Segundo Cérebro), do norte-americano Michael D. Gershon, que está à frente do Departamento de Anatomia e Biologia Celular da Universidade Columbia, nos Estados Unidos.

Mas como ter um intestino saudável para manter a depressão à distância? Daniela sugere três passos simples: aumentar o consumo de alimentos ricos em serotonina, como cereja, cacau e banana; evitar alimentos alergênicos que alteram a flora intestinal, caso de trigo, leite, amendoim, soja e ovo; e ingerir ômega 3. “O cérebro usa muito ômega 3, porque os neurônios são envolvidos por uma membrana rica nessa e em outras substâncias. Com bons níveis de ômega 3, o cérebro funciona melhor na captação da serotonina”, explica Daniela. Além de preventivas, essas medidas, de acordo com a nutricionista, são terapêuticas. “Faço o desmame dos neurolépticos (tipo de antidepressivo) de muitos pacientes simplesmente substituindo os medicamentos por uma alimentação e suplementação saudáveis.”

…VIVER O MOMENTO PRESENTE
ANA CLAUDIA QUINTANA ARANTES, GERIATRA

Para a médica Ana Claudia, especializada em cuidados paliativos pela Universidade de Oxford, nos Estados Unidos, felicidade tem a ver com pertencimento, sentimento que aparece em um instante de conexão com o universo. O estado de presença contribui para isso. “Entender que a felicidade está no amanhã é não se conectar com o mundo presente e deixar de perceber que ele oferece muitas possibilidades de felicidade”, explica ela, sócia fundadora da Associação Casa do Cuidar responsável pela elaboração e a implementação de políticas assistenciais e treinamentos em cuidados paliativos, em São Paulo.

Quando questionada sobre como viver o momento presente, é direta: “Todo mundo deveria pensar mais na morte, porque isso traz a consciência de que a vida é breve”. Para ela, a noção de finitude empodera a vida. “Trabalho com pessoas que vivem o presente pela dor. Elas estão presentes em um momento muito difícil da vida. Por conta da minha qualificação técnica, consigo aliviar esse sofrimento e fazê-las experimentar a felicidade”, diz. Para ilustrar sua teoria, Ana Claudia cita um ensinamento do ex-presidente uruguaio José Mujica. “Ele diz que quando você vai comprar um carro, não deve pensar no valor, mas se perguntar quanto tempo ele vai custar. Isso funciona para pensar na quantidade de tempo gasto odiando uma pessoa, por exemplo. Isso atrapalha o caminho para um estado de conexão”, finaliza.

…CONHECER-SE INTIMAMENTE
CARLOS CZERESNIA, GINECOLOGISTA E OBSTETRA

Mulheres felizes são satisfeitas com sua sexualidade e sua expressão de feminilidade. “E são esses dois elementos que, muitas vezes, aparecem instintivamente na maternidade”, afirma o médico, completando que o autoconhecimento é a chave para isso. “No consultório, pacientes que aparentemente conhecem mais o próprio corpo são mais relaxadas em relação a sua sexualidade e feminilidade”, explica ele, que está à frente da clínica Célula Mater, em São Paulo.

Por outro lado, Czeresnia ressalta que o autoconhecimento também tem um lado sombrio. “Hoje, vejo meninas querendo fazer ninfoplastia, cirurgia para reduzir os lábios vaginais. Ou seja, excesso de autoconhecimento pode acabar em neurose”, observa. Outro fenômeno apontado por ele é que mulheres na menopausa ficam mais felizes quando fazem reposição hormonal. “Elas sentem uma diferença brutal. Afinal, hoje a expressão sexual não se restringe apenas às jovens, mas também às mulheres maduras.”

… SABER QUAL É SUA MISSÃO NO MUNDO
NILO GARDIN, MÉDICO ANTROPOSÓFICO

Segundo Gardin, a ideia de felicidade está ligada a dois conceitos: um vem da antroposofia, de Rudolf Steiner, e outro da logoterapia, de Viktor Frankl, ambos pensadores austríacos. “Felicidade é um duplo vetor. Para dentro, ‘egoísta’, no que diz respeito a um sentimento de satisfação que vem do crescimento interno. Para fora, altruísta, quando você identifica a diferença que faz na vida de outras pessoas”, resume. De acordo com essa visão, trata-se de um círculo virtuoso, já que o desenvolvimento interno está atrelado ao que a pessoa faz pelas outras. “Qual é minha tarefa no mundo? Não considero que um ser humano possa ser verdadeiramente feliz sem saber isso”, reflete Gardin. Mesmo com uma resposta, o médico aponta ainda dois riscos nesse processo: o egoísmo ou a negligência consigo mesmo. “As duas polaridades são obstáculos para a realização pessoal. O equilíbrio é a melhor opção.”

…SER DISCIPLINADO
EDUARDO TAKEUCHI, PERSONAL TRAINER

A disciplina a que Takeuchi se refere é desdobrada em “poder fazer todas as atividades diárias com efetividade, ter uma vida saudável (corpo, mente e espírito) e equilibrada entre dever e prazer”. Para isso, ele, que é formado em Educação Física e hoje trabalha como preparador físico para esportes com prancha (surfe, skate e snowboard), diz que o primeiro passo é autoconsciência. “E o melhor jeito de chegar a isso é meditando.” A base da meditação é a respiração e, por meio dela, “você consegue controlar seu estado de espírito, o que muda totalmente a sua vida”. Takeuchi não pisca para dizer que, além da meditação, a prática regular de atividade física e a nutrição adequada também fazem parte do pacote relacionado à saúde, à qualidade de vida e à disposição para encarar as tarefas diárias. “A partir do momento que entender isso, você vai passar a valorizar cada treino e cada refeição, ou melhor, vai passar a se valorizar, a se colocar como prioridade.”

…TER UM OLHAR BENEVOLENTE
CLAUDIO ROSSI, ANALISTA

De acordo com Rossi, “felicidade não é um conceito psicanalítico”.Ainda que Freud e outros autores tenham escrito sobre ela. Entre os vários significados e definições, o analista prefere dizer que felicidade é um sentimento de prazer que, por sua vez, acontece quando se está curtindo a vida. Segundo ele, todos conhecem momentos de felicidade: eles costumam ser ocasiões de paz, de harmonia e de beleza. No entanto, “(felicidade) não é um direito, ninguém pode dá-la para nós”, ressalva. Nesse sentido, o caminho da felicidade dependeria do próprio indivíduo lançar um olhar sobre o mundo com benevolência e aceitação. Afinal, “somos felizes mais frequentemente quando não esperamos demais das pessoas e da vida”, pontua.

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